Vera Batista
Correio Braziliense
- 28/10/2016
Elas ocupam 55% das vagas nas esferas federal, estadual e
municipal. Apesar de estarem em maior número, têm dificuldade de alcançar o
topo da carreira
A primeira servidora pública do país foi Joana França
Stockmeyer, que trabalhou na Imprensa Nacional, de 1892 até sua aposentadoria,
em 1944. Em 1934, a Assembleia Constituinte garantiu o princípio da igualdade
entre os sexos, a regulamentação do trabalho feminino, a equiparação salarial e
o direito ao voto. De lá para cá, muita coisa mudou para melhor. No serviço público,
elas já representam 55% do funcionalismo (federal, estadual e municipal),
enquanto na iniciativa privada são 50%, de acordo com Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
O percentual de mulheres no serviço público é maior porque o
sentimento geral é de que as condições no acesso são similares, por meio de
seleção democrática e imparcial. O esforço delas pela estabilidade, segundo
especialistas, aponta que o desejo do público feminino vai além de consolidação
de uma carreira, passa pelo sucesso pessoal e pela segurança da família. Como
servidoras da administração federal, desfrutam de algumas vantagens ainda não
incorporadas pelo setor privado. As contratadas em órgãos regidos pelo Estatuto
do Servidor têm, por exemplo, 180 dias de licença-adotante - concedida àquelas
que adotaram crianças.
Esses avanços, no entanto, não impedem que as funcionárias
federais, na prática, padeçam da mesma situação que as trabalhadoras privadas
no que diz respeito a diferença de gênero: continuam com remuneração inferior a
dos homens e em cargos menos relevantes, embora ostentem grau superior de
escolarização. Dados de um estudo da Escola Nacional de Administração Pública
(Enap) mostram que elas ainda são minoria na elite do serviço público. No Poder
Executivo, representam 46% do total. No Judiciário, 9%. E no Legislativo, 2%,
apenas.
Um corte do estudo sobre escolaridade aponta que elas são
tão ou mais preparadas do que os homens para o mercado de trabalho. No
Executivo, 48% das servidoras têm nível superior completo, enquanto que o
percentual masculino formado fica em 43%. As com pós-graduação chegam a 5% ante
4% dos servidores; as com mestrado, 8% contra 7%. Quando assunto é doutorado,
os percentuais se assemelham: 11% das funcionárias possuem a extensão ante 12%
dos homens. Nos níveis que exigem menor conhecimento, a participação do sexo
feminino é menor do que a do masculino: 4% têm ensino fundamental contra 8% dos
homens; e 24% concluíram o ensino médio ante 26%.
Em relação à remuneração no setor público, o percentual de
mulheres em cargos com salários menores é equivalente a dos homens, mas cai no
topo de carreira. Ambos os sexos têm participação de 3% na faixa entre R$ 1 mil
e R$ 3 mil. 9% das mulheres ocupam vagas de R$ 2 mil a R$ 3 mil, contra 8% dos
homens. Elas estão em maior número, 21% ante 17%, quando a remuneração fica
entre R$ 3 mil e R$ 4,5 mil. Tem participação igual na faixa entre R$ 6,5 mil e
R$ 8,5 mil, de 12%. Porém, na medida em que os ganhos mensais avançam, a
situação vai se invertendo: de R$ 10,5 mil a R$ 12,5 mil, elas são 5% e eles,
6%. No topo, com R$ 12,5 mil ou mais, a participação delas é de 12% e a deles, de 17%.
Uma das explicações possíveis para essa realidade, segundo
analistas, pode ser o fato de que as mulheres, no serviço público, assumem
menos cargos de chefia. No Executivo, do total de cargos de direção e
assessoramento superior (DAS), 59% estão com os homens, e 41%, com as mulheres.
Segundo Pedro Palotti, técnico da Enap, o recrutamento já aponta os limites.
"A maioria das mulheres não escolhe formação em ciências exatas, por
exemplo, onde estão as funções com salários maiores na administração
federal", salientou.
Representação
As mulheres procuram menos funções representativas no ciclo
de gestão governamental, apontou a pesquisa da Enap. Em profissões como
diplomata, elas ocupam apenas 38,4% das vagas. Representam 34,6% dos
especialistas em políticas públicas e gestão governamental, 30,5% dos analistas
de comércio exterior, 30% dos analistas de finanças e controle, 26,5% dos
analistas de planejamento e orçamento e 23,2% dos técnicos de planejamento e
pesquisa. "Esse recorte pela preferência é muito significativo, em função
de onde se encontram os maiores DAS", destacou Palotti.
A situação tende a mudar, no entender do técnico na Enap,
mas, por enquanto, há ainda uma parcela da sociedade, tanto no serviço público,
quanto no setor privado, que leva em consideração benefícios dados às mulheres
que encarecem a contratação. "A legislação trabalhista - que protege a
gravidez, concede o auxílio-maternidade, entre outros - conta negativamente.
Isso já e passado em países mais avançados e esperamos que seja em breve aqui
também. O assunto preocupa tanto os pesquisadores a ponto de ter se tornado
pauta da Organização das Nações Unidas (ONU)", disse Palotti. Até na Enap,
de 200 servidores, apenas 50 são mulheres.
Esse paradoxo acontece no mundo inteiro, segundo Roberto
Nogueira, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Ele
destacou que os homens são mais bem pagos em todas as esferas do poder. A
média, em todo o serviço público brasileiro, é de 5,5 salários mínimos para os
homens e 3,9 para as mulheres. Nos estados, eles recebem 6,2 mínimos e elas
4,6; e na municipal, são três para eles e 2,7 para elas.
Casos
A dificuldade das mulheres para chegar ao topo da pirâmide
do serviço público é revelada com cautela por algumas funcionárias federais,
por conta do temor de retaliações. Várias receiam confessar que são
discriminadas pelo gênero, até mesmo por amigos, que embora reconheçam a
competência delas, preferem os homens. Marília Antunes (nome fictício) é uma
delas. "No órgão onde trabalho, o diretor pediu que meu chefe indicasse
alguém para um cargo importante. Imediatamente o chefe citou o nome de uma
colega competentíssima. A reação do diretor foi mandá-lo escolher outro, até
menos qualificado. "Vai que ela engravide no meio da tarefa",
disse."
Outras servidoras, no entanto, afirmam que o mundo mudou e
que a nova geração tem menos problemas com isso. Daliane Silvério, 33 anos,
chefe do Departamento de Arquivos Administrativos do Senado Federal, destacou
que não enxerga mais a cultura machista, quando se trata de ocupação de cargos
de chefia. "A questão é empresarial, devido às inúmeras atribuições da
mulher e da exigência da produtividade. Muitas vezes, devido às múltiplas
funções, acabamos precisando distribuir o tempo", assinalou.
Com Daliane foi sempre diferente. Ela trabalha, estuda e
leciona. Já é servidora há 10 anos. "Entrei no Senado, sete meses depois
assumi uma chefia e um ano e meio após virei substituta do coordenador",
lembrou.
No mundo inteiro, as mulheres estão em percentual inferior
nos cargos de chefia. Segundo a Pesquisa Closing the Gender Gap: Act Now, da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil
ocupa o quinto lugar, com 33% do público feminino em cargos de chefia no Poder
Executivo. Em primeiro lugar está a Eslovênia (40,3%), seguida por Suécia
(39,9%).
Gasto administrativo cai 12%
O governo federal economizou até setembro R$ 2,26 bilhões
com despesas administrativas. Em termos reais, descontada a inflação, houve
queda de 12% nos gastos, nos primeiros nove meses do ano, em relação ao mesmo
período de 2015. No total, as despesas atingiram R$ 16,4 bilhões este ano, uma
queda de 10% na comparação dos últimos 12 meses.
De acordo com o Boletim de Despesas de Custeio
Administrativo do terceiro trimestre, divulgado pelo Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP), a maior economia foi registrada
nos gastos com material de consumo, com redução de 23,7% no ano. As despesas
com comunicação e processamento de dados também apresentaram queda de 22,3% de
janeiro a setembro.
O ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, afirmou que
os números são resultados de um conjunto de ações tomadas nos últimos meses,
como por exemplo a reorganização das compras de passagens para servidores
federais. "A redução de despesa continuará sendo uma das prioridades.
Estamos desenvolvendo uma série de produtos para auxiliar os outros órgãos na
redução de gastos e criando novos modelos de contratação para os serviços de
apoio."
Além de novas medidas, o ministro ressaltou que as revisões
em programas de políticas públicas vêm apresentando resultados
positivos."A expectativa é que, até o fim do processo de revisão dos
benefícios de auxílio-doença, a economia seja de 50% do valor gasto hoje, o que
seria em torno de R$ 6 bilhões", acrescentou.
O segmento de serviços de apoio, que inclui a contratação de
secretárias, auxiliares de limpeza e seguranças, que corresponde a 45% dos
gastos do governo federal, apresentou economia de 14,4% no ano.
Dos oito itens analisados, exceto o segmento outros serviços
- que engloba serviços bancários, de consultorias, entre outros - apresentou
crescimento de 171,5% no ano. O ministro explicou que os números são reflexos
de pagamentos, neste ano, de tarifas que estavam pendentes.
Mudanças
O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, anunciou ontem a
implantação de um novo sistema de contratação para serviços de transporte.
Servidores e colaboradores poderão solicitar o táxi por meio de um aplicativo
de celular. De acordo com a pasta, hoje a despesa anual com transporte chega a
R$ 49 milhões. Com a medida, a expectativa é que a redução do gasto seja de
53%. "Com o uso do aplicativo exclusivo para o governo, teremos acesso a
várias estatísticas, como por exemplo, os trajetos utilizados pelos servidores
na cidade", ressaltou Oliveira. Além da otimização do serviço, o ministro
destacou a economia em despesas como manutenção dos veículos, motoristas e
combustíveis. A expectativa é que o modelo comece a funcionar gradativamente a
partir de janeiro de 2017.