BSPF - 29/10/2015
Nenhum órgão governamental pode exigir a interdição judicial
de servidores públicos com transtornos mentais para conceder benefícios como
aposentadoria e pensão. Esse esclarecimento foi feito em audiência pública
nesta terça-feira (27) na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com
Deficiência. Deputados da comissão receberam denúncias de pessoas que estavam
conseguindo se aposentar somente após serem interditadas judicialmente.
A diretora do Ministério do Planejamento, Renata Vila Nova,
reconheceu que a prática de interditar pessoas para aposentadoria ainda
acontece, mesmo com normas proibindo essa prática. Com o objetivo de esclarecer
essa proibição, ela informou que o Ministério do Planejamento publicou no
último dia 26 uma portaria alterando o Manual de Perícia Oficial em Saúde.
"Considerando a dúvida que poderia ter sido gerada pela
primeira versão do Manual de Perícia, nós já fizemos a alteração. É um Manual
de Perícia Oficial em Saúde do Servidor, no qual a gente esclarece que não há
exigência de curatela para concessão de qualquer benefício ao servidor
aposentado ou pensionista. A gente deixou mais claro justamente para evitar
qualquer atitude ou procedimento contrário ao que a gente orienta quando é
procurado por algum órgão", disse.
Autor do requerimento da audiência, o deputado Eduardo
Barbosa (PSDB-MG) afirmou que é preciso analisar essa alteração para checar se
ela está de acordo com a Lei Brasileira de Inclusão, a LBI. “Se a mudança
estiver de acordo com o que a LBI estabelece, é preciso fazer um trabalho de
divulgação para órgãos estaduais e municipais, e inclusive para o próprio
servidor federal, que precisa ser o primeiro a conhecer aquilo que está
garantido como um direito dele”, disse o deputado. A Comissão de Defesa dos
Direitos das Pessoas com Deficiência irá solicitar um estudo à consultoria
legislativa da Câmara para avaliar as alterações feitas no Manual de Perícia
Oficial em Saúde.
Normas
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
norma da qual o Brasil é signatário, reconhece a pessoa com transtorno mental
severo como pessoa com deficiência, na medida em que o seu transtorno, em
interação com o ambiente social, pode impedir sua participação na sociedade. A
Lei Brasileira de Inclusão, que entrará em vigor em janeiro de 2016, estabelece
que curatela de pessoa com deficiência é medida protetiva extraordinária que
irá durar o menor tempo possível. A curatela afetará apenas os direitos
patrimoniais e negociais. Já a interdição é o processo judicial em que se
requer a curatela de uma pessoa.
O deputado Eduardo Barbosa ressaltou que a valorização da
autonomia da pessoa com deficiência ainda é muito recente, sendo necessário
realizar um trabalho de esclarecimento junto aos profissionais responsáveis
pelas perícias, para que eles apliquem as normas atuais e não exijam a
interdição para conceder a aposentadoria no caso de transtornos mentais.
O médico psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de
Saúde Mental (Abrasme), Walter Ferreira de Oliveira, lembrou que não se usa
mais o termo “alienação mental”, expressão imortalizada por Machado de Assis em
sua obra “O Alienista”. Ele ressaltou que atualmente se usa a palavra
transtorno. “A interdição de uma pessoa com transtornos mentais é uma medida
extrema e deve ser sempre o último recurso, jamais deve ser utilizada como
regra”, disse o médico. Walter Ferreira considera que a interdição como
exigência para conceder a aposentadoria é uma medida que fere a Constituição.
“Os advogados da associação apontam que a exigência da interdição é
desproporcional, não razoável e fere os direitos individuais previstos no
artigo quinto”, explicou.
Problemas também no INSS
A deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) afirmou que a exigência
da interdição pelos peritos do INSS está atrapalhando a solicitação do
Benefício de Prestação Continuada, o BPC, nos casos de transtornos mentais.
“Recebi relatos de pessoas que acabaram sendo prejudicadas por uma conduta que
não condiz com a Lei Brasileira de Inclusão e nem com todo o esforço que a
gente vem fazendo para que as pessoas, não só pessoas com deficiência, possam
exercer seus talentos e seu protagonismo”, disse a deputada, que solicitou
maneiras mais eficazes, como cartilhas de esclarecimento, para fazer a
informação correta chegar às equipes de perícia e ao público em geral. O BPC é
um benefício de um salário mínimo para o idoso e à pessoa com deficiência, de
qualquer idade, que comprovem não possuir meios para prover a própria
manutenção, nem tê-la provida por sua família.
O coordenador de Promoção dos Direitos das Pessoas com
Deficiência do Ministério da Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos,
Wederson Rufino dos Santos, admitiu que uma série de denúncias sobre a
exigência da interdição para a concessão de benefícios previdenciários tem
chegado ao ministério. “O nosso posicionamento é muito claro; essa é uma
prática ilegal e que não deve acontecer”, afirmou.
A partir das denúncias, um grupo interministerial propôs
medidas como a mudança no Manual de Perícia Oficial em Saúde e a necessidade de
fazer essa orientação técnica chegar às equipes de avaliação pericial. “É
preciso discutir e descobrir porque a interdição está sendo exigida, dado que
os atos normativos já superaram isso”, disse o coordenador. Na avaliação de
Wederson, profissionais do INSS podem estar ignorando as orientações do
Instituto. “São mais de 40 mil servidores. É possível que práticas individuais
acabem desconsiderando as orientações que o Instituto estabelece”, disse ele.
Com informações da Comissão de Defesa dos Direitos das
Pessoas com Deficiência
Fonte: Agência Câmara Notícias