Correio Braziliense
- 31/10/2016
Comparação entre os ganhos mensais de trabalhadores do setor
público no Brasil e nos Estados Unidos mostra que algumas categorias têm
valores nos contracheques superiores ao de norte-americanos
Não é à toa que a remuneração é um dos argumentos mais
usados para buscar uma vaga no setor público. Quando se compara a média de
salários dos funcionários públicos brasileiros com a dos servidores de outros
países, fica claro que o Brasil paga, em geral, muito bem. Para chegar a essa
conclusão, foram analisados dados fornecidos pelo site americano PayScale, em
comparação com o Boletim Estatístico de Pessoal do Governo Federal e informações
da Câmara dos Deputados e do Tribunal Federal da 2ª Região.
Ao comparar algumas médias salariais brasileiras com funções
similares nos Estados Unidos, a conclusão é que os trabalhadores brasileiros
costumam ingressar no serviço público ganhando mais, mesmo a renda per capita
no país norte-americano sendo cinco vezes maior. A explicação é que o salário
inicial, no Brasil, costuma ser mais próximo do teto.
Enquanto, nos Estados Unidos, um analista legislativo começa
ganhando R$ 9,3 mil, ele assume o mesmo cargo, no Brasil, recebendo muito mais:
a remuneração mais baixa para a função é R$ 20 mil. Mas, com o passar dos anos,
o funcionário brasileiro chega, no máximo, a R$ 26 mil (crescimento de 30%),
enquanto, nos Estados Unidos, pode dobrar o salário e atingir R$ 21,8 mil.
Analistas judiciários também ganham mais no Brasil, do início ao topo da
carreira. Podem receber salários de até 16,8 mil no Brasil, enquanto o máximo,
nos EUA, é de R$ 13,4 mil.
Diferenças
Um servidor com cargo similar ao de agente da Polícia
Federal chega a ganhar, nos Estados Unidos, mais que o dobro de um brasileiro.
O máximo que pode ganhar na corporação brasileira é R$ 178,8 mil por ano,
enquanto, nos EUA, o teto é R$ 462,1 mil. Fiscais da Receita Federal no topo da
carreira também ganham mais no país norte-americano: até R$ 27,7 mil por mês,
contra R$ 22,5 mil, no Brasil.
"Nos EUA, a atividade de alfândega é separada da
atividade de auditor-fiscal. No Brasil é tudo junto", explica o presidente
do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil
(Sindifisco), Cláudio Damasceno. Vale lembrar que não foram levados em conta os
benefícios trabalhistas, como vale-refeição e vale-transporte, nem a
possibilidade de o funcionário acumular uma função comissionada.
Ou seja, apesar de os brasileiros ganharem mais no começo da
carreira, eles não têm muita margem de crescimento depois, ao contrário do que
ocorre nos EUA. Lá, a remuneração no início, muitas vezes, é mais baixa, mas o
sistema permite evoluções maiores ao longo do tempo. "É preciso levar em
conta que, no Brasil, apesar de, muitas vezes, o trabalhador entrar no setor
público com um salário mais alto, ele não costuma ganhar muito mais
depois", explica Claudia Passador, especialista em gestão pública da Universidade
de São Paulo (USP).
Setores
O mesmo argumento é usado para explicar a diferenciação de
salários entre a iniciativa privada e o serviço público no Brasil. O salário
médio do funcionário público é de R$ 3.880, diante de R$ 2.210 na iniciativa
privada, segundo levantamento do consultor legislativo Marcos Köhler, feito em
setembro, com base em dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre janeiro de 2003 e o mesmo mês deste ano, os salários
médios do funcionalismo público cresceram 33%. No mesmo período, a iniciativa
privada teve ganhos de 10%. A diferença entre o salário médio nos setores
privado e público passou de
R$ 880 para R$ 1,7 mil nos últimos 13 anos. Ou seja,
servidores públicos ganham, em média, 75% mais que o trabalhador da iniciativa
privada. "É difícil comparar a remuneração pública com a privada, porque a
privada geralmente vem acompanhada de pesquisa salarial. A pública, não",
explica a presidente do Instituto Brasileiro de Carreira (IBCAA), Carolina
Linhares.
Para o especialista em governança pública Antonio Lassance,
pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o fato de a
média salarial na iniciativa privada ser baixa explica, em parte, a diferença
em relação ao serviço público. "Não é que a média no público seja alta.
Muitas vezes, é uma contraposição aos salários muito baixos das empresas
privadas. O Brasil ainda é um país com uma grande quantidade de trabalhadores
em setores que não se modernizaram", pondera. Uma justificativa para os salários serem mais
baixos no setor privado é que a alta carga tributária do país, segundo ele,
"impõe um fardo sobre as empresas que mais empregam, e elas descontam nos
trabalhadores".
Além disso, o pesquisador acredita que há uma mentalidade
mais egoísta no setor privado. "Alguns empresários ainda pensam que
constroem seu patrimônio sozinhos, sem ajuda de ninguém.", diz Lassance.
"Quando o Estado não faz um contraponto a isso e se deixa levar pela livre
negociação, as coisas pioram ainda mais", explica. Ou seja, se fosse
possível que o setor público cortasse os salários para acompanhar os da
iniciativa privada, as empresas diminuiriam ainda mais os pagamentos, e os dois
pólos receberiam ainda menos.
Qualificação garante salários maiores
Ter um diploma garante aos trabalhadores do setor público um
salário significativamente maior do que o de quem está no setor privado. Para
Claudia Passador, especialista em gestão pública da Universidade de São Paulo
(USP), a diferenciação é mais concentrada no nível superior. "O nível
básico no Brasil, especificamente, é muito mal remunerado. O nível médio paga
razoavelmente bem, mas o superior, muitas vezes, tem salários que ultrapassam
R$ 20 mil", observa.
No entanto, ela acredita ser complicado comparar os salários
com os da iniciativa privada, porque há muitos detalhes que diferenciam cargos
aparentemente iguais nos dois setores. Por exemplo, o nível de especialização
exigido. "Um assessor de imprensa no Senado é um superespecialista,
precisa ter um preparo muito bom. Por isso, tem que ser muito bem remunerado. É
como se fosse um salário de um editor de uma grande revista, não da carreira
inicial de repórter", compara Claudia Passador.
Nem sempre dá para comparar com um cargo com nome igual em
uma companhia privada. Segundo a presidente do Instituto Brasileiro de Carreira
(IBCAA), Carolina Linhares , a comparação tem que ser feita por função.
"Um auxiliar administrativo do Tribunal de Justiça ganha um valor mais
alto, mas nem sempre dá para comparar a função que ele realiza com a de um
profissional com cargo de mesmo nome na iniciativa privada. Pode ser que, no
setor público, chamem de auxiliar administrativo a pessoa que faz toda a parte
de contas a pagar, enquanto, no privado, é só quem assessora ou só faz tarefas
muito iniciais", explica.
Devido a essas peculiaridades, Carolina acredita que
investir em um cargo público apenas por conta do salário pode ser um tiro no
pé. "Muitas vezes, o que acontece é que a pessoa entra com um salário alto
e, daqui a 20 anos, pode até ter esse valor reajustado, mas não tem as
conquistas que teria no mercado privado. Se entra como jornalista, por exemplo,
depois é provável que esteja gerenciando uma equipe e ganhando muito mais na
iniciativa privada", compara. Na carreira pública, segundo ela, os
trabalhadores ficam mais engessados. "Para conquistar novos cargos, a
pessoa tem que fazer novos concursos. Como já costuma ganhar bem, fica na zona
de conforto e geralmente não faz isso", acredita.
Outra explicação para a diferença, explica Carolina Linhares
do IBCAA, é o fato de não poder haver redução salarial no serviço público.
"No setor privado, é comum demitir funcionários que ganham mais e
contratar outros com salários menores."
"O nível superior, muitas vezes, tem salários que
ultrapassam R$ 20 mil", Claudia Passador,
especialista da USP
Por Alessandra Azevedo