Consultor Jurídico
- 07/11/2016
A história dos empregados públicos demitidos durante o
governo de Fernando Collor de Mello ganhou um novo capítulo com a publicação da
Portaria Normativa 5, do Ministério do Planejamento Desenvolvimento e Gestão,
no último dia 1º de setembro. Editada para dar cumprimento a um acórdão
proferido em 2015 e há pouco tempo confirmado pelo Tribunal de Contas da União
(TCU), a Portaria prevê procedimentos e prazos a serem cumpridos para a
“retificação” de atos de conversão de regime jurídico operados a servidores
anistiados.
De fato, trata-se de uma história bastante antiga, uma
verdadeira novela que se arrasta por mais de 25 anos, durante os quais, apesar
das inegáveis conquistas, os servidores envolvidos infelizmente tiveram também
muitas derrotas.
Com a implantação dos chamados "Planos Collor"
entre os anos de 1990 e 1992, que tinham como horizonte o enxugamento das
instituições do Estado brasileiro, diversas empresas públicas foram extintas.
Nesse contexto, milhares de empregados públicos acabaram demitidos ao arrepio
da Constituição e da legislação vigente. Após muitas mobilizações e pressão
sobre o Executivo, esses servidores conquistaram uma anistia durante o governo
de Itamar Franco, com a edição de uma medida provisória que foi posteriormente
convertida na Lei 8.878, de 1994.
A anistia conquistada, contudo, não era irrestrita —
atrelava o retorno ao serviço público à formulação de um requerimento
administrativo que seria processado por uma Comissão Especial, constituída para
tanto no ano anterior. Iniciou-se então um longo processo para a reintegração
desses servidores, por vezes atacado e interrompido nos anos posteriores, o que
gerou inúmeras demandas no Judiciário. O retorno ao serviço, em muitos casos
decorrente de decisões judiciais, começou no início dos anos 2000 e foi
retomado administrativamente no ano de 2005, quando os processos em curso foram
analisados e ratificados por uma comissão interministerial formada
especialmente para isso. Atualmente, dos mais de 40 mil servidores que poderiam
ser reintegrados, cerca de 12 mil conseguiram retornar ao serviço.
Desde então, são muitos os problemas que esses servidores
enfrentam, como assédio moral, defasagem salarial e o indevido enquadramento nas
carreiras. A recente edição da Portaria do Ministério do Planejamento diz
respeito a um desses problemas — trata-se do caso dos empregados públicos
celetistas de empresas extintas que foram reintegrados nos órgãos da
administração pública direta, nos quais, via de regra, o regime jurídico dos
servidores é estatutário. Nesse particular, à época do retorno ao serviço, o
procedimento adotado pelos respectivos órgãos foi a conversão para o regime
estatutário, fundamentado em Orientação Normativa do próprio Ministério do
Planejamento, editada ainda no ano de 2002.
Todavia, em 2007 a Advocacia Geral da União elaborou um
parecer, que foi posteriormente ratificado pelo então presidente Lula, no
sentido de que o procedimento de conversão de regimes seria ilegal e que,
portanto, aqueles servidores deveriam retornar ao vínculo celetista.
Reconhecendo a decadência dos atos de conversão praticados há diversos anos,
muitos daqueles órgãos se recusaram a cumprir com o parecer da AGU, que acabou
levando a discussão ao Tribunal de Contas da União, por meio de representação
formulada no ano de 2011.
Somente em 2015 o TCU proferiu uma decisão definitiva no
processo TC 030.981/2011-5, confirmando o entendimento da AGU e determinando o
desfazimento dos atos de conversão de regimes e o retorno ao regime celetista
dos servidores. Mais recentemente, ainda, o TCU inadmitiu diversos recursos
formulados por alguns servidores contra essa decisão, mencionando que o
contraditório e a ampla defesa deveriam ser garantidos pelos órgãos jurisdicionados,
aos quais a decisão foi direcionada.
Nesses termos, o entendimento adotado pela Corte de Contas é
bastante temerário e afronta os direitos dos servidores anistiados que se
encontram nessa situação. Isso porque não só entendemos como perfeitamente
legítimo o procedimento de conversão de regimes adotado pelos órgãos públicos
quando da reintegração dos servidores anistiados, como também, passados tantos
anos, estes atos já foram inegavelmente atingidos pela decadência, não podendo
ser anulados ou revistos, sob pena de flagrante violação ao princípio da
segurança jurídica. Além disso, ao não admitir recursos de servidores
diretamente atingidos por sua decisão, o TCU também afronta os princípios do
contraditório e da ampla defesa, já que os órgãos jurisdicionados pela Corte
certamente não poderão adotar entendimento diferente, quaisquer que sejam as
alegações levantadas no âmbito dos processos administrativos abertos para a
“retificação” dos atos de conversão.
Assim, os órgãos e entidades da administração pública
federal deverão iniciar o cumprimento da decisão do TCU, nos termos da Portaria
Normativa recentemente publicada. Infelizmente trata-se de mais um triste e
desnecessário capítulo na história daqueles servidores públicos que há mais de
duas décadas lutam por seus direitos, o que tornará inevitável a judicialização
da contenda a fim de evitar mais essa arbitrariedade.
Marcos Joel dos Santos é especialista em Direito do
Servidor, é sócio do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.
Igor Mendes Bueno é especialistas em Direito do Servidor,
advogado do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.