BSPF - 30/07/2017
O novo regime fiscal, nos termos propostos, caracterizado
pela transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, poderá levar à
falência do Estado no provimento de bens, programas sociais e na prestação de
serviços, como podemos constar a partir da análise da Emenda Constitucional
(EC), que o instituiu.
A Emenda à Constituição (EC) 95/16, que institui o novo
regime fiscal com crescimento real zero da despesa não financeira por 20 anos,
determina que o ajuste nas contas públicas será feito apenas pelo lado da
despesa. Eventual aumento de receita não poderá ser gasto com despesa primária
ou corrente, devendo ser integralmente destinado à redução do déficit ou à
criação de superávit primário.
Isto significa que se o País voltar a crescer e as receitas
de tributos aumentarem, o governo não poderá utilizar esses novos recursos em
favor da população, por intermédio da ampliação ou melhoria dos serviços
públicos, já que só poderão ser usados para reduzir déficit orçamentário ou
para gerar superávit primário, destinados ao pagamento de juros e à amortização
da dívida pública.
Como o congelamento foi feito em ano de queda no PIB, queda
da receita e aumento do desemprego e da recessão (2016), é praticamente impossível
mantê-lo sem corte de direitos e nos investimentos, sem desativação de serviços
públicos e sem calote sobre aqueles com direito acumulado ou expectativa de
direito prestes a se materializar, como os milhões de segurados da Previdência
que faltam poucos anos ou até meses para preencher os requisitos para fazer ao
benefício.
Além disso, o novo regime fiscal, nos termos propostos,
caracterizado pela transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos,
poderá levar à falência do Estado no provimento de bens, programas sociais e na
prestação de serviços, como podemos constar a partir da análise da Emenda
Constitucional (EC), que o instituiu.
Não há dúvida de que o alvo principal, além da potencial
paralisia da máquina e dos serviços públicos, são os servidores públicos,
porque o poder ou órgão que ultrapassar ou descumprir o limite individual, de
acordo com o artigo 109 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição,
instituído pela referida EC, ficará impedido, sem prejuízo de outras medidas, até
que retorne ao limite, de promover a:
I - concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento,
reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de
servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença
judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos
anteriores à entrada em vigor desta Emenda Constitucional;
II - criação de cargo, emprego ou função que implique
aumento de despesa;
III - alteração de estrutura de carreira que implique
aumento de despesa;
IV - admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título,
ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem
aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou
vitalícios;
V - realização de concurso público, exceto para as
reposições de vacâncias previstas no inciso IV;
VI - criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus,
abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de
membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de
servidores e empregados públicos e militares;
VII - criação de despesa obrigatória; e
VIII - adoção de medida que implique reajuste de despesa
obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder
aquisitivo referida no inciso IV do caput do artigo 7º da Constituição Federal.
No caso do Poder Executivo, além das restrições acima, fica
vedada, entre outras iniciativas, a concessão da revisão geral prevista no
inciso X do caput do artigo 37 da Constituição Federal. Ou seja, havendo
descumprimento do limite – e isso será inexorável porque só o crescimento
vegetativo da despesa será maior que a inflação – não haverá reajuste ou
reposição salarial, exceto para a situações já autorizadas em lei antes da
promulgação da EC 95/16.
De fato, segundo o texto da EC 95, só estão fora do congelamento
ou dos limites individuais com base no orçamento do ano anterior, corrigido
pelo IPCA, as seguintes situações:
1) as transferências constitucionais a estados, municípios e
DF;
2) despesas decorrentes de créditos extraordinários, de
aumento de capital de estatais não dependentes e despesas com a realização de
eleições;
3) despesas com ações e serviços públicos de saúde e gastos
com manutenção e desenvolvimento do ensino, para os quais foram fixados valores
mínimos; e
4) reajuste do salário mínimo acima da inflação, permitido
apenas o reajuste para preservar-lhe o poder aquisitivo.
Essa Emenda à Constituição, como se vê, é desastrosa. Ela
poderá colocar em risco a paz social no País, especialmente porque forçará o
corte de direitos e o desmonte dos serviços públicos e do Estado de Bem-Estar
social previsto na Constituição, e cuja implementação ainda não está completa.
E o que é mais grave: a economia decorrente desse desmonte dos direitos e dos
serviços públicos será destinada aos mais ricos: aos credores de título da
dívida pública.
O novo regime fiscal e a reforma trabalhista são a
demonstração cabal de que as políticas governamentais estão priorizando mais o
capital do que o trabalho, na medida em que escolheu como variável de ajuste os
que dependem de salário, de serviços públicos ou de prestação do Estado,
ampliando a desigualdade, de um lado, e favorecendo os que vivem de renda ou os
detentores de títulos da dívida pública, de outro.
Por isso a tarefa imediata dos cidadãos, dos trabalhadores e
dos contribuintes, é denunciar a perversidade dessa medida e cobrar dos seus
representantes eleitos a sua revogação ou flexibilização. Seu objetivo final é,
em nome de combate ao déficit público, entregar ao mercado a previdência
pública e outros serviços lucrativos, atualmente prestados pelo Estado. Ou o
Congresso flexibiliza, reduz a vigência ou revoga essa EC ou ela acabará
provocando uma rebelião popular por incapacidade do Estado de atender às
demandas da população por serviços públicos.
Antônio Augusto de Queiroz: Jornalista, analista político e
diretor de Documentação do Diap
Fonte: Agência DIAP