Rosana Hessel
Correio Braziliense
- 17/04/2015
A proposta do governo federal de limitar os gastos com
servidores, conforme consta do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
de 2016, publicado no Diário Oficial da União de ontem, pode abrir uma guerra
entre o Executivo, de um lado, e o Legislativo e o Judiciário, de outro. Isso
porque, de acordo com a Constituição, cada um dos Poderes tem autonomia para
reajustar livremente os salários de seus funcionários. Pela primeira vez, o
Executivo está tentando limitar os reajustes salariais das outras áreas.
“Cada poder é autônomo, tem seu titular e seu respectivo
teto salarial. Vai ser uma disputa grande entre os Poderes, se houver mudança.
Mas é possível haver uma conciliação sobre as determinações constitucionais
porque a Lei de Responsabilidade Fiscal também precisará ser respeitada”,
explicou Roberto Bahia, professor de direito constitucional da Faculdade de
Direito de São Bernardo do Campo (SP).
Ao entregar o projeto ao Congresso, na quarta-feira, o
ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, informou que a ideia é definir um
valor máximo para a elevação das despesas, além do crescimento vegetativo da
folha de pagamentos, levando em consideração “o espaço fiscal disponível”. O
limite será discutido nos próximos meses e será definido apenas em agosto,
quando o governo enviar ao Legislativo o Projeto da Lei Orçamentária Anual
(Ploa).
O diretor para a América Latina do Eurasia Group em
Washington, João Augusto de Castro Neves, acredita que a equipe econômica da
presidente Dilma Rousseff terá problemas para aprovar a mudança. “Os interesses
do Congresso Nacional podem não respeitar os do Executivo, e eles devem argumentar
que essa mudança é inconstitucional, mas é preciso lembrar que, para todo
gasto, é preciso ter uma previsão de receita”, disse ele, lembrando que apenas
o Executivo é responsável pela a arrecadação do Orçamento da União.
Para Neves, a limitação prevista na LDO é uma tentativa do
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de criar uma margem de manobra para poder
negociar futuramente tanto com o Legislativo quanto com o Judiciário. “Ele mira
um pouco mais acima, para ser mais rígido, e, assim, tem espaço para ceder lá
na frente. É o que tem ocorrido nas negociações para mudar os prazos de acesso
ao seguro-desemprego. Ele elevou de seis para 18 meses e, agora, negocia 12
meses”, disse, referindo-se à Medida Provisória nº 665, em discussão no
Congresso.
Na avaliação do especialista em finanças públicas e
tributação Fernando Zilveti, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a
maior resistência pode vir do Judiciário, que tem, hoje, o maior teto do
funcionalismo. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo
Lewandowski, sempre defendeu a autonomia dos Poderes, lembra Zilveti. “Vai ser
muito difícil esse limite ser aceito tanto na Câmara quanto no Senado. Nem
mesmo o presidente do STF deve aceitar porque ele é visivelmente contra o teto”,
destacou.
Procurado, o STF não deu resposta até o fechamento desta
edição. O líder da oposição no Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR), disse ser
favorável ao limite para o reajuste do funcionalismo. “O momento é de apertar o
cinto e evitar o péssimo exemplo dos setores privilegiados”, destacou. No
entanto, uma fonte da base governista no Congresso avaliou que a resistência
dos parlamentares será grande. “O governo vai ter trabalho para convencer os
aliados”, disse ela.
O jurista Ives Gandra Martins, no entanto, não acredita que
haverá conflito entre os Três Poderes, a não ser no debate das propostas, mas
com a preservação do regime democrático. “O Legislativo, se fizer algo
inconstitucional, será barrado pelo STF. Por outro lado, o Supremo, na sua
história, sempre manteve a estabilidade das instituições. Nenhum dos Três
Poderes, se houvesse conflito, gostaria de adotar a fórmula do artigo 142 da
Constituição, que dá às Forças Armadas o poder de restabelecimento da ordem e
da lei”, avisou.
Realismo
O projeto da LDO de 2016, na avaliação de especialistas,
está mais realista do que os dos anos anteriores, ao admitir queda de 0,9% no
Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e uma inflação em linha com o mercado, de
8,2%. “Esse foi um avanço importante, que confirma o compromisso de direcionar
as contas públicas para o caminho correto”, elogiou o economista Octavio de
Barros, diretor do Departamento de Pesquisas Econômicas do Bradesco.