Valor Econômico
- 24/11/2017
O governo envia ao Congresso ainda este ano um projeto de
lei com a nova política de pessoal do setor público federal, que reduzirá o
salário de ingresso do servidor para os padrões do setor privado. Isso significa
que o salário de ingresso para nível superior da carreira de gestor (uma das
250 carreiras do Executivo), que abarca Banco Central e Tesouro Nacional, por
exemplo, cairá dos atuais R$ 16.933,00 para R$ 5 mil, que é o salário inicial
de um professor universitário (para quem nada muda). Nos concursos de nível
médio o salário será de no máximo R$ 2.800,00. A medida, quando aprovada, se
aplicará aos novos funcionários.
A proposta é de "modernização da gestão de
pessoas" e está sendo preparada pelo Ministério do Planejamento com vários
objetivos: reduzir o ritmo de crescimento da folha de salários da União em
cerca de R$ 69,8 bilhões em 10 anos e em R$ 294 bilhões em 20 anos, como parte
relevante do ajuste fiscal; reduzir a desigualdade gritante entre os
vencimentos do setor público e o seu equivalente no setor privado; ampliar os
níveis de progressão dos funcionários federais e introduzir mecanismos de
avaliação de desempenho, dentre outros.
Hoje o servidor que
entra na administração pública federal com salário de quase R$ 17 mil por mês
chegará ao topo da carreira em 13 anos, ganhará R$ 24.148,00 e não terá mais
estímulo para melhorar o seu desempenho. Com a redução do salário de entrada,
serão 30 os níveis de progressão e a promoção ocorrerá por mérito. Governo vai
cortar os salários iniciais e ampliar a progressão A folha de pagamento da
União é a segunda maior despesa obrigatória do orçamento, responsável por 12,6%
do gasto total.
A primeira é a previdência social, que responde por 57,1% da
despesa. Os gastos com pessoal será, portanto, também a segunda iniciativa a
ser enfrentada para viabilizar o cumprimento do testo do gasto. A expectativa
da área econômica é de que tão logo seja votada a PEC da Previdência Social, o
governo encaminhe esse projeto de lei ao Congresso.
Entre 2010 e 2015 a folha da União teve crescimento real de
7,4%. Nos Estados a expansão real foi de 20,2% e nos municípios, de 27,3% em
igual período. O projeto pretende mudar a política de pessoal apenas do poder
Executivo Federal. Espera-se, contudo, que o Legislativo e o Judiciário,
poderes independentes onde os vencimentos são bem mais elevados, tenham
iniciativas semelhantes, assim como os governos estaduais.
Para o assessor especial do Planejamento, Arnaldo Lima, que
está envolvido diretamente nesse trabalho, a carreira pública continuará sendo
atrativa mesmo com a redução do salário inicial. Isso porque na estrutura da
renda no Brasil os trabalhadores que ganham R$ 4,9 mil por mês estão entre os
10% mais ricos. No governo, eles terão ainda estabilidade no emprego e jornada
de 40 horas semanais, com quatro horas a menos de trabalho semanal do que no
setor privado.
Recebem, além disso, uma série de benefícios que
representaram gastos de R$ 16,6 bilhões no ano passado, com o pagamento de seis
tipos de auxílios - alimentação, creche, transportes, funeral, moradia,
natalidade - além de um regime próprio de previdência, assistência médica e
odontológica, diárias e ajuda de custos. Desses, R$ 12,9 bilhões foram para os
funcionários federais e os R$ 3,7 bilhões restantes distribuidos entre o
Legislativo, Judiciário e Ministério Público da União. Nos próximos dez anos
cerca de 39% da força de trabalho do setor público federal se aposenta. Os
servidores que ingressarem pelo novo regime vão custar aos cofres da União até
70% menos do que os atuais. Os dados comparativos entre setor publico e privado
não capturam os bônus eventualmente recebidos por trabalhadores da iniciativa
privada nem os planos de previdência e outros benefícios pagos ao funcionalismo
público. As medidas propostas no projeto de lei parecem severas.
Estudo feito pelo Banco Mundial, a pedido do ex-ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, e divulgado na quarta feira, mostra, no entanto, que há
um prêmio salarial de 67% no setor publico federal e de 31% nos Estados, em
relação aos salários pagos no setor privado, considerando o nivel de
escolaridade. Nos municípios não há prêmios. Essa é uma diferença recorde se
comparada com 53 países da amostra da instituição onde esse prêmio existe e é,
em média, de 16%. O estudo cita casos que dão a dimensão da diferença entre os
trabalhadores do setor privado e público.
Exemplo: um advogado recém formado recebe salário de R$
3.100,00 no setor privado. O mesmo recém formado entrará na Procuradoria Geral
da Fazenda com salário inicial de R$ 18.283,00. Se conseguir emprego no
Legislativo ou no Judiciário, começará a vida profissional ganhando cerca de R$
30 mil. O teto da remuneração no governo federal, nem sempre respeitado, é de
R$ 33.763,00, que é o salário pago ao ministro do Supremo Tribunal Federal.
Dados da PNAD de 2015 indicam que 77% dos funcionários públicos federais estão
entre os 40% mais ricos do país e 54% desses servidores são parte do quintil
superior da distribuição da renda.
"Os altos salários do servidor público constituem uma
forma de redistribuição de renda dos mais pobres e da classe média em favor dos
mas ricos", diz o texto do Banco Mundial. Afinal, salienta a instituição,
os servidores são pagos com o dinheiro dos impostos cobrados da sociedade que,
por sua vez, também são regressivos. Ou seja, penalizam os mais pobres com
excessiva tributação indireta. Sem restrições políticas ou político-eleitorais
para fazer sugestões, os técnicos do Banco Mundial estimaram que o congelamento
dos salários nominais dos servidores reduziria o prêmio de 67% hoje para 16% em
2024.
A correção dos salários pela inflação faria essa redução de
forma bem mais lenta, chegando a 39% em 2029. O documento sugere, ainda, que a
redução dos salários iniciais dos servidores públicos - tal como o governo
havia anunciado que faria - deve ser acompanhada de flexibilidades para poder
pagar ao funcionário com base no desempenho de suas funções ao longo da
carreira e na experiência acumulada.
Por Claudia Safatle
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às
sextas-feiras