BSPF - 13/05/2017
No atual contexto brasileiro, de crise política,
institucional, orçamentária e de ameaças a direitos trabalhistas e
previdenciários, ganha relevância a discussão acerca das medidas de contenção e
economia autorizadas pela Constituição Federal e pela Lei Complementar 101/2000
(Lei de Responsabilidade Fiscal) no que se refere aos servidores públicos.
Deve-se ressaltar que o não pagamento de salário ou o
descumprimento da obrigação de revisão geral anual da remuneração dos
servidores públicos não estão entre as medidas autorizadas pelo ordenamento
jurídico. Todavia, é relativamente comum a Administração Pública incorrer em
algum desses equívocos sob a escusa de que supostamente estaria respaldada pela
Lei de Responsabilidade Fiscal. Ledo engano.
A revisão geral anual, consagrada no inciso X do artigo 37
da Constituição da República, é o direito garantido a todos os servidores
públicos de terem protegida sua remuneração mediante a reposição do valor da
moeda, a fim de que seja preservado o vencimento básico fixado com base em
outros padrões monetários.
Embora prevista desde a redação originária da Carta Política
de 1988, somente com o advento da Emenda Constitucional 19, de 1998, é que foi
garantida a periodicidade anual da revisão geral, sempre na mesma data e sem
distinção de índices.
É preciso ficar claro que a revisão geral anual, instituto
contemplado na parte final do inciso X do artigo 37, difere do reajuste de
remuneração e subsídio previsto na primeira parte do mesmo dispositivo
constitucional. No caso do reajuste, que somente poderá ser feito mediante
edição de lei específica e observada a iniciativa privativa em cada caso
(Executivo, Legislativo ou Judiciário), o que se busca é, efetivamente, um
aumento do padrão remuneratório, e não mera reposição das perdas
inflacionárias.
As diferenciações entre revisão geral e reajuste de
remuneração foram bem definidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.599/DF, mais precisamente delineadas nos
votos da ministra Cármen Lúcia e do ministro Carlos Ayres Britto, este tendo
salientado que “ou o instituto é da revisão, a implicar mera reposição do poder
aquisitivo da moeda (...) ou será reajuste – que eu tenho como sinônimo de
aumento”.
Essa distinção entre reajuste e revisão geral anual de
remuneração é fundamental para que seja desfeito o mito de que, em um cenário
de grave crise econômica e financeira, seria facultado à Administração Pública
deixar de pagar o vencimento básico dos servidores previsto em lei ou, ainda,
descumprir a obrigação constitucional de revisão geral.
Com efeito, quando se atinge o chamado limite prudencial de
gastos, deve haver a redução, em pelo menos 20%, das despesas com cargos em
comissão e funções de confiança, ou, ainda, a exoneração de servidores não
estáveis (artigo 169, parágrafo 3º, da Constituição Federal). Somente se tais
medidas não forem suficientes para respeitar o limite de gastos, o servidor
estável poderá perder o cargo, desde que respeitadas as condições do artigo
169, parágrafo 4º, da Constituição. Ou seja, ainda que se chegue ao extremo da
perda de cargo de servidor estável, não há previsão alguma de não pagamento de
remuneração.
Outrossim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 22,
parágrafo único) elenca uma série de vedações que devem ser observadas por cada
órgão ou Poder quando o limite prudencial de gastos é atingido, dentre as quais
se encontram, por exemplo, a concessão de reajuste de remuneração, criação de
cargo, emprego ou função, ou, ainda, alteração de estrutura de carreira que
implique aumento de despesa, bem como o provimento de cargos.
Todavia, como não poderia deixar de ser, nem a Constituição
Federal, tampouco a Lei de Responsabilidade Fiscal autorizam a Administração a
deixar de pagar a remuneração de seus servidores. Se assim fosse, em um cenário
de dificuldades econômicas, bastaria o administrador invocar essa justificativa
para descumprir o pagamento de uma remuneração prevista em lei.
No que tange à revisão geral anual, merece realce a
disposição do inciso I do parágrafo único do artigo 22 da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Esse comando legal, ao passo em que veda a concessão
de reajuste (aumento) remuneratório durante o período de contenção, garante
expressamente a manutenção do direito ao instituto jurídico da revisão. Nesse
aspecto, agiu bem o legislador pois, conforme mencionado, a revisão destina-se
apenas à reposição das perdas inflacionárias de determinado período, e não a um
aumento do padrão remuneratório propriamente dito.
Por óbvio, não seria lógico, tampouco prudente, conceder
qualquer tipo de vantagem ou aumento de remuneração a servidores de determinado
órgão ou Poder quando a Administração atinge o limite prudencial de gastos.
Porém, a simples reposição do poder aquisitivo da moeda não encontra vedação
alguma na Lei de Responsabilidade Fiscal — ao contrário, a permissão é expressa
— a fim de evitar a corrosão indevida da remuneração em virtude da inflação.
Portanto, conclui-se que não subsiste razão para se supor
que a Lei de Responsabilidade Fiscal autorizaria o não pagamento da remuneração
dos servidores públicos ou a inobservância do dever constitucional de revisão
geral anual, de sorte que a norma elenca outras providências a serem observadas
pela Administração.
Rudi Cassel é advogado em Brasília, sócio de Cassel & Ruzzarin Advogados, especializado em Direito do Servidor e Direito dos Concursos Públicos.
Rudi Cassel é advogado em Brasília, sócio de Cassel & Ruzzarin Advogados, especializado em Direito do Servidor e Direito dos Concursos Públicos.
Fonte: Consultor Jurídico