Jornal Extra
- 23/09/2016
Brasília - A proposta de emenda constitucional (PEC) que vai
alterar as regras do sistema previdenciário já foi fechada pelos técnicos do
governo. De acordo com o texto encaminhado ao presidente Michel Temer, que deve
bater o martelo na próxima semana, as mudanças vão atingir todos os
trabalhadores brasileiros, do setor privado ao público, militares e até
parlamentares, tendo regimes especiais ou não. Ao contrário do que chegou a ser
divulgado anteriormente, as Forças Armadas entrarão na reforma da Previdência.
E, para fechar brechas legais à chamada desaposentação (possibilidade de o
aposentado continuar trabalhando e recalcular o benefício), a ideia é deixar
claro na Constituição que a aposentadoria é “irreversível e irrenunciável” —
conceito previsto apenas em decreto.
Sobre a desaposentação, há milhares de ações na Justiça, e o
assunto já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Uma decisão favorável aos
trabalhadores poderá representar um esqueleto acima de R$ 100 bilhões para a
União, segundo estimativas oficiais. A medida valeria para os novos pedidos e
também para orientar as decisões judiciais em andamento. Até agora, a
Advocacia-Geral da União (AGU) vem recorrendo das sentenças.
Segundo um interlocutor, a decisão de enviar ao Congresso
uma proposta mais abrangente foi tomada antes da viagem de Temer a Nova York e
tem como objetivo ajudar a convencer a opinião pública sobre a necessidade
urgente das mudanças. Essa tarefa, explicou a fonte, é mais difícil se alguns
grupos ficarem de fora da reforma. A intenção de Temer é enviar a PEC ao
Congresso até outubro, se possível antes das eleições — depois de apresentar o
texto às centrais sindicais e líderes dos partidos.
— A decisão do presidente será política, mas com embasamento
técnico — afirmou um técnico envolvido nas discussões.
A opinião é compartilhada por especialistas em Previdência,
levando-se em conta o que o país gasta com aposentadorias e pensões — e,
sobretudo, a enorme distância entre os setores privado e público. O déficit no
INSS neste ano está estimado em R$ 149,2 bilhões, para pagar 30 milhões de
segurados. Já no serviço público, o rombo projetado é de R$ 90 bilhões, mas
para um universo de um milhão de beneficiários.
— Entendo como correto e salutar o processo de convergência
das regras da Previdência para todos os trabalhadores — afirmou o pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Rogério Nagemine.
O norte da reforma é harmonizar as regras para todos os
trabalhadores, ainda que os regimes continuem existindo de forma separada. Em
linhas gerais, a reforma prevê idade mínima de 65 anos para aposentadoria e
valerá para quem tiver até 50 anos ou 45 anos (caso de mulheres e professores)
na época promulgação da PEC. Quem estiver acima dessa faixa etária será
enquadrado na regra de transição e poderá se aposentar dentro da legislação
atual, pagando um pedágio (adicional ao tempo que ainda falta para requerer o
benefício) de 50%.
TRABALHADOR RURAL PASSARIA A CONTRIBUIR
A ideia é que a fase de transição dure entre 15 e 20 anos
(mulheres e professores), de forma que, se a PEC for aprovada em 2017, todos
estejam dentro das novas regras em 2037. Com isso, acaba a aposentadoria por
tempo de contribuição — 35 anos para homens e 30 para mulheres —, vigorando
apenas a idade mínima, com tempo de contribuição mínimo, que deve subir dos
atuais 15 para 20 anos. Ou seja, se uma pessoa começou a trabalhar com 18 anos,
contribuirá por 47 anos e, ainda assim, terá que ficar mais tempo na ativa para
levar o benefício integral, pois o cálculo deste deve mudar.
Também acaba o chamado fator previdenciário, que hoje
permite ao trabalhador do setor privado se aposentar ao atingir 85/95, somando
idade e tempo de contribuição para mulheres e homens, respectivamente. No setor
público, onde já existe idade mínima, esta passará do atual patamar — 60 anos
de idade e 35 de contribuição (homens) e 55 anos e 30 de contribuição
(mulheres) — para 65 anos.
Assim como no caso de mulheres e professores, que têm regras
mais suaves que os demais trabalhadores (podem se aposentar com cinco anos a
menos), os militares das Forças Armadas deverão ter uma fase de transição mais
leve, diante das especificidades da carreira. Estão no radar elevar o tempo na
ativa dos atuais 30 para 35 anos, acabar com a quota compulsória (ao chegar a
determinada idade, o militar é obrigado a pedir reserva) e outros ajustes,
inclusive na pensão.
Para isso, a PEC se propõe a alterar o artigo 142 da
Constituição. Os militares continuam contribuindo quando vão para a reserva,
com alíquota de 7,5%, mas, mesmo assim, o sistema registrou déficit de R$ 32,5
bilhões no ano passado.
Já no caso de policiais militares e bombeiros, estão
previstas alterações no artigo 42. A ideia é fixar idade mínima, e não apenas
tempo de contribuição, como é hoje. A medida é considerada importante para
reduzir a pressão dos gastos dos estados, que viraram 2015 com déficit de R$
60,9 bilhões no conjunto dos regimes próprios de previdência.
Desde que acabou o Instituto de Previdência dos
Congressistas (IPC), em 1997, deputados e senadores podem se aposentar aos 60
anos, com benefício integral se exerceram o mandato por 35 anos, ou
proporcional, se por um tempo inferior. Eles seguem os mesmos critérios dos
servidores públicos.
Em outra frente, a reforma deve proibir o acúmulo de pensão
e aposentadoria para novos beneficiários. E o valor da pensão será reduzido,
unificando as regras para todos. A PEC vai mexer ainda com a aposentadoria
rural: os trabalhadores contribuirão com uma alíquota de 5%, semelhante aos
microempreendedores. Empresas exportadoras do agronegócio, que têm isenção,
também deverão ser afetadas. Todos, sem exceção, serão atingidos de alguma
forma, disse a fonte.
Geralda Doca - O Globo (Colaborou Eduardo Barretto)