BSPF - 01/08/2016
Brasília – O servidor público no Brasil ganha cerca de 40% a
mais que a média dos trabalhadores da iniciativa privada e teve aumento médio
de 30% nos últimos cinco anos. No entanto, aproximadamente 70% deles estão
endividados, nos cálculos do diretor presidente do Instituto Brasileiro de
Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin. No empréstimo
consignado – modalidade com juros mais baixos e retorno seguro às instituições
financeiras –, que é cobrado direto nos contracheques, os servidores
movimentaram R$ 171,390 bilhões, em junho, segundo dados do Banco Central. O
valor é 4,9% superior ao registrado há 12 meses e cresceu 1,4%, em relação ao
primeiro semestre de 2015, apesar da crise econômica que assola o país.
Os empregados da iniciativa privada, muitos deles
assombrados pelo fantasma do desemprego, se comportaram diferente. Receberam em
suas contas apenas R$ 18,222 bilhões, no mês passado, nessa mesma modalidade de
empréstimo. Quantia que, além de menor, vem caindo paulatinamente (-6,1%, em 12
meses, e -3,5%, neste semestre). A legislação estabelece, explica o advogado
Heleno Torres, professor de direito financeiro da Universidade de São Paulo
(USP), comprometimento máximo do salário com o consignado de 35% (sendo 5% para
pagar fatura do cartão de crédito), de acordo com o Decreto 8.690/2016, do
Poder Executivo. E quem controla se o percentual é obedecido pelos servidores é
o Ministério do Planejamento.
“Caso haja tentativa de ultrapassar o limite seja
ultrapassado, o Planejamento não pode permitir o desconto. Se um gestor
autorizar, será punido. Esse é um erro difícil de ocorrer, porque as instituições
financeiras, pelo sistema do Banco Central, pesquisam o total dos débitos. O
perigo é que boletos do varejo, lojas em sua maioria, que não têm um banco de
apoio, não são contabilizados pela autoridade monetária”, assinala Torres. No
total, com todos os compromissos – casa própria, plano de saúde, pensões –, o
trabalhador tem que gastar, no máximo, 70% dos ganhos mensais, reforça o
advogado.
FRAQUEZA
As instituições financeiras sempre cobiçaram os
servidores, principalmente após maio de 2012, quando ganharam a liberdade para
escolher a de sua preferência para abrir suas polpudas contas-salário. Bancos,
cooperativas e financeiras iniciaram uma batalha para ganhar a confiança da
privilegiada parcela da população, com vantagens como conta sem tarifa mensal,
cartão de crédito sem anuidade e tarifa fixa, espaços privativos nas agências,
atendimento gerencial por telefone até a meia-noite, entre outras. O ciclo do
endividamento do servidor público, segundo o advogado Enil Henrique de Souza
Neto, da Lourenço Advocacia e Advogados Associados S/S, começa imediatamente
após ser empossado.
São perigosas etapas. Primeiro, vêm as facilidades, momento
em que são colocadas à disposição todas modalidades de crédito (consignado,
cheque especial, crédito direto ao consumidor, cartão de crédito), em caixas
eletrônicos, agências e internet. Na maioria das vezes sem educação financeira,
o servidor explora as oportunidades, como se fizessem parte do salário. Não
observa que a renda está reduzida pelos descontos das prestações. Quando está
completamente endividado e não dá conta de honrar seus compromissos, começam as
armadilhas: o banco cancela os benefícios. Joaquim Pinto, de 59 anos, agente
administrativo do Ministério da Saúde, ganha cerca de R$ 4 mil mensais e está com
20% do salário comprometido com o consignado. Usa ainda o cartão de crédito e o
cheque especial. “Tiro de um canto para ajeitar o outro. Estou há 20 anos nessa
luta. O salário está achatado. Os aumentos são abaixo da inflação”, justifica
Pinto.
Analista de planejamento, Mateus Prado, de 29, ganha R$ 10
mil e também passou por apertos. “Saí de um contexto preocupante, porque, há
dois anos, comprei um imóvel e um carro. Agora está tudo sob controle”, diz.
Semelhante situação viveu o outro parceiro de profissão, André Gonçalves, de
36. “Cortei cartão de crédito e comecei a identificar as despesas. Às vezes,
não sabia nem onde gastava”, admite. O ralo por onde sai o dinheiro, diz
Geraldo Tardin, presidente do Ibedec, é a cultura brasileira de consumo de supérfluos,
facilitada pela política agressiva de concessão de crédito dos bancos e do
governo.
Por meio de nota, a Federação Brasileira de Banco (Febraban)
informou que os bancos seguem as diretrizes do “normativo nº 15/2014 do Sistema
de Autorregulação Bancária (Sarb), que estabelece os procedimentos adotados
pelas instituições financeiras”. Entre as normas, estão, por exemplo, “clareza
na informação sobre as condições dos empréstimos, os custos envolvidos, limites
do crédito, documentação obrigatória, regras para liquidação antecipada da
dívida e as consequências da falta de pagamento”. Além disso, os bancos fazem
diversas ações para conscientizar as pessoas sobre o uso do crédito.
O advogado Heleno Torres, apesar de reconhecer que são
fortes as pressões das instituições e grandes as dificuldades diante da crise
econômica, opina que não se pode culpar quem pratica o “assédio financeiro” e
também é impossível criar uma legislação que abrace casos particulares.
“Afinal, o Estado não tem que ser babá do cidadão”, conclui.
Fonte: Estado de Minas