BSPF - 12/03/2016
O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional
a nomeação de membros do Ministério Público (MP) para o exercício de cargos que
não tenham relação com as atividades da instituição. A decisão foi proferida na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 388, e estabeleceu o
prazo de 20 dias, a partir da publicação da ata do julgamento, para que haja a
exoneração dos membros do MP que estejam atuando perante a administração
pública em desconformidade com entendimento fixado pela Corte – ou seja, em
funções fora do âmbito do próprio Ministério Público, ressalvada uma de
magistério.
A ação julgada parcialmente procedente foi ajuizada pelo
Partido Popular Socialista (PPS) para questionar a nomeação do procurador de
Justiça do Estado da Bahia Wellington César Lima e Silva para o cargo de
ministro da Justiça. Em seguida, o pedido inicial foi aditado para requerer
também a declaração de inconstitucionalidade da Resolução 72/2011, do Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP), que revogou dispositivos de resolução
anterior que "previa a vedação do exercício de qualquer outra função pública
por membro do Ministério Público, salvo uma de magistério. No julgamento, os
ministros afastaram a eficácia da resolução.
Relator
O Plenário acompanhou por maioria o voto do relator da ação,
ministro Gilmar Mendes, para quem a vedação ao exercício de cargos públicos por
membro do Ministério Público, prevista expressamente no artigo 128, artigo 5º,
inciso II, “d”, da Constituição Federal, serve para fortalecer a instituição e
garantir a sua autonomia, a qual é derivada do próprio princípio da separação entre
os Poderes. O dispositivo coloca como exceção apenas a atuação no magistério.
No entendimento do relator, a participação de membros do MP na administração,
em cargos sob influência política e sujeição a hierarquia no Poder Executivo,
pode comprometer os objetivos da instituição, como a fiscalização do poder
público.
“Ao exercer cargo no Poder Executivo, o membro do Ministério
Público passa a atuar como subordinado ao chefe da administração. Isso
fragiliza a instituição, que pode ser potencial alvo de captação por interesses
políticos e de submissão dos interesses institucionais a projetos pessoais de
seus próprios membros”, afirma Gilmar Mendes.
O relator ajustou seu voto durante o julgamento para adotar
sugestão do ministro Dias Toffoli – ponto em que foi acompanhado pelos demais
ministros – para transformar o julgamento da liminar da ADPF em julgamento de
mérito.
CNMP
O relator criticou a atuação do CNMP na questão, uma vez que
o órgão revogou, em 2011, parte de uma resolução editada em 2006 em que foram
estabelecidas restrições à atuação de membros do MP na administração pública.
Para o ministro Gilmar Mendes, apenas alterando a
Constituição seria possível admitir a atuação de membros do MP em cargos na
administração pública fora da instituição, exceto o magistério. Assim, a
Resolução CNMP 72/2011 e a prática instalada em sua sequência são, para o
ministro, “sob o pretexto de interpretar, uma tentativa de emendar
informalmente a Constituição”.
“O Conselho não agiu em conformidade com sua missão de interpretar
a Constituição e por meio de seus atos normativos atribuir-lhe densidade. Pelo
contrário, se propôs a mudar a Constituição com base em seus próprios atos”,
diz o voto do relator.
O argumento usado pelo Conselho para fundamentar seu
entendimento está em dispositivo do artigo 129 da Constituição, segundo o qual
é função institucional do MP exercer outras atividades, desde que compatíveis
com sua finalidade. Para o ministro Gilmar Mendes, o argumento não se sustenta,
uma vez que o dispositivo trata de funções institucionais do MP, e não da
atuação individual de seus membros.
Votos
Primeiro a votar após o relator, o ministro Edson Fachin
ressaltou que assumir o cargo de ministro da Justiça ou qualquer outro que
coloque membro do Ministério Público em condição de subordinação é sujeitar a
própria instituição, a qual deveria controlar e investigar outro órgão em grau
de igualdade e com absoluta liberdade. Para ele, essa situação fere a
independência assegurada ao Ministério Público e a seus membros.
De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, membro do MP
não pode ocupar cargo político no âmbito do Poder Executivo como são, por
exemplo, os cargos de ministro de Estado e secretário de Estado que têm atuação
político-partidária. “O papel de ministro de Estado, além da sua subordinação à
vontade do presidente da República, é fazer valer o programa de governo, seja
do partido, seja da administração, que tem uma dimensão essencialmente
política”, destacou. Para o ministro, membro do MP não pode exercer função de
governo. “Função de Estado exige distanciamento crítico e imparcialidade e
função de governo exige lealdade e engajamento”, completou ao seguir o voto do
relator.
No entendimento do ministro Teori Zavascki, a jurisprudência
do STF veda aos membros do Ministério Público o acúmulo de funções, exceto o
magistério. Segundo ele, o artigo 129 da Carta define as funções institucionais
do MP, admitindo que um procurador de Justiça exerça, por exemplo, cargo em
conselho, mas na qualidade de representante da instituição, sem que seja
necessário se afastar das atividades. “Não se pode considerar função
institucional do Ministério Público aquela que, para ser exercida, deva seu
membro se afastar do cargo”, afirmou.
A ministra Rosa Weber observou que, conjugando os artigos
127 e 128 da Constituição Federal, fica claro o impedimento a que membros do
Ministério Público exerçam outros cargos, ainda que estejam em disponibilidade.
A ministra salientou que afasta em seu voto a interpretação sistemática do
artigo 129, inciso IX, que permite o exercício de funções conferidas ao
integrante do Ministério Público, porque, em seu entendimento, essa autorização
refere-se à representação da instituição.
Para o ministro Luiz Fux, a regra do artigo 128 é clara ao
vedar aos integrantes do MP o exercício de outras funções públicas. Ele
considera que a regra constitucional maior sobre o Ministério Público não
inclui o exercício de outro cargo público. Segundo ele, as funções passíveis de
serem exercidas por procuradores de Justiça ou promotores são apenas as interna
corporis ou as de representação da instituição.
O ministro Dias Toffoli seguiu o entendimento do relator e
apresentou ao Plenário a proposta de transformar a análise da medida liminar em
julgamento de mérito, de forma a pacificar em definitivo a matéria, além de
fixar o prazo de 20 dias, a contar da publicação da ata, para que se aplique o
entendimento firmado na ação.
A ministra Cármen Lúcia observou que a Constituição Federal
veda afirmativamente aos membros do Ministério Público o exercício de outra
função. Em razão da autonomia da instituição, a ministra entende ser
incompatível que seus membros exerçam cargos nos quais figurarão como
auxiliares de autoridade do Poder Executivo, como presidente da República ou
governador de Estado. “O auxiliar é submetido, é submisso, e a submissão é
incompatível com os princípios estabelecidos no artigo 127 da Constituição para
os membros do Ministério Público”, destacou.
O ministro Marco Aurélio votou no sentido de não conhecer da
ADPF, por entender que o pedido apresentado pelo PPS é incabível. “Essa é uma
questão institucional e no caso não cabe flexibilizar as normas de regência,
nem a interpretação ampliativa dessas normas”, entendeu. O ministro também
observou que não deveria haver a extensão do pedido formulado, isto é,
afastando as nomeações realizadas nos estados brasileiros.
Segundo ele, há outro meio eficaz para questionar a nomeação
do ministro da Justiça e citou a ação popular já admitida pelo juízo da 1ª Vara
Federal de Brasília e com liminar deferida. Vencido quanto à questão preliminar
de cabimento da ação, o ministro indeferiu o pedido de liminar. Quando proferiu
o seu voto, o Plenário ainda não havia convertido o julgamento da cautelar em
definitivo.
Na sequência dos votos, o ministro Celso de Mello seguiu
integralmente o relator, ressaltando que o exame da ADPF não envolve qualquer
questão pessoal quanto à recente nomeação de ministro da Justiça. O decano do
STF lembrou discussões travadas na época da Assembleia Nacional Constituinte em
relação ao Ministério Público para assinalar que a extensão das mesmas
garantias e vedações relativas à magistratura teve como fundamento a
necessidade de preservar a autonomia institucional do MP e a
imprescindibilidade de fazer prevalecer a independência funcional de seus
membros.
“Os integrantes do MP hão de prestar reverência unicamente à
supremacia da Constituição Federal e à autoridade das leis da República”,
afirmou. Para Celso de Mello, a “flexibilização hermenêutica” introduzida pelo
resolução do CNMP instaura desequilíbrio favorável aos membros do MP em relação
aos integrantes do Poder Judiciário, embora esses sejam a referência quanto à
titularidade das prerrogativas e impedimentos que, em bases idênticas, lhes
foram estendidos pela Constituição.
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, iniciou
seu voto esclarecendo que a decisão tomada nesta sessão não anula a nomeação do
atual ministro da Justiça nem cerceia o direito da presidente da República de
nomear e demitir livremente ministros de Estado. “Estamos firmando uma tese, a
da incompatibilidade de um membro do Ministério Público assumir cargo no
Executivo”, afirmou. “Trata-se de uma tese em abstrato. O ministro da Justiça
pode permanecer no cargo se quiser se exonerar do MP”.
Lewandowski, ao acompanhar integralmente o relator, reiterou
que segue sua própria posição de longa data e em acordo com diversos
precedentes do STF, entre eles a ADI 3574, da qual foi relator. No seu
entendimento, o exercício por membro do MP de qualquer cargo ou função que não
digam respeito às atribuições do órgão colidem com o artigo 129, inciso IX, da
Constituição da República.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STF