Valor Econômico
- 20/02/2018
Brasília - Mesmo sem existirem mais, empresas e autarquias
extintas pelo governo federal, ao longo dos anos, assim como os ex-territórios,
continuam onerando os cofres públicos como se ainda estivessem em
funcionamento. Deixaram como herança para a União uma folha de pessoal com
quase 70 mil servidores, aposentados e pensionistas, que consome R$ 6,4 bilhões
por ano, além de 98 mil contratos sem prazo de validade definido. Para
administrar tudo isso, há uma estrutura específica no Ministério do
Planejamento, chamada de Departamento de Órgãos Extintos.
De 1990 a 2016, foram extintos 50 órgãos entre fundações e
autarquias da administração direta com ministérios, sem contar três campanhas
nacionais - contra tuberculose, de combate ao câncer e de saúde mental - que
deixaram de existir. "O governo tem umas coisas pitorescas. Você extingue
um órgão, mas ele não acaba", disse em entrevista ao Valor, o secretário
de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento, Augusto Akira Chiba.
"Não dá para mensurar [o impacto financeiro total], pois depende da
situação na hora da extinção", afirmou.
Dois casos emblemáticos são a extinção, há mais de uma
década, da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e da Fundação
Roquette Pinto. Mesmo não existindo mais, ainda dependem de recursos da União
para bancar os servidores públicos que têm estabilidade na função e para
atender a convênios com Estados e municípios sem prazo de vencimento.
No caso da folha de pessoal, a despesa vai se arrastar até
que seja paga a pensão do familiar do último servidor público dessas empresas.
Isso se deve ao fato de que, no passado, os concursos públicos eram muito
específicos, dificultando a alocação dos trabalhadores para outras áreas. Com
isso, o governo federal se viu obrigado a pagar salários para funcionários que,
em tese, nem precisaria mais. Se não fizesse isso, teria que enfrentar um longo
processo judicial por desvio de função do servidor.
O secretário citou, a título de exemplo, a situação de
servidores que passaram no concurso para a Fundação Roquette Pinto para serem
editores de videotape, função que não existe mais. "Fica difícil de
alocar, porque o servidor diz que só sabe fazer isso. Quando tento colocá-lo em
outra função, ele entra na Justiça pedindo indenização por desvirtuação do
cargo", explicou, acrescentando que a possibilidade de reciclar o trabalhador
é muito limitada.
Muitos foram transferidos para a Empresa Brasil de
Comunicação (EBC), mas acabaram devolvidos para o departamento de órgãos
extintos. Nessa situação, o governo tem que encontrar uma função para esse
funcionário que não seja considerada como desvio. Mesmo com essas preocupações,
Chiba destacou que muitos casos acabam na Justiça.
Como não há nada que se possa fazer com relação ao passado,
o negócio é tentar evitar que esse problema se perpetue. O Ministério do
Planejamento passou a fazer concursos "mais abertos", ou seja, sem
citar uma atividade específica para que, em casos de extinção de companhias,
tenha mais facilidade para realocar servidores.
O secretário ressaltou que o governo busca maior
flexibilidade na forma de contratação de trabalhadores para evitar esse tipo de
esqueleto. "Da forma com que se criaram as carreiras, realocar é difícil,
principalmente, quando as carreira são muito específicas."
O Ministério do Planejamento pretende encaminhar ao
Congresso Nacional um projeto de lei para reestruturar as carreiras dos
servidores, instituindo um salário inicial de R$ 5 mil e um número maior de
etapas para se atingir o topo da carreira, conforme anunciado no ano passado
pelo ministro Dyogo Oliveira.
Segundo o secretário, é normal a criação, extinção e fusão
de órgãos e ministérios para atender às necessidades da sociedade que mudam ao
longo do tempo, principalmente com as novas tecnologias. Mas, ressalta, que ao
contrário da iniciativa privada, um órgão extinto na administração pública
continua gerando custos para a União devido à necessidade de pagamento de
salários de servidores concursados que não podem ser demitidos, e de convênios
que não podem ser revogados até a data de vencimento.
Em dezembro do ano passado, o governo desembolsou em torno
de R$ 492,022 milhões para bancar salários, aposentadorias e pensões servidores
de órgãos extintos, anistiados políticos, ex-territórios do Acre, Amapá,
Rondônia e Roraima e antigo Distrito Federal. Em 13 meses, considerando essa
média mensal e o pagamento do 13º salário, o valor chega a R$ 6,396 bilhões.
Segundo Chiba, existe pressão para realização de novos concursos. O governo,
porém, precisa avaliar bem a questão, porque é o Estado que vai ter que bancar
esse servidor por pelo menos 70 anos, considerando que, quando o funcionário
morrer, terá que pagar pensão para o familiar.
Para ter uma noção do peso desses servidores de órgãos ou
territórios extintos, dados do Planejamento mostram que, no último mês de 2017,
o gasto com pessoal civil ativo do Poder Executivo somou R$ 11,135 bilhões para
pagamento de 634.157 servidores públicos. No caso dos convênios, não há nem
estimativa do custo para as contas públicas.
O Departamento de Órgãos Extintos também administra
situações em que um ministério é criado, depois extinto e, em seguida volta a
existir com outro nome, ou se funde a outro ministério. Por exemplo, já existiu
um Ministério da Previdência e Assistência Social e outro do Trabalho. Com o
passar dos anos, foram reunidos e separados. Agora, a Previdência passou para o
Ministério da Fazenda. Ou ainda de órgãos como a Sudene, que foi extinta e foi
recriada.