Correio Braziliense
- 02/10/2017
O governo federal anunciou as novas metas fiscais para a
adequação dos gastos públicos à situação fiscal do país, dentre as quais está a
postergação, por 12 meses, dos reajustes concedidos para algumas carreiras de
servidores federais. Diante disso, é relevante a discussão acerca da legalidade
do anunciado adiamento dos reajustes salariais em função das limitações
trazidas pela Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, a qual instituiu o chamado
"Novo Regime Fiscal". A EC nº 95 limitou o aumento dos gastos
públicos à inflação acumulada no ano anterior, calculada pelo Índice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou por outro índice que venha a substituí-lo.
O limite se refere às despesas totais. Dessa forma, desde que mantidos os
demais gastos no mesmo patamar de crescimento, não há qualquer violação ao teto
de aumento de despesas estipulado a partir do "Novo Regime Fiscal" em
decorrência da concessão de reajustes previstos aos servidores públicos.
É preciso ficar claro que os reajustes concedidos foram
definidos por lei, cujo projeto previu que seus impactos financeiros fossem
incorporados nas respectivas leis orçamentárias de cada exercício.
Embora ainda
não se tenha efetuado o pagamento, pois essa majoração remuneratória está
prevista para ocorrer gradualmente, tal se incorporou ao patrimônio dos
servidores. Por isso, essa alteração salarial configura um direito adquirido,
instituto que está atrelado ao princípio da segurança jurídica, os quais são de
observância obrigatória por todos os atos do Poder Público. O direito adquirido
ganha contornos de garantia fundamental do indivíduo. Com isso, por se tratar
de cláusula pétrea, nenhuma outra espécie normativa pode violá-lo, ainda que
seja uma Emenda à Constituição.
Outro aspecto que deve ser observado é que, para a gestão
dos recursos orçamentários, é necessária uma análise concomitante da
Constituição da República e da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade
Fiscal). A LRF prevê que, se a despesa total com o pessoal ultrapassar os
limites previstos na Lei, devem ser observadas conjuntamente as medidas de
contenção de gastos trazidas pelo artigo 22 da norma, e as disposições do
artigo 169 da Constituição, as quais devem ser aplicadas na ordem de
preferência, conforme veiculadas pelo ordenamento.
Mas, em nenhuma
hipótese pode-se violar direito adquirido. Portanto, quando a LRF prevê a
impossibilidade de concessão de novos reajustes como uma das medidas de
contenção, refere-se a projeções de gastos que não integram o patrimônio dos
servidores, ou seja, aumentos que ainda não foram aprovados pelo Legislativo,
pois a LRF prevê a impossibilidade de concessão de novos reajustes, mas sem
ferir os concedidos. Além disso, é necessário ressaltar que, se o limite ao
aumento de gastos for desrespeitado, poderá ser proibida a "concessão de
qualquer vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de
Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares",
excetuado o que for resultante de determinação legal decorrente de atos
anteriores à entrada em vigor da EC nº 95/2016, conforme a redação do artigo
109 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Mas, para os
reajustes concedidos no mesmo exercício financeiro da entrada em vigor da EC nº
95/2016, torna-se irrelevante o fato de as leis terem sido aprovadas em data
posterior ao início da sua vigência.
Vale dizer, os efeitos da Emenda somente
poderiam impedir que se finalizassem os processos legislativos que tratassem de
reajustes, pois integram o cenário de "estimativa de impacto
orçamentáriofinanceiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois
subsequentes", de acordo com a LRF. Assim, uma vez que as propostas de
reajustes tenham se tornado lei formal, impõe-se a integralidade do seu
pagamento, sob pena de se violar o princípio da irredutibilidade salarial,
mesmo diante da EC nº 95/2016. Em caso semelhante, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu o direito adquirido a reajuste concedido por lei estadual. No
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.013, reconheceu a
violação a direito adquirido por meio de nova lei que revogava o aumento
salarial previsto em lei vigente, porém, com previsão de pagamento em exercício
orçamentário posterior.
Portanto, não é possível, por força das limitações trazidas
pela EC nº 95/2016, o adiamento do reajuste salarial, pois violará o direito
adquirido dos servidores decorrentes das leis já aprovadas e vigentes, bem como
a segurança jurídica. O momento é mesmo delicado e pode exigir medidas
impopulares, mas isso não significa que, mais uma vez, o bolso do trabalhador
deve ser ilegalmente sacrificado para pagar a conta!