Patrícia Fernandes
Jornal de Brasília -
24/11/2013
Na teoria, o concurso público é a forma mais justa para
selecionar os melhores profissionais. Na prática, porém, não é bem assim que
pode funcionar. Nem sempre o processo é considerado democrático e ético pelos
postulantes a um cargo no serviço público. Nos casos em que a idoneidade do
certame é colocada em xeque, muitos candidatos optam por levar o caso à Justiça
para fazer valer seus direitos.
Desta maneira, de acordo com o mapa de atuação do Ministério
Público Federal (MPF), existem 2.061 processos extrajudiciais relacionados a
concursos públicos. Os números mostram, ainda, que atualmente 504 inquéritos
policiais e processos judiciais encontram-se em fase de investigação.
O caminho que leva o candidato à esfera judicial é longo.
Antes dele, existe a instância administrativa para acionar a banca examinadora.
Só após a negativa ou demora na resposta por parte das empresas organizadoras,
os concursandos recorrem à Justiça para serem atendidos. Segundo especialistas,
entre os pontos mais levantados pelos candidatos estão objeções ligadas à
desclassificação em avaliações físicas, garantia de nomeação e erros no edital.
Decepção
O professor José Geraldo Felipe da Silva, 57 anos, dedicou os últimos anos a uma árdua
preparação para conseguir ingressar no setor público. Contudo, quando seu
objetivo, enfim, foi alcançado, algo deu errado. “Fiz o concurso mais recente
do Ibama para o cargo de analista administrativo. No edital estava definido que
seriam convocadas 61 pessoas para Brasília. Desse total, 57 seriam do grupo
geral e quatro portadoras de necessidades especiais. Quando saiu o resultado da
prova objetiva e da discursiva verifiquei que ocupava a posição 56°”, conta.
“Fiquei muito tranquilo e comecei a me preparar para o
emprego novo. Porém, pouco tempo depois saiu uma retificação do edital
informando que seriam convocados 55 candidatos do grupo geral e seis portadores
de necessidades especiais. Com essa mudança, eu fiquei de fora”, lamenta.
Justiça
Diante da mudança considerada injustificada, José conta com
a esperança de que a justiça seja feita. “Eu tinha uma expectativa imensa. É
lamentável porque eu cumpria exatamente tudo o que o edital pedia”, indica o
professor.
“A impressão que dá é que estão querendo favorecer um grupo
de portadores de necessidades especiais, pois com essa retificação toda a
realidade do concurso muda”, conta. Segundo ele, o advogado que o assessora no
caso está elaborando a tese e entrará com a ação judicial nos próximos dias.
Ponto de Vista
De acordo com o especialista em Processo Civil Rafael
Augusto Braga de Brito, o candidato que apresenta argumentos devidamente
embasados costuma ter sentença
favorável. “Alguns editais colocam requisitos que são desrespeitados ao longo
do certame. Caso isso seja provado, o candidato obtém êxito”, ressalta. Ele diz
que não existe prazo definido para que a pessoa lesada recorra à Justiça.
“Os candidatos devem observar se existe direcionamento
suspeito. Por exemplo, se um concurso para a carreira policial exigir um curso
de culinária em Paris, fica evidente que há privilégio para alguns. Afinal, a
exigência não é compatível com a área de atuação”, compara o especialista.
Mais de 280
indiciados após investigações
De acordo com a Polícia Federal, não existem dados
consolidados de investigações sobre fraudes em concursos. Contudo, o órgão
destaca duas grandes ações ocorridas nos últimos anos. Em junho de 2010, por
exemplo, foi realizada a Operação Tormenta, que investigou uma quadrilha
especializada em fraudes de concursos públicos.
Ao longo da investigação foram comprovadas irregularidades
em concursos de instituições como a Polícia Federal, Ordem dos Advogados do
Brasil, Receita Federal, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac).
Foram indiciadas mais de 280 pessoas; foram afastados ou
impedidos de tomar posse 62 servidores; e foram arrestados os bens de 18
pessoas. Os criminosos estão respondendo por vários crimes, como formação de
quadrilha, estelionato qualificado, receptação e corrupção ativa e passiva,
dentre outros.
Mandados de prisão
Já em dezembro de 2012 a Polícia Federal foi responsável
pela realização da Operação Calouro. O objetivo foi desarticular organizações
criminosas especializadas em fraudar vestibulares para entidades de Ensino
Superior de Medicina em todo o Brasil.
Foram expedidos mais de 70 mandados de prisão no Distrito
Federal e em dez estados (Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro,
São Paulo, Tocantins, Rio Grande do Sul, Acre, Mato Grosso e Piauí). No período
de um ano e meio, entre 2011 e 2012, 54 diferentes provas de vestibular em
Medicina foram fraudadas em todo o País.
Quarenta e cinco instituições de ensino em todo o País foram
afetadas. Os investigados estão respondendo na Justiça por cinco crimes:
formação de quadrilha, falsidade ideológica, falsidade documental, lavagem de
dinheiro e fraude em certame público.
Os candidatos que buscam orientação antes de recorrer à
Justiça têm a disposição, nessa luta, entidades capazes de oferecer o suporte
necessário. É o caso da Associação de Defesa e Apoio aos Concurseiros (Andacon)
e a Associação Nacional de Proteção e Apoio ao Concurso (Anpac)
Números
2012 houve operação contra fraudes em vestibulares para
Medicina.
70 mandados de prisão foram expedidos no DF e em 10 estados.
54 fraudes em provas de Medicina ocorreram entre 2011 e
2012.
Falta de respeito
Diante da batalha judicial que se inicia, Rodrigo Brandão não
pensa em desistir. “Eu espero que o resultado seja revisto e que eu tenha
oportunidade de trabalhar”, observa. Contudo, os problemas de Rodrigo não se
restringem à ação judicial. “Nos Correios me indicaram desligamento do cargo
quando eu tinha 75 dias de atuação, alegando que eu não gosto de serviço
administrativo e a minha personalidade não é compatível. Fui obrigado a
recorrer à Justiça”, disse.
Candidato reclama de discriminação
Além de todos os problemas que os candidatos podem enfrentar
até a nomeação para o cargo, para as pessoas com algum tipo de deficiência a
situação é ainda mais delicada. Afinal, após passar por todas as etapas, eles
são submetidos à perícia médica para comprovar a capacidade de exercer o cargo.
É o caso do pedagogo Rodrigo Maykon Brandão, 25 anos,
portador da deficiência física de pé chatos congênitos. Aprovado na condição de
deficiente físico, no último concurso do Tribunal de Justiça do DF, ele passou em
todas as etapas, mas no momento da perícia médica foi considerado não-apto pela
banca organizadora para o cargo de técnico judiciário, na área administrativa.
Curiosamente, alega o candidato, a mesma banca o aprovou para o cargo de
analista de correio júnior.
“Para o concurso dos Correios fui chamado em agosto deste
ano. Já no TJDFT, a perícia foi no meio do ano. Assumi no concurso que fui
nomeado para ter, pelo menos, uma garantia enquanto aguardo a decisão judicial.
Entrei com recurso administrativo e, em seguida, entrei com mandato de
segurança, assim que saiu a resposta do recurso administrativo”, explica o
candidato.
Taxa alta, serviço ruim
Segundo o advogado especialista em concursos públicos e
professor da Vestcon Max Kolbe, o índice de investigações de fraudes nos
pleitos é alarmante. “O que me deixa perplexo é que a taxa de inscrição é muito
cara. Então, logo, você pressupõe que exista uma lisura em todo o processo, do
início ao fim. No entanto, a realidade é que as provas são mal elaboradas, e
que a segurança ainda é muito ruim. Temos casos até de candidato tirando foto
da prova”, declara.
Kolbe ressalta que esse cenário pode ser justificado. “Isso
demonstra que, como a banca organizadora é escolhida por meio da dispensa de
uma licitação, existe uma espécie de burla ao sistema. A cada dia que passa as
bancas são piores, as taxas ficam mais caras e a qualidade do serviço prestado
é ruim. O que existe, sim, é um afronta ao interesse da coletividade. O que
parece é que o único interesse com os concursos é o lucro”, assegura.
Licitação
Segundo ele, apesar de ser alarmante, a situação pode ser
resolvida. “Com a dispensa de licitação, as bancas contratadas são ruins.
Deveria existir uma legislação mais rigorosa para regulamentar esse tipo de situação.
Nem que seja a criação de um monopólio. A banca que deixar vazar a prova, por
exemplo, poderia ser impedida de realizar outros concursos”, relata.
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