BSPF - 22/07/2017
Em tempos de restrição orçamentária, estabilidade do
servidor público volta ao centro do debate sobre reformas. Flexibilização é
vista como alternativa para aumentar a eficiência dos serviços estatais
No começo do ano, ao menos 231 servidores públicos
concursados, em estágio probatório, da prefeitura de Americana, no interior de
São Paulo, receberam notificações com um aviso de demissão. Em estado de
calamidade financeira, a administração justificou a medida por estar acima do
limite da Lei de Responsabilidade Fiscal para gastos com a folha de pagamentos.
Ainda que prevista em lei, a situação é inusitada. Demissões de funcionários
públicos são quase impossíveis no Brasil, pois costumam esbarrar na rigidez da
legislação, como mostra o próprio caso de Americana, cujo processo foi
judicializado, com idas e vindas de liminares contra e a favor – em junho, o
Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou as dispensas.
Diante da grave crise fiscal atual, o tema volta ao debate,
com sugestões de que se reavalie os critérios de estabilidade do emprego no
setor público. Atualmente, a regra compreende todos os servidores que passaram
em concurso público e que completaram ao menos três anos de trabalho, o chamado
estágio probatório. A Constituição Federal estabelece que apenas três motivos
podem gerar o desligamento de um funcionário: sentença judicial que não cabe
mais recurso, processo administrativo e insuficiência de desempenho, verificada
por avaliação periódica.
Funcionários de estatais que passaram em concurso não têm o
mesmo direito, mas possuem segurança. Eles ficam submetidos ao regime
estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas não podem ser
dispensados sem justa causa, exigindo que o chefe apresente as motivações.
Números da administração federal indicam como os casos são raros. Em 2016, 445
concursados foram dispensados no âmbito federal, segundo o Ministério da
Transparência. Trata-se de menos de 1% do contingente total.
Desse grupo, apenas 2,7% foram demitidos por conta de
serviço mal feito. O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou no mesmo ano um
levantamento em 352 organizações federais para entender como estava a gestão de
pessoal. O resultado foi preocupante. A auditoria afirmou que na maioria das
organizações avaliadas “há deficiências significativas”, reduzindo a capacidade
da administração pública de “gerar resultados e benefícios para a sociedade”. “A
estabilidade cria um incentivo que não estimula o esforço e a produtividade”,
diz Vladimir Teles, vice-diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas (EESP/FGV).
A ideia é contestada pelos funcionários do governo, para
quem a estabilidade garante a atuação dos servidores na defesa dos interesses
públicos. “Se não tiver proteção, você não pode tomar medidas que contrariem
grandes interesses”, diz Jordan Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos
Funcionários do Banco Central (Sinal). “Já existem ferramentas para exigir
maior produtividade dos funcionários.” Além da qualidade do serviço prestado, a
estabilidade se torna um problema quando há restrição orçamentária, como
ocorreu em Americana e, mais gravemente, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do
Sul.
Apesar de não ser um dos maiores contingentes do mundo (ver
quadro ao final da reportagem), com um total de 8,9 milhões de pessoas nos três
níveis de governo em 2015, os funcionários estatais pesam nas contas públicas
brasileiras. O gasto anual com o funcionalismo totalizou R$ 416 bilhões em
2015, com aumento médio de 6,14% desde 1999. “Por se tratar de uma despesa
obrigatória, seu crescimento cria restrições para sua alocação em outros tipos
de despesa, como investimentos”, afirma Miguel Orrillo, pesquisador da
Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (DAPP).
Vale ressaltar que a estabilidade explica apenas parte do
peso da folha salarial nos orçamentos públicos. Há dois outros fatores por trás
do crescimento dos gastos. A primeira é a Previdência. Funcionários públicos
possuem um regime especial, que confere aos aposentados os mesmos ganhos
recebidos por aqueles que estão na ativa. A segunda questão é o pacto
federativo atual, que transfere aos Estados e municípios responsabilidades,
independente das receitas disponíveis para tal.
O número de funcionários nas cidades cresceu 163% entre 1998
e 2015, para 4,9 milhões de pessoas, superando a variação vista nos estados
(24%) e no governo federal (25%). “A prestação de serviços é muito ampla no
Brasil”, diz Claudio Hamilton Santos, pesquisador do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea). Um projeto de lei apresentado neste ano busca lidar
com essa situação. Elaborado pela senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), ele
prevê que servidores terão seu desempenho avaliado semestralmente e, caso
tenham nota abaixo de 30% da pontuação máxima por quatro avaliações
consecutivas, serão exonerados.
Também perderá o cargo quem tiver desempenho inferior a 50%
em cinco das últimas dez avaliações. A proposta pode ajudar a melhorar o
serviço oferecido. “Permitir a demissão de funcionários públicos ajudaria nas
contas públicas, mas não resolveria o problema fiscal”, diz Bernard Appy,
diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). “É muito mais uma questão de
gestão dos serviços prestados.” Uma racionalização de gastos que também seria
muito bem-vinda.