domingo, 20 de setembro de 2015

Greves que castigam os pobres


Suely Caldas
O Estado de S. Paulo     -     20/09/2015




Enquanto em Brasília o governo e a classe política concentram tempo e energia em desentendimentos sobre o ajuste fiscal e não chegam alugar algum, avida dos brasileiros segue de mal a pior. O Brasil real vai se deteriorando sem atrair a menor preocupação dos governantes. A sensação é a de um país à deriva, desgovernado - o que depende de gestão pública não tem funcionado ou funciona muito mal, castigando a população e, principalmente, os mais pobres, que buscam (e não encontram) em serviços públicos alívio para seus males.

A greve de professores e funcionários em 55 universidades públicas vai completar 120 dias;há mais de dois meses grevistas fecharam os postos do INSS em todo o País; há dias os funcionários dos Correios entraram em greve; e servidores públicos prometem cruzar os braços no Brasil todo na quarta-feira. Como a lei os protege com estabilidade no emprego e o salário é religiosamente pago no fim do mês, eles aproveitam os dias parados para se ocupar com questões pessoais, como se estivessem em férias - sabem que, com ou sem greve, não serão demitidos e dormem tranquilos com a certeza de que não engrossarão a crescente taxa de desemprego decorrente da crise econômica, que, segundo o IBGE, atingiu 8,3% no País e 10,3% no Nordeste.

Já os trabalhadores do setor privado sofrem duas vezes: não têm emprego nem salário garantidos e, se procuram atendimento no serviço público para a família, encontram as portas fechadas. Com a crise, o desemprego se tem acelerado muito rápido, sobretudo nos Estados pobres do Nordeste, e o quadro é cada vez mais desolador. Pesquisa do Ministério do Trabalho contabilizou a perda de 503.322 empregos com carteira assinada até julho. Com a produção desabando há três anos, a indústria é a que mais desemprega: apenas seis setores (construção, máquinas, siderurgia, automóveis, química e eletroeletrônico) esperam fechar 610 mil vagas este ano. Só na construção civil, importante empregador de mão de obra com baixa qualificação, a estimativa é de dispensar 500 mil operários. Instalada artificialmente por obra,graça, despotismo e demagogia do ex-presidente Lula, a indústria naval naufragou com a crise financeira da Petrobrás: só este anojá demitiu mais de 20 mil trabalhadores e corre o risco de desaparecer, desperdiçando muito dinheiro público aplicado em seu renascimento.

No Brasil, é gigante a discrepância de direitos entre trabalhadores públicos e privados, com vantagens para os primeiros e com a agravante de que uma greve no setor privado prejudica só o lucro do empregador, enquanto no setor público é a população carente amais castigada. Nos últimos dois meses quem dependeu de perícia médica para obter ou prolongar o auxílio-doença pelo INSS teve seu benefício suspenso e ficou sem renda; os idosos, sem aposentadoria. Os que recebem boletos de contas pelos Correios são penalizados com atraso no pagamento,juros e multas. Os estudantes de 55 universidades públicas perderam praticamente todo o ano letivo,prejudicaram seus planos devida, muitos atrasaram a formatura e perderam prazo para obter bolsas de estudo fora do País.

O funcionalismo público precisa repensar seus instrumentos de luta; e o governo e o Legislativo, em mudar alei de greve em serviços públicos que têm relação direta com a população. A greve, além de decidida por minorias em assembleias partidarizadas, perdeu a força que teve no passado como meio de negociar direitos e vantagens. Agora, após quase quatro meses, as universidades públicas começam a voltar às aulas sem obter nenhuma das reivindicações reclamadas do governo federal. Os únicos prejudicados foram os alunos, que nada podem fazer pelos professores. Em Brasília, o Ministério da Educação sofreu com cortes no orçamento, falta dinheiro para a educação, a presidente Dilma anda muito ocupada com o ajuste fiscal e simplesmente ignorou o movimento grevista. O mesmo ocorre com os grevistas do INSS: querem aumento salarial de 27%, em nada avança a negociação com o Ministério da Previdência e eles só conseguem maltratar idosos e doentes.

SUELY CALDAS É JORNALISTA E PROFESSORA DA PUC-RIO E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR


Share This

Pellentesque vitae lectus in mauris sollicitudin ornare sit amet eget ligula. Donec pharetra, arcu eu consectetur semper, est nulla sodales risus, vel efficitur orci justo quis tellus. Phasellus sit amet est pharetra