Correio Braziliense
- 08/06/2016
Aumento aprovado pela Câmara elevaria o teto do
funcionalismo para R$ 39.293 e causaria efeito cascata em estados e municípios.
Governo tentará também brecar criação dos 14,4 mil cargos. Reação do mercado e
de parlamentares influenciou decisão
Apenas seis dias após o esforço pessoal de Michel Temer para
a aprovação de 14 projetos de reajustes salariais para a quase totalidade dos
servidores federais, o governo recuou e decidiu desfazer o trato com os
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Não vai defender a validação da
matéria pelo Senado - nem do aumento nem da criação de 14,4 mil cargos, que
passou embutida no projeto de ajuste salarial da Suframa.
Temer foi aconselhado pelo ministro do Planejamento, Dyogo
Oliveira, e pelo líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP), a tomar
tal atitude, pois técnicos do próprio governo já teriam apontado que as
propostas em tramitação são inflacionárias e, se aprovadas, elevarão as
despesas em pelo menos 3,3% este ano, percentual superior ao registrado em
2015, de 1,6%.
Para analistas, o motivo foi a péssima repercussão da
expansão de gastos no mercado. A explicação oficial foi que o subsídio dos
magistrados, que define o teto do funcionalismo, tem efeito cascata e pode
destruir a fraca economia de estados e municípios. O impacto total do pacote de
bondades será de quase R$ 100 bilhões até 2019. Mas o reajuste (16,38%) de
maior impacto foi justamente o dos ministros do STF, cujos subsídios passarão
de R$ 33.763 para R$ 39.293, com custo de R$ 6,9 bilhões até 2019, nos cálculos
do Ministério da Fazenda.
Com a mudança de perspectiva, o dia ontem foi tumultuado e
de intensa movimentação nos bastidores. O estresse começou com as críticas do
presidente do Senado, Renan Calheiros, aos reajustes dos servidores e ao
anunciado ajuste fiscal. Em tom irônico, ele duvidou da real necessidade do
deficit de R$ 170,5 bilhões. Segundo Calheiros, se há efetivamente um rombo nas
contas públicas, não se pode "dar aumento salarial nem criar cargos, nem
elevar teto de gastos". Ao analisar o impacto que os reajustes vão causar,
chegou a dizer que "talvez tenhamos aprovado um deficit que não
existe".
Os questionamentos de Calheiros também levantaram dúvidas
entre especialistas em contas públicas. Para José Matias-Pereira, professor de
administração da Universidade de Brasília (UnB), a defesa do reajuste dos
ministros já foi contraditória. "Revogar a decisão só reforça esse
contexto de contrassensos. O problema não é discutir méritos ou aprovar
reajuste a alguma categoria, mas propor uma ideia de austeridade",
avaliou. Para Matias-Pereira, o abandono à ideia de criação de 14 mil cargos,
no entanto, mostra que Temer está tentando conduzir melhor os diálogos com a
sociedade e o mercado.
Geraldo Biasoto Jr., do Instituto de Economia da
Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-coordenador de Política Fiscal da
Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, considera dúbias as
sinalizações do governo interino. Na opinião dele, o impacto para 2016 pode
estar sujeito ao limite constitucional, mas os reajustes vão onerar o orçamento
nos próximos anos. "O principal problema do ponto de vista das despesas é
o gasto corrente do novo pessoal. Esse, sim, se expandiu muito. Foi cerca de
20% real entre 2013 e 2014. E, desde então, vem se mantendo", disse
Biasoto.
O diretor-geral do STF, Amarildo Oliveira, disse que os
ministros foram pegos de surpresa e ainda não tiveram tempo de discutir o
assunto. "O presidente (Ricardo) Lewandowski está envolvido com o processo
de impeachment", justificou Oliveira. Fontes do STF, no entanto, disseram
que a atitude de Temer abriu uma crise.
Em meio a todo o imbróglio criado pela decisão de não elevar
o teto do funcionalismo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se
encontrou com o presidente do Supremo, mas negou ter discutido do tema.
"Esse reajuste está sendo tratado pelo presidente Temer", afirmou.
Segundo o titular da pasta, a conversa girou sobre a crise econômica, que foi
gerada pela questão fiscal e será solucionada pela mesma via.
Protesto
Os servidores federais saíram da zona de conforto.
Movimentos de protesto, greves e paralisações, que estavam adormecidos, poderão
ser retomados se a tesourada atingir outros servidores, além dos ministros do
STF. Ontem, líderes sindicais do Sindjus-DF - que representa o pessoal do
Judiciário e do Ministério Público da União - foram à Câmara conversar com o
relator dos PLs nº 2.648/2015 e nº 6.697/2009, deputado Arnaldo Faria de Sá
(PTB-SP), na tentativa de apressar o envio do relatório final ao Senado.
No Executivo, apesar de o governo não ter mencionado a
possibilidade de mexer no seu próprio quintal, o discurso de Calheiros
incomodou. "A mudança repentina, sem dúvida, acendeu a luz amarela. O que
defendemos é fruto de 207 reuniões. Não abrimos mão do que foi exaustivamente
discutido e esperamos que não se estabeleça um impasse", disse Sérgio
Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores
no Serviço Público Federal (Condsef), que representa cerca de 80% do
funcionalismo.
Ameaça
Representantes do Condsef solicitaram audiência com o
presidente do Senado, Renan Calheiros, para avaliar os próximos passos da
mobilização pela manutenção do reajuste aprovado na Câmara. Um ato marcado,
desde o início do ano, para 16 de junho, contra o PLC nº 257, que trata do
alongamento das dívidas de estados com a União por 20 anos e impõe severas
medidas de restrição fiscal, pode ser ampliado e se tornar um protesto contra o
governo. "Montamos uma estratégia pontual. Mas nada impede que seja
mudada", assinalou Silva.
A raiz do imbróglio
Apesar de ter sido uma demonstração de força no Congresso, a
aprovação do reajuste deixa o governo em
saia justa
» A Câmara dos Deputados aprovou, em 1º de junho, 14
projetos de reajustes salariais para servidores dos poderes Executivo,
Legislativo, Judiciário e para a Procuradoria-Geral da República, além de
militares, com o aval de Temer;
» No reajuste do Judiciário, está prevista a revisão do
salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina o teto
dos salários do setor público. Os salários passariam de R$ 33.763 para R$
39.263;
» Esse aumento causa um efeito cascata que afetaria estados
e municípios, já com as contas combalidas;
» Na mesma tacada, passou despercebida a criação de 14.419
cargos, quantidade muito superior aos 4 mil postos comissionados que o
presidente interino prometeu cortar;
» O impacto será de quase R$ 100 bilhões até 2019;
» Diante das reações negativas, o governo decidiu recuar e
não elevar o teto do funcionalismo. Mas prometeu manter os acordos firmados com
os demais servidores federais;
» Temer decidiu também vetar a criação dos mais de 14 mil
cargos;
» Sem informações precisas sobre o que o governo vai fazer,
representantes das categorias beneficiadas pelos reajustes ameaçam protestar,
caso os acordos não sejam cumpridos;
» O ato marcado para 16 de junho contra o projeto (PLP 257)
- que trata do alongamento da dívida de estados e do DF com a União, atrelado a
medidas de restrição fiscal - pode ser ampliado e se tornar um protesto contra
o governo.