Correio Braziliense
- 01/11/2016
Brasileiros consideram que pagam caro, recebem pouco em
troca, e que governo gasta mal o que arrecada. Saúde, segurança e atendimento
ao público são os itens com pior avaliação, segundo pesquisa da CNI
Falta de estrutura, longas filas, burocracia e aparente
despreparo. Essas costumam ser algumas das queixas recorrentes dos brasileiros
em relação ao FUNCIONALISMO PÚBLICO. Cada vez mais, eles têm tido a impressão
que pagam caro por serviços ruins, mostra o levantamento Retratos da Sociedade
Brasileira, divulgado em junho pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A
pesquisa aponta que nove em cada 10 entrevistados concordam que, considerando o
valor dos impostos, a qualidade dos serviços públicos deveria ser melhor no
Brasil.
As insatisfações ficam mais evidentes em momentos de
dificuldade econômica. Nessas épocas, por estarem sem recursos, mais pessoas
passam a depender dos serviços oferecidos pelo governo. Ao mesmo tempo que
aumenta a procura, cresce o descontentamento com o resultado. "Na crise, é
mais fácil perceber os problemas. Quando a gente precisa, vê o quanto falta
qualidade no setor público", observa a cuidadora de idosos Teresa Jesus
Pedrosa, 60 anos. Nos últimos anos, mais pessoas chegaram à mesma conclusão.
Enquanto, em 2010, 81% dos brasileiros afirmavam que os serviços deveriam ser
melhores, a porcentagem subiu para 87% este ano.
Quando, não raro, Teresa precisa levar os idosos para serem
atendidos nos hospitais públicos, sente falta de funcionários, remédios,
equipamentos e espaço. Esse quadro, na opinião dela, sobrecarrega os servidores
e deixa o ambiente mais estressante. "Tem vezes que passo a noite
esperando e, mesmo assim, não consigo ser atendida. Parece que não querem nos
ajudar", acredita a cuidadora.
Ela não é a única que reclama dos hospitais públicos do
país. Com base nos resultados da pesquisa, a CNI chegou a um índice, de zero a
100, para medir a satisfação da sociedade. Quanto mais alto, maior o número de
avaliações positivas. Valores acima de 50 mostram que a maioria das pessoas
está satisfeita com o serviço. No levantamento de 2016, nenhuma das categorias
conseguiu ultrapassar essa nota. A última vez que isso aconteceu foi há seis
anos, quando os Correios tiveram índice de 51, o maior registrado pela
pesquisa. Este ano, a nota só ultrapassou 30 em sete dos 13 serviços avaliados.
"As reclamações das pessoas são válidas. Em geral, os
serviços públicos realmente deixam a desejar", julga o especialista em
administração pública Jorge Pinho, professor do Departamento de Administração
da Universidade de Brasília (UnB). O principal problema, segundo ele, é de
gestão, já que os chefes não são selecionados por competência. "Troca-se o
dirigente de acordo com a conveniência política, não por adequação ao cargo
público. Isso acaba impactando no resultado do serviço prestado", explica.
A falta de preparo dos funcionários também é uma das maiores
queixas da administradora Lorrana Lima, 26 anos, que define o atendimento no
setor público como "desorganizado". "Parece que não há nenhum
tipo de preocupação com as pessoas", observa. Não por acaso, o atendimento ao público foi o
serviço que teve a terceira pior avaliação na pesquisa, com 25 pontos. Perdeu
apenas para saúde, com 20, e segurança, que teve 22.
Reclamação
"Se você liga para um telefone, te mandam para outro,
que te transfere para mais um, e assim vai. Até que você volta para a primeira
pessoa que te atendeu", concorda o cineasta Pedro Lacerda, 60, que
acredita ser necessária uma cobrança maior por parte dos superiores hierárquicos.
"O governo gasta muito, mas de forma errada e ineficiente, o que resulta
em ainda mais problemas. O imposto não dá respostas às necessidades da
população. Tudo que se arrecada deveria ser devolvido ao povo", reclama o
cineasta. E com razão. Afinal, um terço do Produto Interno Bruto (PIB) é
revertido em impostos, todos os anos, segundo dados da Receita Federal.
Especialista em administração pública, o pesquisador do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Antonio Lassance ressalta que,
em muitos casos, o atendimento ruim pode ser explicado por falta de mão de
obra. "A qualidade do serviço prestado depende de que esse profissional
voltado ao público esteja presente em quantidade razoável. É isso que evita
filas, por exemplo", pondera.
Além disso, os servidores precisam ser qualificados e
motivados - por meio de salários justos e capacitação adequada, com formação
mesmo depois de empossados no cargo. "Isso tudo é essencial para que os
servidores cumpram bem suas obrigações, atendam ao público de forma civilizada
e evitem conflitos de interesse. Quando essas variáveis não funcionam, o
serviço público falha", resume.
Pouco investimento
Devido às peculiaridades dos serviços prestados pelo
governo, os fatores que determinam a qualidade são múltiplos. Avaliar esses
diferenciais é mais complicado do que parece, afirmam os especialistas. A
começar pela base de comparação, que é bem diferente dos serviços oferecidos
pela iniciativa privada.
"É preciso entender a diferença básica entre o serviço
público e o privado. No segundo, o objetivo é vender. Por isso, há uma margem
maior para facilitar o contrato, acelerar o processo e fechar a venda. No setor
público, o fim é o bem comum. Não é para facilitar, mesmo", explica o
presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e
Gestão Governamental (Anesp), Alex Canuto.
Para comparar a eficiência dos serviços é preciso avaliar os
recursos disponíveis, acrescenta o professor Clovis Bueno de Azevedo, da Escola
de Administração da Fundação Getulio Vargas (Eaesp/FGV)."Ter acesso a um
atendimento particular de qualidade é muito caro, tanto na saúde quando na
educação. Se compararmos um hospital particular com o Sistema Único de Saúde
(SUS), por exemplo, percebemos que o primeiro custa imensamente mais",
analisa.
O gasto anual por habitante com saúde pública é de R$ 1,4
mil, segundo estudo divulgado pela ONG Contas Abertas, em parceria com o
Conselho Federal de Medicina (CFM) - valor equivalente a menos de R$ 120 por
mês. "Com esse dinheiro, só seria possível pagar um plano de saúde bem
ruim, que funcionaria igualmente mal", pondera o professor. Nas escolas,
segundo ele, o custo de uma mensalidade em colégio particular é quase o anual
de um público.
Modernizar o setor traria mais eficiência e, como
consequência, melhoraria a visão da sociedade em relação à qualidade dos
serviços oferecidos pelo governo. É o que defende a professora Claudia
Passador, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). "O governo não investe em recursos
humanos e quer que as pessoas tenham bom desempenho", critica. Para ela,
essa mudança deveria começar na seleção e na distribuição dos servidores.
"O ideal seria que fossem escolhidos perfis mais apropriados." (AA)
R$ 3,89 per capita com saúde
Os governos federal, estaduais e municipais investiram, em
2014, R$ 3,89 por dia per capita para cobrir as despesas públicas com saúde. Ou
seja, cerca de R$ 289,6 bilhões por ano para mais de 204 milhões de brasileiros.
Segundo o levantamento da ONG Contas Abertas e do CFM, proporcionalmente,
Brasília é a capital que mais gasta com esse tipo de serviço. Os dados foram
obtidos a partir de informações orçamentárias da Secretaria do Tesouro
Nacional, do Ministério da Fazenda.