Congresso em Foco
- 08/10/2016
“Relatório da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico diz que o serviço
público brasileiro não está inchado. Na Dinamarca e na Noruega, 35% dos
trabalhadores ativos estão de alguma forma vinculados ao serviço público. No
Brasil, 12%”, diz presidente do Sindicato dos Gestores Governamentais
Os servidores públicos nem são muitos, nem são caros. Nesse
momento estão servindo de bode expiatório para a crise econômica brasileira
que, mais que uma causa, é uma consequência direta da crise política que
paralisa o Brasil desde meados de 2015.
Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) sobre os países-membros diz que o serviço público brasileiro não
está inchado. Na Dinamarca e na Noruega, 35% dos trabalhadores ativos estão de
alguma forma vinculados ao serviço público. Suécia, Reino Unido, Bélgica,
Canadá e França mantêm 20% ou mais de seus trabalhadores ligados ao serviço
público. A média dos países da OCDE é de 21%. O Brasil mantém módicos 12%. Essa
também é a conclusão que já chegou à mãe que tenta matricular um filho na
escola pública ou mesmo levá-lo a um posto de saúde na periferia das grandes
cidades e uma vítima de violência que não encontra uma única viatura policial
para prestar socorro em um momento de grande aflição.
Afirmar que o servidor público é muito bem remunerado também
não parece razoável. Embora a remuneração média do serviço público seja maior
que a da iniciativa privada, é bom lembrar que para o ingresso no serviço
público é requerido um cidadão acima da média. Em qualquer empresa com altos
padrões de exigência, é natural que a contrapartida paga também seja acima da
média. Muito embora a remuneração média do brasileiro seja, quiçá, suficiente
para subsistência. Nossos preços têm
padrão europeu e nossa remuneração, padrão africano.
O grande problema que enfrentamos é o de uma atividade
econômica pífia, uma massa descomunal de sonegadores e até mesmo distorções
dentro do próprio serviço público em que algumas elites com apoio e conivência
dos governantes insistem em replicar o vexatório modelo de concentração de
renda existente em todos os outros setores da sociedade Brasileira. Não é
razoável que o governo ofereça a dois cargos, que exigem como requisito a
aprovação em concurso público e curso superior, remunerações com variação de 1500%.
Isso é, no mínimo, vexatório.
Para quem acredita em coincidência vale ressaltar que grande
parte dos gastos com o funcionalismo se confunde com os “investimentos” dos
governos em “saúde, educação e segurança pública”. Como são serviços, não há
como aplicar esse dinheiro sem as pessoas, ou seja, sem os servidores. Ocorre
que os governos são constitucionalmente obrigados a gastar uma parte do que
arrecadam com esses serviços e nesse momento, nosso Congresso está discutindo
ao mesmo tempo dois projetos. Um que em tese trataria da renegociação da dívida
dos estados, mas que, em termos práticos, ataca os servidores públicos; e outro
que trata da desvinculação de receitas constitucionais. Por um lado, os
servidores são atacados por causa da crise fiscal, por outro o governo já
planeja utilizar o dinheiro que obrigatoriamente deveria ser aplicado em saúde,
educação e segurança pública em “outros projetos”.
A consequência lógica será a piora acentuada nos serviços
prestados aos cidadãos. Sobrecarregados, os servidores denunciam que faltam
pessoas, faltam recursos tecnológicos, faltam instrumentos de trabalho, falta
bom senso, só não falta dinheiro para as agências de publicidade e para as
consultorias que são os novos ralos por onde escorre parte significativa do
dinheiro público. Juntemos isso aos antigos ralos que são os contratos de
informática e as empreiteiras, o Brasil está sendo inviabilizado para as
próximas gerações.
A renegociação da dívida dos estados é uma prioridade, quem
tem conhecimento sobre as finanças públicas não ousa discordar disso. O governo
federal agiu durante muito tempo como um agiota e se financiou à custa da saúde
financeira dos estados. Os servidores não se opõem a dar sua contribuição para
o enfrentamento da crise, mas creem que alguns requisitos devam ser cumpridos.
O primeiro é uma auditoria da dívida, pois ela tem características
contestáveis. Existem denúncias consistentes de estatizações de dívidas
privadas, incorporação de valores sem lastro em contrapartidas e até dívidas que
foram apropriadas em nome do Estado com origem em paraísos fiscais.
Não há no Projeto de Lei Complementar 54/2016 qualquer
limite a expansão da dívida dos estados provenientes de aumentos dos juros
cobrados. No estado de Goiás, a título
de exemplo, 16% de tudo que era arrecadado ia para pagamento do serviço da
dívida. Isso é mais que tudo que o estado aplica em saúde. Não sem motivos,
mesmo em tempos de crise, os bancos vêm batendo sucessivos recordes de
lucratividade. E, já que mencionamos, os bancos são a exceção à regra da
economia brasileira que é predominantemente composta de micro e pequenas
empresas de baixa produtividade e lucratividade. Via de regra não conseguimos
produzir com eficiência e em larga escala o Brasil tem papel figurativo no
ranking global de produtividade. Mudar isso é muito difícil.
Enquanto a economia mundial trabalha com taxa de juros
negativa para incentivar a atividade econômica local, no Brasil pagamos taxas
de juros extorsivas. Como enfrentar de igual para igual um empresa que pega
dinheiro a 0,2% ao mês para expandir sua atividade com nossa taxa mensal de
juros? Isso já ajuda a explicar o momento difícil enfrentado pelo Brasil, mas
não é suficiente. Muitos dos problemas econômicos têm origem, como dito
anteriormente, na crise política. E as feridas dessa crise estão expostas, o
remédio não pode ser simplesmente um engodo proveniente de uma visão financista
e simplista, agradável ao ouvido, mas insuficiente para a resolver de fato a
situação severa que o Brasil atravessa.
Por Eduardo Aires Berbert Galvão: gestor governamental,
especialista em planejamento e orçamento, membro do Conselho de Transparência
Pública e Combate à Corrupção do Governo do Estado de Goiás, presidente do
Sindicato dos Gestores Governamentais e Mestre em Sociologia pela Universidade
Federal de Goiás.