BSPF - 20/03/2017
Abertamente, o governo defende o fim das indicações
políticas em estatais e nas agências reguladoras, mas, na prática, não é isso
que se vê. Enquanto o Projeto de Lei nº 6.621/2016, que prevê autonomia e
nomeações por meritocracia nos órgãos reguladores, aguarda a formação de
comissão na Câmara dos Deputados para analisada, a interferência política segue
livre, leve e solta. Não por acaso, casos como os dos fiscais do Ministério da
Agricultura, que liberaram a comercialização de carne podre em troca de
propina, estarrecem o país.
Na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a
intervenção direta do presidente Juarez Quadros modificou um processo seletivo
em curso para preencher o cargo de gerente regional no Ceará. Os critérios para
preenchimento do cargo foram determinados no Edital de Convocação nº 10, de
fevereiro de 2017, que previa, na segunda etapa, a seleção de 10 aprovados, dos
quais sairiam três. Na terceira etapa, apenas os três finalistas seriam
submetidos à avaliação dos superintendentes, que escolheriam um nome a ser
confirmado pelo conselho diretor da Anatel.
Entretanto, um e-mail de Juarez Quadros, enviado na
terça-feira passada para o superintendente de Administração e Finanças, Moisés
Gonçalves, com cópia para o superintendente de Fiscalização, Juliano Stanzani,
interveio no processo seletivo. Quadros determinou que os 10 aprovados fossem
submetidos à avaliação da diretoria. Funcionários da Anatel lamentaram o
ocorrido.
O Correio teve acesso à correspondência assinada por
Quadros, que diz: “A Portaria nº 88/2017 estabeleceu critérios de meritocracia
e isonomia para definir os representantes da Agência nas unidades da Federação
dentre seus servidores. Nesse sentido, considerando os princípios que regem a
Administração Pública, dentre eles a razoabilidade e publicidade, solicito
convocar para a terceira etapa do respectivo processo seletivo a lista de todos
os candidatos aprovados na segunda etapa do certame, conforme Edital de
Convocação nº 10, de 1º de fevereiro de 2017. Ademais, solicito que os
superintendentes submetam ao conselho diretor a avaliação desses mesmos
candidatos.”
Ao pedir explicações para a Anatel, o Correio obteve a
seguinte resposta da assessoria: “Infelizmente não vamos poder responder por
conta de agenda”. Porém, o informe do qual constava o e-mail na íntegra, que
era público, foi retirado do ar ou tornado privado.
Nos bastidores, o comentário é de que a motivação para a
intervenção indevida seria convocar um apadrinhado do presidente do Senado,
Eunício Oliveira (PMDB-CE), Gilberto Studart Gurgel Neto, funcionário de
carreira da Anatel, que ficou entre os 10, mas não passou na seleção para os
três finalistas. Eunício já indicou o próprio genro para a Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac) e foi atendido.
Eunício Oliveira
A assessoria do senador disse que ele conhece Gilberto
“socialmente, mas que não o indicou e não pediu que o indicassem para qualquer
função na Anatel”. Eunício, segundo nota da assessoria, “não conversou com o
senhor Juarez Quadros sobre nenhum processo seletivo interno da agência para o
Ceará ou qualquer outro estado ou região. Qualquer coisa diferente disso é
especulação”.
O Correio tentou localizar Gilberto na regional do Ceará,
porém o telefone que consta no site da agência não funciona. A assessoria da
Anatel se negou a fornecer o contato do servidor e também o da regional. Pelo
serviço de informações 1331, o prazo é de cinco dias para obter a informação.
Repúdio
A Associação Nacional dos Servidores Efetivos em Agências
Reguladoras Federais (Aner) impetrou recurso administrativo contra a decisão do
presidente da Anatel. “Nós estranhamos a interferência, sobretudo neste momento
em que os órgãos deveriam estar blindados a indicações”, afirmou o presidente
da Aner, Thiago Botelho.
Pelo edital, o prazo para avaliação dos três finalistas
terminou em 14 de março. “Como o cronograma não foi alterado, no papel, o
processo seletivo já era, porque perderam o prazo. O correto seria a entrevista
dos três aprovados com os superintendentes, que indicariam um nome para a
diretoria. Agora, a nomeação ficou pela vontade do conselho”, lamentou Botelho.
Gilmar Mendes
O presidente da Aner também criticou a indicação, nesta
semana, de Franscisval Dias Mendes para a diretoria da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq). Francisval é primo do ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
Gilmar Mendes. “Ele não tem currículo. O mais perto que chegou do setor foi
numa passagem pela agência estadual de Mato Grosso”, comentou Botelho.
Questionado, Gilmar Mendes disse ter “uns 70 primos”.
Por Simone Kafruni
Fonte: Blog do Vicente