BSPF - 24/10/2016
Cresce o número de casos de funcionários que sofrem
maus-tratos de chefes e registram queixa. Em 2015, a CGU abriu um procedimento
sobre o tema a cada 62 horas. Houve duas demissões, quatro advertências e duas
destituições de cargo de confiança
Servidora do Ministério da Saúde há 27 anos, Isa Maria
Araújo Lopes, 53, nunca soube o que era assédio moral até sentir na pele
humilhações e tortura psicológica de dois chefes. Apesar de ser enquadrada no
nível médio, ela cursou faculdade e fez pós-graduação na Universidade de
Brasília (UnB) para prestar um serviço de boa qualidade. Mas era preterida
pelos superiores em diversas oportunidades. Os problemas começaram em 2002. As
viagens ao exterior para representar a pasta eram feitas por consultores
terceirizados, ato proibido pela administração pública federal.
O nível de constrangimento chegou a tal ponto que, durante a
reorganização no setor onde trabalhava, Isa foi isolada em um cubículo sem
ventilação para que não tivesse acesso à equipe de trabalho. As informações
sobre as rotinas da área não eram compartilhadas com a servidora para que não
recebesse tarefas.
Sem entender o motivo das humilhações, ela entrou em
depressão, engordou e perdeu a alegria de ir todos os dias para o ministério.
Chegou a ser colocada à disposição dos Recursos Humanos, sem uma explicação
razoável. “Precisei procurar um psicólogo e um psiquiatra. Tomei remédios e só
não piorei porque busquei Deus. Não entendia por que passava por toda aquela
situação”, relembra.
Orientada por outros colegas, passou a documentar os atos
dos chefes e criou coragem para fazer uma denúncia na Ouvidoria-Geral da União
(OGU), após quase cinco anos de maus-tratos. A queixa foi encaminhada ao
Ministério da Saúde, que determinou a abertura de uma sindicância. Durante a
apuração preliminar, ficou constatada a necessidade de ser instaurado um
processo administrativo disciplinar, que ainda não foi concluído pela pasta.
Paralelamente a isso, Isa decidiu, em 2008, encaminhar uma denúncia ao
Ministério Público Federal (MPF), que submeteu o caso à Justiça.
Punição
Os dois foram condenados em 2013 por assédio moral e improbidade
administrativa. O juiz determinou o pagamento de multa, perda dos direitos
políticos por três anos, a perda de função pública e proibição de contratar com
o Poder Público ou receber benefícios e incentivos fiscais. “Hoje encorajo
todas as pessoas a denunciarem se sofrem assédio moral. Atualmente, estou em um
lugar que eu gosto e sou bem tratada, mas sofri demais até chegar aqui”, diz.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que o processo administrativo
disciplinar já foi encerrado e, atualmente, encontra-se em fase final de
construção do parecer jurídico.
Casos como o de Isa são comuns em todo o país, mas o medo de
denunciar, a falta de informações sobre o tema e o desconhecimento da população
sobre os danos causados pela prática dificultam a reação das vítimas. Dados
inéditos obtidos pelo Correio com a Controladoria-Geral da União (CGU) mostram
que, entre 2014 e 2016, cresceu o número de processos administrativos instaurados
para apurar os maus-tratos psicológicos no ambiente de trabalho .
Há dois anos, 90 processos foram abertos para investigar
denúncias. Naquele mesmo ano, houve cinco advertências aplicadas como punição,
dois servidores destituídos de funções de comissão e outros dois, suspensos. Em
2015, a quantidade de apurações cresceu 51,1% e chegou a 136 casos, o que
significou uma média de um processo aberto a cada 62 horas. No ano passado,
foram aplicadas quatro advertências, duas demissões efetivas de cargo, duas
destituições de cargo de confiança, nove suspensões e três multas.
Aumento
Entre janeiro e setembro de 2016, 118 processos
administrativos foram instaurados pela CGU sobre o tema assédio moral, uma
média de um caso a cada 55 horas. Neste ano, quatro advertências foram
aplicadas, três suspensões e uma multa. Além das apurações, 18 denúncias foram
feitas em ouvidorias do Executivo sobre o tema assédio moral em 2015 e outras
89 até setembro de 2016. O chefe de gabinete da Corregedoria-Geral da União (CRG),
Armando de Nardi Neto, explica que os dados de processos disciplinares, bem
como as sanções decorrentes das apurações passaram a ser classificadas por
assunto somente em 2013. A CRG e a OGU são parte da CGU.
Uma dificuldade enfrentada nas apurações é que a Lei nº
8.112 não define o assédio moral, o assédio sexual e o racismo como infrações.
Apesar disso, o chefe de gabinete da CRG destaca que a norma determina
penalidades para condutas específicas, as quais podem, a depender das
circunstâncias, caracterizar o assédio. “Os atos que caracterizam assédio são
penalizados com base no descumprimento de deveres e proibições previstas em
lei. São deveres do servidor manter conduta compatível com a moralidade
administrativa e tratar com urbanidade as pessoas”, destaca.
Além disso, o artigo 132 da lei determina que a demissão de
um servidor será aplicada em casos de incontinência pública e conduta
escandalosa na repartição. Nardi argumenta que as sanções aos atos de assédio
representam uma forma eficaz de inibir a prática, uma vez que demonstram a não
aceitação da prática na administração pública. “Mas entendemos que ações
preventivas e de conscientização também são importantes na prevenção desse tipo
de prática”, alerta.
O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury,
considera que o tema precisa ser amplamente debatido, já que muitos
trabalhadores preferem se submeter ao assédio e manter o emprego a denunciar.
Em outros casos, desconhecem que os maus-tratos são irregularidades e podem ser
punidos. Para ele, o Legislativo precisa aperfeiçoar as normas existentes no
país para punir quem comete o crime. “O assédio moral nunca ocorre com uma
pessoa. Ele atinge toda a coletividade, ainda que direcionado a uma pessoa”,
alerta.
Por Antonio Temóteo