Jornal Extra
- 09/12/2016
Brasília - A proposta de reforma da Previdência tem uma
regra de transição mais favorável para os servidores públicos do que para os
demais trabalhadores. O texto da proposta de emenda constitucional (PEC) 287
mantém praticamente sem alteração as regras de transição das reformas
anteriores — com exceção do pedágio de 50% sobre o tempo que falta para
requerer a aposentadoria. Com isso, quem tem mais de 50 anos (homem) e 45 anos
(mulher) e ingressou no serviço público até 2004 continua tendo direito a um
valor de benefício correspondente ao último salário, bem como à mesma correção
do reajuste salarial concedido aos ativos. O teto da aposentadoria é o mesmo
dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso da União, ou do
governador, nos estados.
Para quem começou a trabalhar antes de 1998, há casos em que
a PEC pode até antecipar aposentadorias. Um exemplo é o caso de um trabalhador
que nasceu em 1962, começou a trabalhar em 1982 no setor privado e, em 1996,
passou em um concurso público. Em julho de 2017, quando a PEC deve ser
aprovada, ele terá 55 anos de idade e 35 anos de contribuição e, portanto, não
terá de pagar o pedágio de 50% porque já contribuiu o suficiente (35 anos, no
caso dos homens, e 30 anos, no das mulheres).
Pela regra de transição anterior, que continua valendo, esse
servidor não precisa atingir a idade mínima atual (de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher) para se aposentar, mas tem que cumprir a fórmula 85/95
(somando idade e contribuição) para mulheres e homens. Neste caso, ele somaria
90 pontos, faltando, portanto cinco pontos. Teria de trabalhar por pelo menos
mais três anos e requerer o benefício em junho de 2020.
AJUSTE FINO NO CONGRESSO
Com a PEC, no entanto, ele poderá antecipar a aposentadoria
em seis meses, em dezembro de 2019. Isso porque, segundo o consultor da
Comissão de Orçamento dos Deputados, Leonardo Rolim, a PEC altera o sistema da
contagem da fórmula 85/95, que deixa de ser ano cheio e adota a fração de dias:
cada dia a mais de contribuição reduz um dia na idade.
Em outra situação, a PEC força o trabalhador a ficar um
pouco mais na ativa para se aposentar. Um servidor que entrou no setor público
em 1996, por exemplo, com sete anos de contribuição para o INSS, chegará a
julho de 2017 com 28 anos de contribuição — nesse caso, terá de contribuir por
mais dez anos e meio, porque será necessário pagar o pedágio, uma vez que ele
não tem 35 anos de contribuição. Com isso, ele vai se aposentar aos 62 anos de
idade, de acordo com a PEC. Na legislação atual, poderia requerer o beneficio
aos 59,5 anos.
Já no caso de quem começou a contribuir mais tarde, a PEC
terá um impacto maior, segundo simulações de Rolim. Ele cita como exemplo um
funcionário que começou a recolher aos 30 anos de idade, tendo ingressado no
serviço público antes de 1997. Hoje, ele teria 55 anos de idade e 25 anos de
contribuição. Pela regra atual, ele poderia recolher por mais uma década e se
aposentar aos 65 anos de idade. Com a PEC, terá de contribuir por mais 15 anos
e só poderá se aposentar aos 70 anos de idade.
— Neste caso, ele terá contribuído por 40 anos e vai se
aposentar somente aos 70 anos de idade, enquanto o outro (do primeiro exemplo)
vai contribuir 37,5 anos e se aposentar aos 57,5 anos de idade. Ou seja, vai
contribuir por menos tempo e se aposentar mais cedo — diz Rolim.
Ele explica que a regra de transição do setor público terá
de ser mais bem calibrada durante a votação no Congresso, de modo a evitar
beneficiar alguns e punir outros. Toda vez que se tenta passar uma “régua”, diz
Rolim, acontecem essas coisas.
De acordo com a PEC, aqueles que ingressaram na carreira
entre 2004 e 2013 perdem os privilégios na hora da aposentadoria: integralidade
(último salário) e paridade (correção do benefício igual ao reajuste salarial
dos ativos). Esses servidores são obrigados a cumprir idade mínima atual (60
anos, se homem, e 55 anos, se mulher), mas ainda recebem o benefício cheio — ou
seja, sem o redutor de 51% sobre a média da contribuições, como valerá para os
demais trabalhadores. O valor é calculado com base na média dos 80% maiores
salários de contribuição.
Somente quem ingressou no serviço público a partir de 2013 terá
regras mais duras, as mesmas do INSS: teto de R$ 5.189 (atual); redutor de 51%
no valor do benefício, mais 1 ponto percentual por ano de contribuição, tendo
de trabalhar por 49 anos para ter direito ao teto; e idade mínima de 65 anos.
Para o diretor do Departamento de Regime de Previdência no
Serviço Público, Narlon Gutierre Nogueira, as regras de transição do setor
público previstas na PEC são mais amenas porque o sistema foi alvo da última
reforma, no governo Lula, em 2003. Ele destacou que a PEC endurece as regras de
aposentadoria para os funcionários mais jovens, abaixo de 50 anos (homem) e 45
anos (mulher).
— A PEC alcança um universo grande de servidores que
poderiam se aposentar pelas regras de transição vigentes e que não poderão mais
— afirma Nogueira, acrescentando que, de forma geral, a proposta atinge todos
os servidores, em todas as esferas (União, estados e municípios), somando um
universo de 6,2 milhões de pessoas.
Para o especialista Paulo Taffner, a PEC evita risco de
judicialização ao não alterar de forma mais profunda as regras de transição
vigentes. Ele ressalta pontos importantes para cortar gastos, como vetar a
acumulação de benefícios e eliminar a paridade:
— É a reforma possível. Mas vale lembrar também que ela
impõe um custo, que é o pedágio.
(Geralda Doca - O Globo)