BSPF - 26/01/2018
So•fis•ma[1]: argumento deliberadamente enganoso, com
aparência de verdadeiro, com o objetivo de enganar alguém.
De•ma•go•gi•a[2]: ação política que tenta obter o poder
explorando as paixões das massas, baseando-se na sua limitada capacidade de
análise crítica, e fazendo promessas vãs.
Discursos fáceis, truísmos e chavões de todo tipo ocupam o
debate público brasileiro justamente no momento em que ele deveria ser o mais
qualificado possível. Parece um paradoxo: quanto mais grave e complexo o
problema, mais vazia e simplória a solução. Exemplo: serviço público no Brasil
é ruim; solução: demitir servidores públicos ineficientes.
Políticos demagogos culpam a estabilidade pela baixa
qualidade do serviço público que oferecem a seus eleitores. Sofisma: servidores
estáveis tornam-se servidores desinteressados e oferecem serviço público ruim.
Demagogia: acabar com a estabilidade motiva os servidores, que oferecerão um
bom serviço público. Desempregado e sem esperança, o trabalhador-cidadão vê
justiça na demagogia: “se eu posso ser demitido, por que um servidor não
pode?”.
Existem motivos que justificam a estabilidade. As relações
de trabalho no ambiente privado são muito diferentes. Se a firma quebra ou dá
prejuízo, o patrão perde seu lucro, e o trabalhador pode ficar sem salário; sem
lucro, não há salário. O patrão não pode usar do “amiguismo” para escolher seus
gerentes, sob risco de quebrar a empresa e perder o amigo. O gerente deve ser
eficiente e gerar resultados, pois, assim, ganha mais e consagra seu nome.
Se patrão e gerente cometem atos ilícitos e coagem seus
funcionários à cumplicidade, todos vão à 1ª instância. Fato relevante: eles
lidam com dinheiro privado e compartilham, conjunta e isoladamente, os riscos
do seu mau uso, lícito ou ilícito.
No serviço público, “patrão” (doravante ministro) e
servidores muitas vezes não perseguem o mesmo objetivo. Um ministro que visa ao
seu ganho eleitoral pode usar do apadrinhamento para escolher seus gerentes,
sob risco de não honrar os favores e a lealdade que deve a seus próprios
padrinhos. Seus gerentes devem produzir resultados para o ministro, pois,
assim, caem em suas graças.
Se esse ministro pratica ilicitudes e consegue coagir
servidores à cumplicidade, esses servidores vão à 1ª instância, e o ministro
permanece blindado em seu foro privilegiado. Fato relevante: esses personagens
lidam com dinheiro público, ainda que alguns ministros não o entendam como tal,
haja vista a avalanche de desvios de verbas públicas para caixa 2 de campanhas,
superfaturamento de obras, malas de dinheiro para todo lado, joias, mansões,
etc. Há exceções; existem ministros e comissionados que ganham projeção
eleitoral por honradamente cumprirem seu papel com a nação, e não pelo
clientelismo que assola nosso país.
Vale lembrar que, a cada 4 anos, novos governantes vêm
salvar a pátria de todo o mal causado pelo governo anterior, reinventando a
roda onde é possível. A existência de um quadro estável de servidores que
perpasse esses períodos de instabilidade é um dos instrumentos que a República
possui para zelar pela continuidade das políticas públicas. O servidor público
atua num rígido ambiente de regras e procedimentos erigidos para proteger o
patrimônio público e fortalecer as instituições. A estabilidade compõe esse
quadro de regras.
Precisamos entender que a estabilidade não existe para
privilegiar pessoas que passam em concurso público. Ela existe fundamentalmente
para estabilizar a prestação continuada dos serviços públicos,
independentemente de partido político e governo, além de resguardar servidores
públicos contra assédios. É claro que existem servidores desmotivados e
improdutivos, mas a generalização é uma nuvem de fumaça para esconder o
verdadeiro problema.
A classe política que fala em meritocracia, desempenho e produtividade
é a mesma que age em benefício próprio e governa muito mal o país. Então, a
quem interessa um servidor público instável, sujeito a assédios e chantagens? A
qualidade do serviço público no Brasil precisa melhorar muito, sem dúvidas! O
fim da estabilidade no serviço público com essa finalidade é apenas um sofisma
na boca dos demagogos.
Por Rafael Leão
Rafael Leão é especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, graduado e mestre em economia pela UnB.
[1] Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa
(http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/sofisma/).
[2] Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa (http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/demagogia/).
Fonte: Congresso em Foco