Congresso em Foco
- 24/02/2018
Na esteira da intervenção federal no Rio de Janeiro e da
alta dos índices de violência em todo o país, a decisão do presidente Michel
Temer de criar um novo Ministério da Segurança Pública, desmembrando
atribuições da pasta da Justiça, divide as categorias da Polícia Federal. Isso
porque um dos pontos do plano de Temer é a migração da PF para a nova pasta. Na
prática, a medida não altera a atuação da polícia. As críticas são direcionadas
à volatilidade do governo federal na área de segurança.
Presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais
(Fenapef), entidade que representa mais de 14 mil agentes, Luís Antônio Boudens
ressaltou que a criação de um novo ministério poderia ser bem vista por todos,
não fosse o contexto de crise “política, econômica e na segurança pública”
vivido pelos brasileiros. Isso porque, em sua opinião, sem discussões profundas
acerca de uma política nacional de segurança, a medida pode acabar soando como
mera politicagem.
“A criação nós vemos com bons olhos. O que inspira cuidados
é o momento da criação, para não parecer mais uma medida politiqueira, de
afogadilho, sem discussões profundas sobre o modelo de investigação, a
estrutura de polícia. Isso tudo vai precisar ser discutido dentro de uma
política nacional de segurança pública. Segurança pública também tem que ser
uma política de fronteira, que traga a integração da Polícia Federal e da
Polícia Rodoviária Federal com os estados, com as políticas estaduais, tanto na
área operacional quanto na área de inteligência. A criação de um ministério por
si só gera e inspira otimismo nos policiais federais, mas tem que ser cercada
dessas outras questões para que realmente funcione e dê resultados positivos”,
avaliou.
Na quinta-feira (22), a Fenapef encaminhou um ofício ao
presidente Michel Temer sugerindo um nome para o novo Ministério da Segurança
Pública: Ricardo Balestreri, ex-secretário nacional de Segurança Pública do
governo Lula e um dos idealizadores do Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania (Pronasci). Atualmente, ele é secretário de Assuntos Estratégicos
do governo de Marconi Perillo (PSDB), em Goiás. Ele era o secretário estadual
de Segurança Pública até semanas atrás.
Prejuízo para a PF
Já para o presidente da Associação Nacional dos Delegados de
Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, a vinculação da PF ao Ministério de
Segurança Pública poderá ser prejudicial para a categoria, que por vezes assume
as funções de um órgão de controle.
“Como disse recentemente o ministro da Justiça, a PF tem
funções diretamente ligadas ao sistema de Justiça criminal. A principal vocação
é investigar crimes, sobretudo os que envolvem o poder político e econômico.
Dessa forma, se torna um órgão de controle. Isso é mais amplo que segurança
pública, embora tenha importantes reflexos diretos na área. Logo, nos parece
que a vinculação da PF a um órgão de escopo mais restrito que as suas
atribuições seriam prejudiciais à instituição”, explicou ao Congresso em Foco.
O delegado avaliou que o governo federal faria melhor ao
anunciar a reposição dos cargos vagos na Polícia Federal, além de investimentos
na estrutura que já se encontra sucateada.
“Como se pode falar em criação de uma nova estrutura
administrativa, com todos os custos decorrentes, se a PF tem mais de 4.000
cargos vagos? Só de delegados são 628 cargos sem reposição, e não conseguimos
autorização para repor nem um quarto disso. A sociedade não sabe, mas a Polícia
Federal vem trabalhando e cumprindo com eficiência as suas atribuições legais
com o mesmo efetivo de 2007”, relatou.
Acúmulo de funções
O presidente da Fenapef, por sua vez, questionou o acúmulo
de funções do Ministério da Justiça, que tem setores que cuidam desde questões
indígenas até administração penitenciária, e criticou a atuação do ministro
Torquato Jardim à frente da pasta. Ele lembrou a primeira entrevista do
recém-empossado ministro, em maio de 2017, quando Torquato afirmou que sua
única experiência na área de segurança pública foi ter duas tias e ele próprio
assaltados, em Brasília e no Rio de Janeiro.
“Temos um otimismo em relação ao Ministério da Segurança
Pública por um motivo até simples e óbvio: o Ministério da Justiça acumula uma
quantidade enorme de pastas”, disse Boudens. “O presidente Michel Temer
recentemente acumulou a Justiça com a Segurança Pública, reformatou o
ministério, mas acabou não dando certo, e muito porque o próprio ministro da
Justiça, quando assumiu, deu uma declaração preocupante, dizendo que o máximo
que ele entendia de segurança pública foi porque a família dele foi assaltada.
É muito pouco para o que a gente precisa de reformulação da segurança pública,
que é dar uma resposta para a sociedade”, ressaltou.
Declaração de guerra
Luís Antônio Boudens disse ainda ter dúvidas quanto à
eficácia de uma intervenção federal nos índices de violência do Rio de Janeiro.
Para ele, além de uma ação com viés eleitoral claro, a presença das Forças
Armadas no estado é uma declaração de guerra, e está “longe de ser uma medida
para estabelecer a paz ou a justiça no Rio de Janeiro”.
“Não é só uma ação política. Quando você chama as Forças
Armadas, em tese você está declarando guerra porque o acionamento das Forças
Armadas, constitucionalmente, é para quando você tem questões de segurança
nacional envolvidas. Isso para nós está claro. Agora, se vai resolver o
problema, nós temos muitas dúvidas. Só temos a certeza de que, se essa
intervenção não vier aliada a outras mudanças profundas, principalmente na
polícia estadual do Rio, Militar e Civil, e se não valorizarem aqueles
profissionais que vão ficar depois das Forças Armadas saírem, vai voltar tudo
ao mesmo lugar, talvez com um caos até pior do que o que vemos hoje”, constatou
o presidente da Fenapef.
Já o delegado Edvandir Paiva destacou que a intervenção
federal não foi desencadeada pelas “imagens estarrecedoras da violência durante
o Carnaval”, mas são fruto de um “processo histórico de sucateamento e abandono
das forças de segurança pública”, não só no Rio de Janeiro, mas em todo o
Brasil. “Todos sabemos que quando a polícia tem que resolver os problemas, é
porque todas as demais áreas já falharam”, apontou.
O presidente da ADPF completou dizendo que “diante do dever
de casa negligenciado historicamente”, apenas a seriedade com que as ações da
intervenção serão executadas dirá se a medida tem um caráter político-eleitoral
ou não.
“Se for apenas o caso de colocar as tropas na rua para
passar a sensação de segurança e ir embora no dia 31 de dezembro, sem que as
causas dos problemas tenham sido atacadas de verdade e corajosamente, teremos
poucos resultados efetivos e um débito que recairá mais forte ainda sobre as
forças policiais”, finalizou ele.
Por Giselle Santos