O Globo - 19/10/2015
Lula criou 18,3 mil cargos de confiança em oito anos; Dilma instituiu 16,3 mil em quatro
Lula criou 18,3 mil cargos de confiança em oito anos; Dilma instituiu 16,3 mil em quatro
RIO - O trabalho é em sala confortável na Esplanada dos
Ministérios, em Brasília, com ar-condicionado, serviço de copa completo, carro,
motorista, combustível e moradia grátis.
O cargo é de chefia, com salário de R$ 21 mil. Somadas as
gratificações, vai a R$ 77 mil mensais. Tem ainda uma renda variável, um bônus
anual - o último foi de R$ 46,4 mil. Detalhe: a rotina impõe o uso de terno e
gravata.
Infelizmente, não há vagas disponíveis em ministérios como o
das Minas e Energia. Os cargos "de natureza especial" - no jargão
burocrático - e com essa remuneração são privilégio do pessoal com vínculos
políticos e, também, daqueles que as empresas estatais do setor elétrico enviam
a Brasília.
Oficialmente, a elite da burocracia federal ganha menos que
os ministros e a presidente da República (R$ 24,3 mil, a partir de novembro).
Na vida real, alguns driblam as barreiras e recebem salário com todas as
gratificações admissíveis no serviço público, inclusive adicional de
"periculosidade" (um terço do salário básico), mais os benefícios
concedidos pelas instituições e empresas públicas de onde vieram.
Para as estatais é um excelente negócio, pois o funcionário
cedido hoje ao primeiro e segundo escalões do governo federal será o que vai
autorizar seus projetos e fiscalizá-las amanhã.
Fica ainda melhor: cada centavo da remuneração paga ao
empregado cedido a Brasília é integralmente reembolsado pelo Tesouro Nacional,
via ministério. Como ele recebe pela empresa, é do seu interesse pecuniário que
ela obtenha do ministério o mais privilegiado tratamento possível.
Em junho, a endividada Eletronorte, do grupo Eletrobrás,
distribuiu aos 3,4 mil empregados uma fatia do lucro de R$ 2,2 bilhões, produto
do aumento médio de 29% na contas de luz e da manipulação de créditos fiscais.
Um dos seus funcionários emprestados ao Ministério de Minas
e Energia, em Brasília, embolsou R$ 152 mil - um terço como participação nos
resultados da estatal. Outros levaram até R$ 100 mil.
CONFLITO DE INTERESSES
O domínio de posições chave na Esplanada dos Ministérios por
conglomerados estatais como Eletrobrás, Petrobras e Banco do Brasil, entre
outros, motivou a abertura de uma investigação do Ministério Público Federal.
Há suspeita de conflitos de interesses e de manipulação de informações
privilegiadas. É caso simbólico da confusão que prevalece na gestão de órgãos,
de pessoal e da folha de pagamentos do governo federal.
Com 618 mil funcionários na ativa, Dilma Rousseff dispõe de
uma força de trabalho 26% maior do que a de Lula. Foram 130 mil contratações
entre 1º de janeiro de 2003 e o último dia 30 de junho. Significa que a folha
de pagamentos da administração federal (excluídas as estatais) recebeu cerca de
40 novas inscrições de servidores a cada dia útil.
O custo de pessoal deve ultrapassar R$ 100 bilhões neste ano
- um aumento de 58% no período, descontada a inflação.
A gerência da folha a cada ano fica mais complexa. À margem
do salário mensal proliferam recompensas pecuniárias que a pressão da máquina
sindical acaba incorporando à remuneração, sob a forma de direito adquirido.
Existem atualmente 37 tipos de gratificações. Os principais
beneficiários são os "comissionados"- servidores efetivos, cedidos
por órgãos e empresas estatais ou sem vínculo com o serviço público. Eles
ocupam cargos e funções de chefia, também chamados de confiança, e têm acesso à
maior parte desse amplo cardápio de compensações financeiras.
Em junho, somavam 103.313 pessoas, representando 16% da
força de trabalho governamental. Estão no centro de uma teia burocrática onde
não se admitem processos simples.
Até o mês passado, existiam 39 ministérios (agora são 31)
com 49,5 mil áreas administrativas divididas em 53 mil núcleos responsáveis, em
tese, pelas políticas públicas.
Em consequência, uma iniciativa no setor de água, por
exemplo, envolve nada menos que 134 órgãos. Na saúde, são 1.358 organismos com
poder decisório. Na educação, contam-se 1.036 áreas de gestão e, na segurança,
há 2.375 segmentos operacionais. Isso apenas no âmbito federal, de acordo com o
Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo (Siorg).
Sobre essa rede, paira a sombra de um emaranhado de
instituições e normas de controle e fiscalização. A burocracia nacional produz
em média 520 novos regulamentos por dia, estima o Instituto Brasileiro de
Planejamento. Ano passado, o país superou a marca de cinco milhões de leis,
resoluções e portarias - para tudo e para todos.
Existe órgão federal para qualquer tipo de problema
nacional. A começar pelos da própria burocracia, como é o caso do Departamento
de Gestão das Carreiras Transversais. O que não existe é vaga em cargo de
chefia, comissionada. Na eventualidade, nomeia-se um interino até a solução,
geralmente política.
UMA CHEFIA DE 38 PALAVRAS
No dia 29 de outubro do ano passado, o ministro do Trabalho
cumpria o ritual de fim de expediente mais comum no serviço público: assinar
papéis. Havia 72 horas que Dilma Rousseff fora reeleita e o então ministro
Manoel Dias estava inquieto sobre o seu futuro no governo. Representava o PDT,
partido de origem da presidente, mas naqueles dias nem mesmo a reeleita tinha
certeza sobre seu novo ministério.
Aos 76 anos, dos quais 54 dedicados à política, Dias se
resguardou na rotina dos despachos, no ritmo de um final de tarde primaveril,
em meio à ressaca eleitoral em Brasília. Sobre a mesa encontrou a habitual
pilha de documentos, na quase totalidade destinada a atender ao público interno
- promoção, remoção, nomeação e substituição de subordinados.
Entre eles, estava a indicação de "substituto
eventual" para um cargo de confiança descrito em título de 38 palavras:
Chefe da Divisão de Avaliação e Controle de Programas, da Coordenação dos
Programas de Geração de Emprego e Renda, da Coordenação-Geral de Emprego e
Renda, do Departamento de Emprego e Salário, da Secretaria de Políticas
Públicas de Emprego. É um emblema da dimensão da burocracia. Uma das
consequências é o descontrole nas despesas, que derivam no déficit
orçamentário.
É obra resultante de décadas de governantes seduzidos pela
recorrente ilusão de consolidar a "maior base parlamentar do
ocidente", como projetava o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu no início
do governo do PT, em 2003.
Lula criou 18,3 mil cargos de confiança em oito anos. Dilma
instituiu 16,3 mil em apenas quatro anos, conforme dados do Sistema Integrado
de Administração de Recursos Humanos (Siape), mantido pelo Ministério do
Planejamento. Na média, contribuíram com a criação de oito novos postos por dia
no topo da inchada burocracia estatal