Lorenna Rodrigues
Valor Econômico
- 23/06/2014
Brasília - Com inflação acima do centro da meta e o tema do
ajuste fiscal ganhando protagonismo na campanha ao Palácio do Planalto, o
próximo presidente da República enfrentará mais uma dificuldade para cumprir a
promessa de colocar as contas em dia: a pressão do funcionalismo público por
reajustes salariais.
No início do próximo ano, grande parte dos servidores
federais receberão a última parcela de um reajuste acordado em 2012, quando a
presidente Dilma Rousseff autorizou aumento de 15,8%, dividido em três anos.
Se na época o percentual foi bem acolhido pelos
contemplados, dois anos de inflação batendo no teto da meta foram suficientes
para disseminar a insatisfação entre praticamente todas as categorias dos três
poderes.
Os servidores reclamam que o reajuste não foi suficiente
para manter o poder de compra no período entre 2012 e 2014. As perdas alegadas
variam de acordo com o índice usado.
Cálculo feito pela consultoria Tendências a pedido do Valor
mostra que a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
acumulará no triênio 19,35% (considerando a projeção para este ano do Boletim
Focus, do Banco Central). Isso significa que o reajuste deixou de cobrir 3,06%
da inflação do período, de acordo com as ponderações feitas pela consultoria.
A pressão por novos aumentos, que incluirá greves e
paralisações, deve se intensificar já no primeiro semestre de 2015, a tempo de
incluir qualquer mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que tem de
ser votada até o final julho.
O funcionalismo insatisfeito pode causar estragos do ponto
de vista fiscal. Em 2012, o reajuste representou impacto de R$ 30 bilhões
apenas para o Executivo.
"No ano que vem, a tendência é termos um acirramento
dessa demanda", diz o secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores
no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva.
No Congresso Nacional, o governo trabalha para barrar a
chamada PEC dos Magistrados, que prevê reajustes automáticos a juízes e
desembargadores, mesmo se ultrapassado o teto constitucional. O custo calculado
pela equipe econômica é de R$ 3 bilhões por ano caso o projeto seja aprovado.
Além disso, servidores do Judiciário articulam aprovação de projeto que prevê
reajuste de mais de 40%.
Algumas categorias não esperaram o fim do acordo para
reivindicar novo aumento, como funcionários do IBGE, Ministério da Cultura e
técnicos administrativos das universidades federais, que estão em greve ainda
na vigência do acordo. Integrantes da Polícia Federal e da Receita Federal
foram impedidos pela Justiça de parar durante a Copa do Mundo.
Para este ano, porém, a previsão é de que sejam feitas
apenas paralisações pontuais, já que novas greves não seriam frutíferas: a lei
eleitoral impede a concessão de reajustes a partir de 4 de julho. Antes do
prazo final, Dilma sancionou lei que dá reajuste a servidores de agências e
incluiu os agentes da Polícia Federal no acordo de 2012.
O secretário de Relações do Trabalho do Ministério do
Planejamento, Sérgio Mendonça, explicou que novos aumentos não serão dados na
vigência do acordo e, mesmo em um novo ciclo, devem ser discutidos considerando
o espaço fiscal.
"É importante dar um passo forte em direção a ter
regras mais claras em relação a reajustes para evitar essa tensão que temos
pela frente. Nós não vamos ter um ciclo fiscal abundante, a não ser que nós
sejamos surpreendidos por um aumento forte do crescimento econômico, mas mesmo
que aconteça não vai pular para crescimento chinês", disse.
O secretário refuta o argumento dos funcionários públicos de
que o reajuste de 2012 resultou em perda e diz que a política é olhar os
benefícios acumulados nos doze anos de governo petista. "O pessoal se
acostumou com o período de bonança", afirma. "Os primeiros oito anos
foram mais favoráveis para recuperar o passado, a política dura do governo FHC,
era um contexto diferente. Não poderia continuar desse jeito".
Mendonça cita como exemplo o crescimento da folha apenas com
os civis do poder Executivo, que foi de 224% entre 2002 e 2014, enquanto a
inflação do período subiu 87%. A proposta do governo é, no próximo ano,
discutir no Congresso Nacional mais poder para a chamada "mesa de
negociação", entre ministérios e servidores, institucionalizando acordos
mais longos e regulamentando greves durante a vigência do acordo.
Representantes dos Servidores Públicos reclamam que, assim
como os reajustes, a tolerância e o diálogo também diminuíram no governo Dilma.
Seu antecessor, o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, reestruturou
carreiras, principalmente as consideradas típicas de Estado, como analistas da
Receita Federal e do Tesouro Nacional, e concedeu aumentos de mais de 50% a um
funcionalismo que reclamava de arrocho salarial nos anos FHC.
"O presidente Lula tinha uma relação muito mais
próxima, a ministra [do planejamento, Miriam Belchior] é muito dura e
intransigente", afirma a presidente do Sindicato dos Analistas Tributários
da Receita Federal (Sindireceita), Sílvia de Alencar.
As mesmas categorias priorizadas no governo Lula reclamam
agora de sucateamento. Na Advocacia-Geral da União (AGU) - onde o salário
saltou de R$ 4,2 mil em 2002 para R$ 16,5 mil neste ano - agora falta até
gasolina para transportar procuradores de uma audiência para outra.
Os procuradores federais reclamam que os salários praticados
são inferiores aos de outras funções semelhantes - procuradores de Estados, da
República, juízes e promotores que começam a carreira ganhando cerca de R$ 22
mil. "Tudo isso gera uma evasão muito grande na carreira. Quem perde é o
Estado que deixa de ser defendido por pessoas experientes em uma instituição
que trata de processos bilionários, de ampla repercussão", disse o
presidente da Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni), Rommel
Macedo.
Apesar do significativo crescimento nominal, nos últimos
anos, os gastos com a folha do governo estão estáveis em pouco mais de 4% do
Produto Interno Bruto (PIB). O atual governo vê essa estabilidade como positiva
e não pretende fazer esforços para reduzir a proporção.
"O problema do gasto com pessoal é que ele ocupa espaço
muito grande no orçamento e impede que outros gastos cresçam", diz o
economista da Tendências Felipe Salto. "Na hora de fazer o ajuste quem
acaba pagando a conta é o investimento, e há uma composição ruim do gasto
público", acrescenta. Ele sugere a inclusão na Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) de uma trava ao crescimento da despesa à metade do crescimento do
PIB do ano anterior, como forma de diminuir a fatia dessa despesa no orçamento.
"Se isso não for feito, a tendência é que o gasto com
pessoal cresça em proporção do PIB porque teremos crescimentos menores nos
próximos anos", conclui Salto.