BSPF - 25/03/2017
Ocupantes de cargos comissionados não integram a espécie
servidores públicos efetivos
Aposentadoria de servidores públicos é matéria de regramento
eminentemente constitucional. É bem de ver que a União, os Estados e o Distrito
Federal detêm competência concorrente para legislar sobre previdência
social[1]. Sem embargo, o art. 40 da Constituição de 1988 contempla regramentos
sobre o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS que são de observância
obrigatória para todos os entes que compõem a República Federativa do
Brasil.[2]
Nesse passo, é preciso identificar em que espécie do gênero
servidor público se enquadra aquele que ocupa cargo comissionado. O gênero
servidor público agrega as seguintes espécies: servidores efetivos, que
pertencem ao quadro de Carreira e ingressaram nos cargos mediante concurso
público de provas ou de provas e títulos; servidores temporariamente
contratados, que são contratados para atender necessidades temporárias de
excepcional interesse público (art. 37, IX, da CF); servidores ocupantes de
emprego público ou servidores celetistas, que são os regidos segundo as regras
da CLT e que também ingressam nesses empregos por meio de concurso público de
provas ou de provas e títulos; servidores com mandato eletivo, que são aqueles
servidores públicos que foram eleitos para cargos eletivos; e, por fim, os
servidores comissionados, que são aqueles designados para ocupar cargo em
comissão de livre nomeação e exoneração.
Em linhas gerais, a Previdência Social agrega dois regimes
previdenciários distintos: o Regime Geral de Previdência Social – RGPS e o
Regime Próprio de Previdência Social – RPPS. O primeiro agrega a iniciativa
privada em geral e o segundo, os servidores públicos efetivos. Nada obstante
esses dois regimes gerais, o RPPS compreende o regime dos servidores públicos
efetivos[3]; o regime dos militares dos Estados e do Distrito Federal[4]; e o
regime dos militares das Forças Armadas[5].
Ao lado dos dois regimes principais, ainda há a Previdência Complementar
Pública[6] e a Previdência Complementar Privada[7].
Essas considerações têm o objetivo de delimitar o campo do presente
artigo, que se empenha em perscrutar sobre a incidência do instituto da
aposentadoria compulsória para os ocupantes de cargo comissionado.
Histórico constitucional da aposentadoria compulsória no
Brasil
A aposentadoria compulsória no Brasil, em sede constitucional,
teve início com a Constituição Federal de 1934. O artigo 170, § 3.º, da
Constituição de 1934, estabelecia que os funcionários públicos seriam
aposentados compulsoriamente aos 68 anos de idade, observadas as exceções
previstas na Constituição. Essa exceção tinha lugar para os juízes, os quais
gozavam da garantia da aposentadoria compulsória aos 75 anos, podendo esse
limite ser reduzido até 60 anos, conforme preceituam os artigos 64, alínea “a”,
e 104, § 5.º, ambos da CF/34.
Na Constituição de 1937, para os funcionários públicos, foi
mantida a aposentadoria compulsória aos 68 anos de idade, podendo a lei reduzir
esse limite para categorias especiais, de acordo com a natureza do serviço,
conforme o Art. 156, alínea “d”. Esse limite de idade para a aposentadoria
compulsória, de acordo com o art. 91, alínea “a” da Constituição de 1937,
também era aplicado aos juízes. Assim, a aposentadoria compulsória para os
juízes teve o seu limite reduzido de 75, Constituição de 1934, para 68 anos,
Constituição de 1937.
Com a Constituição de 1946, tanto os funcionários públicos
quanto os juízes tiveram o limite de idade alterado de 68, para 70 anos[8].
Ainda sob a égide dessa Constituição, o STF formulou a
Súmula 36, que preconiza que “Servidor vitalício está sujeito à aposentadoria
compulsória, em razão da idade”. Apesar de ser editada em 1963, entende-se que
o verbete ainda está em consonância com a atual Constituição de 1988.
A Constituição de 1967 manteve, para juízes e funcionários
públicos, o limite de idade de 70 anos para a aposentadoria compulsória, na
forma estabelecida nos artigos 100, inciso II, e 108, § 1.º. Contudo, para os
funcionários públicos, em razão da natureza especial do serviço, esse limite
poderia ser reduzido para patamar nunca inferior a 65 anos de idade. A Emenda
Constitucional n.º 01, de 17.10.1969, do regime de exceção, manteve, para
funcionários públicos e juízes, o mesmo limite de idade para a aposentadoria
compulsória. Contudo, para os funcionários, excluiu a possibilidade prevista no
art. 100, § 2.º, da CF/67, nos casos de natureza especial do serviço, que
poderia diminuir o limite para aposentadoria compulsória até 65 anos.
A Constituição de 1988, em seu texto original, manteve o
limite de idade de 70 anos para a aposentadoria compulsória de servidores
públicos e juízes, conforme estabeleciam os artigos 40, inciso II, e 93, inciso
VI.
A Emenda Constitucional n.º 20/98 promoveu uma sutil
diferença no inciso II do art. 40 da CF/88, na medida em que estabeleceu que a
aposentadoria compulsória é com proventos proporcionais ao tempo de
contribuição e não ao tempo de serviço, conforme originalmente previsto. Essa
perspectiva foi ainda mais minudente com a Emenda Constitucional n.º 41/03, que
deu ao art. 40, com acréscimo do § 1.º.
No entanto, a alteração do limite de idade para a
aposentadoria compulsória teve lugar com a Emenda Constitucional n.º 88/15, que
foi elevado para 75 anos de idade, na forma da redação que foi dada ao art. 40,
§ 1.º, inciso II, da CF/88, mesmo mantendo a possibilidade de que a
aposentadoria compulsória ocorra aos 70 anos. Tudo, porém, ficou a depender de
lei complementar.
O limite de idade de 75 anos para a aposentadoria
compulsória também alcançou os juízes. Porém, para os Ministros do STF, dos
Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União, essa implementação não
está a depender de lei complementar, conforme dispõe o art. 100 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, com a redação que lhe foi dada pela
Emenda Constitucional n.º 88/15.
A Lei Complementar n.º 152/15 disciplinou a aposentadoria
compulsória de que trata o inciso II do § 1.º do art. 40 da Constituição
Federal, com a redação dada pela Ementa Constitucional n.º 88/15. De acordo com
o art. 1.º da LC n.º 152/15, a disciplina nela disposta alcança o âmbito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. De acordo com o art.
2.º, incisos I a V, dessa mesma norma, o público alvo compreende os servidores
titulares de cargos efetivos de todos os entes da federação, incluídas suas
autarquias e fundações, bem como, os membros do Poder Judiciário, do Ministério
Público, das Defensorias Públicas e dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.
Conforme se depreende desse breve histórico constitucional,
o limite de idade para a aposentadoria compulsória vem oscilando ao longo do
tempo, até o presente momento, entre 68 e 75 anos de idade. Tendo presente que
os ocupantes de cargos comissionados integram o gênero denominado de servidores
públicos, o próximo passo é perscrutar se o limite de idade para a
aposentadoria compulsória aplica-se também a esses servidores.
A aposentadoria compulsória e os ocupantes de cargos
comissionados
Todas as Constituições, a contar da de 1934 até à atual, com
exceção para o texto original da Constituição de 1988, ao disporem sobre o
limite de idade para a aposentadoria compulsória, fazem referência expressa a
servidores efetivos. A atual redação do art. 40 e seu § 1.º, inciso II, da
Constituição Federal de 1988, evidencia que o limite de idade para a
aposentadoria compulsória aplica-se aos servidores titulares de cargos efetivos
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e integrantes do
regime de previdência de caráter contributivo e solidário. De sua vez, o art.
40, § 20, da CF, prescreve que é vedada a existência de mais de um regime
próprio de previdência social para os servidores titulares de cargos efetivos.
Nesse passo, é de se concluir que, entre os servidores
públicos, a aposentadoria compulsória é aplicada àqueles que são titulares de
cargos efetivos e que integram o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS.
Segundo o magistério de Regis Fernandes de Oliveira[9], os
cargos efetivos destinam-se
“ao provimento em caráter definitivo. A permanência é que
identifica a forma de ocupação. ‘É o cargo ocupado por alguém sem
transitoriedade ou adequado a uma ocupação permanente’, no preciso dizer de
Diógenes Gasparini. Eles devem ser exercidos, obrigatoriamente, por
funcionários concursados e de forma permanente, ressalvada a titularidade
provisória do funcionário ainda em período probatório”.
Ainda segundo o mesmo autor[10], os cargos em comissão são
destinados
“a livre provimento e exoneração. O sentido literal de
‘comissão’ pode ser expresso como um encargo ou incumbência temporária
oferecida pelo comitente. Nesse mesmo sentido, o cargo em comissão pode ser
cargo isolado ou permanente, criado por lei, de ocupação transitória e
livremente preenchido pelo Chefe do Executivo, segundo seu exclusivo critério
de confiança. Transitória, portanto, é a permanência do servidor escolhido, não
o cargo, que é criado por lei”.
Os ocupantes de cargos comissionados, conquanto pertençam ao
gênero servidores públicos, não fazem parte da espécie servidores efetivos, mas
da espécie servidores comissionados. Estes, ocupantes exclusivamente de cargos
em comissão, são regidos pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS,
conforme prescreve o § 13 do art. 40 da Constituição de 1988. Disso decorre que
tais servidores públicos devem observância ao art. 201 da Constituição Federal
e à Lei n.º 8.213/91. Em seu artigo 18, a Lei n.º 8.213/91, lista as seguintes
modalidades de aposentadoria: por invalidez, por idade, por tempo de
contribuição e especial. Não há, portanto, previsão do instituto da
aposentadoria compulsória.
Nada obstante, cumpre anotar, a respeito do tema aqui em
destaque, as disposições do art. 51 da Lei n.º 8.213/91. Segundo esse
dispositivo legal, a empresa pode requerer a aposentadoria compulsória do
empregado, desde que o segurado tenha cumprido o período de carência e
completado 70 anos de idade, se homem, ou 65, se mulher. Trata-se de instituto
bastante diverso daquele previsto na Constituição Federal para os servidores
públicos titulares de cargos efetivos. É que, se no Regime Próprio a
aposentadoria é compulsória para ambas as partes (Estado e servidor público),
no Regime Geral a aposentadoria é compulsória apenas ao empregado, uma vez que
o empregador tem a faculdade de requerer esse benefício.
O STF, ao julgar a ADI 2.602, confirma o entendimento de que
a aposentadoria compulsória de que trata o artigo 40, § 1.º, inciso II, da
Constituição Federal, com a redação dada pela EC 20/98, está restrita aos
cargos efetivos da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídas as autarquias e fundações. Cumpre anotar que a Emenda
Constitucional n.º 88/15 não alterou a essência do art. 40, § 1.º, inciso II,
na redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20/98, mas, apenas, elevou o
limite de idade de 70 para 75 anos para a aposentadoria compulsória. Daí por
que não há motivos para que, no ponto, seja alterado o entendimento do STF.
No enfrentamento da tese desenvolvida na ADI 2.602, também
se decidiu que os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são
exercidos em caráter privado, não sendo titulares de cargo público efetivo e,
portanto, não se lhes aplica o instituto da aposentadoria compulsória de que
trata o atual artigo 40 da Constituição de 1988. Conquanto as questões resolvidas pelo STF não
tenham tratado, especificamente, dos ocupantes de cargos comissionados, não
restam dúvidas que as características dos cartorários e notariais se assemelham
a eles, quais sejam: não são titulares de cargo efetivo e são regidos pelo
Regime Próprio de Previdência Social – RPPS. Presta-se essa comparação para
aduzir que o instituto da aposentadoria compulsória não afeta os servidores
comissionados.
No entanto, no recente julgamento do RE 786.540, em
15.12.16, com publicação no DJe de 01.02.2017, o STF confirmou a tese de que o
limite de idade, previsto no art. 40, § 1.º, inciso II, da Constituição
Federal, não se aplica aos ocupantes de cargos comissionados.
Ao final desse julgamento, prevaleceu a seguinte tese a
respeito do assunto aqui em destaque:
“I – Os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em
comissão não se submetem à regra da aposentadoria compulsória prevista no art.
40, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, a qual atinge apenas os ocupantes
de cargo de provimento efetivo, inexistindo, também, qualquer idade limite para
fins de nomeação a cargo em comissão. II – Ressalvados impedimentos de ordem
infraconstitucional, inexiste óbice constitucional a que o servidor efetivo
aposentado compulsoriamente permaneça no cargo comissionado que já desempenhava
ou a que seja nomeado em outro cargo de livre nomeação e exoneração, uma vez
que não se trata de continuidade ou criação de vínculo efetivo com a
Administração”.
Resta, ainda, uma questão a ser assinalada. Fez-se acima o
registro de que, exceto o texto original da Constituição Federal de 1988, todas
as demais Constituições, ao disporem sobre o limite de idade para a aposentadoria
compulsória, fazem referência expressa a servidores efetivos.
Pois bem. O texto original da Constituição Federal de 1988
traz, no art. 40, inciso II, o seguinte: “Art. 40. O servidor será aposentado:
(…); II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos
proporcionais ao tempo de serviço”. É de se observar que o constituinte
originário especificou no caput do art. 40 o servido sob a perspectiva de
gênero e não, de espécie. Conforme aqui já visto, o gênero servidores públicos
contém várias espécies: servidores efetivos, servidores comissionados,
servidores celetistas etc.
Em função disso, entendia-se que, na vigência do texto
original da Constituição de 1988, o instituto da aposentadoria compulsória
também poderia ser aplicado aos ocupantes de cargos comissionados. É que o §
2.º do art. 40 do texto original da Constituição Federal de 1988 remetia a
disciplina das aposentadorias dos cargos temporários para a legislação
infraconstitucional. Essa possibilidade de controvérsia foi solucionada com a
entrada em vigor da Emenda Constitucional n.º 20/98, que alterou
significativamente o caput do art. 40 da Constituição Federal.
Conclusão
A aposentadoria compulsória de servidores públicos é um
instituto que, desde 1934, é de matriz constitucional. Durante esse período,
houve oscilação quanto ao limite de idade para a sua incidência, iniciando com
68, na Constituição de 1934, passando para 70, na Constituição de 1946 e,
finalmente, alcançando 75, na Constituição de 1988, com a edição da Emenda
Constitucional n.º 88/15.
Com exceção da Constituição de 1988, em seu texto original,
todas as demais, a partir de 1934, prescreviam que a aposentadoria compulsória
deveria ser aplicada aos servidores públicos efetivos. Contudo, com a edição da
Emenda Constitucional n.º 20/98, foi alterado o caput do art. 40 da
Constituição de 1988, especificando que a aposentadoria compulsória alcança os
servidores públicos efetivos.
Nesse passo, sendo certo que os ocupantes de cargos
comissionados, conquanto pertençam ao gênero servidores públicos, não integram
a espécie servidores públicos efetivos, mas sim, servidores comissionados. Em
função disso, a conclusão a que se chega é que os ocupantes de cargos
comissionados, embora servidores públicos, não estão sujeitos à aposentadoria
compulsória.
Philipe Benoni Melo e Silva - Mestrando em Políticas
Públicas pelo Uniceub. Especialista em Direito Público
Fonte: JOTA