Valor Econômico
- 13/02/2017
Brasília - Acuadas pela recente decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) que permitiu o desconto salarial de grevistas no serviço público,
entidades que representam os servidores querem acelerar a regulamentação do
direito de negociação coletiva e a aprovação de uma lei que garanta o direito
de greve, que, embora previsto na Constituição, nunca foi regulamentado.
Na avaliação de analistas, diante de um cenário de
endurecimento da relação do setor público com os servidores e de crise fiscal,
deve haver uma radicalização por parte dos sindicatos e uma ampliação dos
conflitos em 2017. "A ausência de regulamentação e, agora, a decisão do
Supremo favorecem a radicalização. Em termos fiscais, o ano de 2017 será ainda
mais severo e isso deve levar a um acirramento nas relações com os
servidores", diz Clemente Ganz Lúcio, diretor do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
A falta de regulamentação e o aumento das restrições levam a
decisões radicalizadas, afirma ele, dando como exemplo a onda de violência no
Espírito Santo após a paralisação dos policiais militares. "O direito de
negociação amenizaria a tensão nessa relação. Por exemplo, para setores que
usam armas, a greve é proibida. Assim, o direito de negociação precisa ser
regulamentado. Caso contrário, acontece o que está ocorrendo no Espírito
Santo", diz Ganz Lúcio. "É uma greve em que as pessoas vão para o
tudo ou nada", afirma.
Segundo ele, nas três esferas de governo, dois terços das
greves ocorrem justamente em busca de abrir uma negociação. O direito de greve
é previsto no artigo 37 da Constituição, enquanto o de negociação coletiva
consta da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ambos, porém,
precisam ser regulamentados pelo Legislativo. Procurado, o Ministério do
Planejamento lembrou que o direito de greve está "pendente de
regulamentação" e considerou "importante o tema ser regulamentado
para dirimir dúvidas e facilitar os processos de negociação".
Segundo nota do Planejamento, "atualmente, há diversos
projetos de lei que tramitam no Congresso sobre o tema e cabe às casas
parlamentares definir o encaminhamento deles segundo a melhor oportunidade e
conveniência". A nota lista seis projetos em tramitação que tratam sobre o
tema. O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público
Federal, Sérgio Ronaldo da Silva, disse que a categoria busca soluções
jurídicas para o impasse em torno do direito de greve e também no Congresso.
"O governo sabia
que reagiríamos diante do cenário de retirada de direitos, de ausência de
negociação. Estamos nos organizando para reagir à reforma da Previdência e a
trabalhista e não vamos aceitar esse desmonte de forma pacífica", afirmou
Silva, que disse que haverá um dia nacional de mobilização em 15 de março, com
paralisações em todo o país.
"A nossa
plataforma é de mobilização e, em última instância, greve." Na avaliação
do coordenador da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e
Ministério Público da União (Fenajufe) Gerardo Alves Lima Filho, a decisão do
STF, em outubro, de permitir o desconto dos dias parados dos servidores
públicos aniquila, na prática, o direito de greve, antes tratado com base na
legislação da iniciativa privada. "A decisão do Supremo inviabilizou o
diálogo, pois nosso instrumento de negociação era a greve. O que podemos fazer
agora é buscar uma solução no Legislativo", disse.
Para Antônio Augusto de
Queiroz, analista político e diretor de Documentação Intersindical de
Assessoria Parlamentar (Diap), o cenário atual deve favorecer o encaminhamento
da discussão no Congresso. "A regulamentação da negociação coletiva e do
direito de greve vai ser prioridade dos sindicatos. O governo não vai fazer
negociação de modo voluntário e, agora, deve ter a institucionalização desses
direitos", disse Queiroz. "Essa regulamentação prévia vai precisar
ser dada porque, caso contrário, pode haver uma ampliação até da desobediência
civil", avalia o analista. "As pessoas vão fazer greve à revelia da
lei para forçar a negociação, já que o governo não tem essa predisposição,
inclusive em função do ajuste fiscal."
(Por Cristiane Bonfanti)