O Dia - 29/05/2018
Dados do TCU mostram que, só em 2016, a administração
pública federal gastava R$ 3,47 bilhões por mês com funcionários em cargos de
confiança e comissionados
A Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manoel, o primeiro
documento da história do Brasil, inaugurou o que posteriormente se revelaria a
peculiar e controvertida relação dos servidores com o Poder Político (e vice
versa): vínculos previdentes norteados pela promissão de servidão e lealdade. A
rogativa do perdão ao roubo cometido pelo genro do escrivão, ao seu degredo da
ilha de São Tome e terminante retorno a Portugal se fundamentou tão somente na
relação estabelecida com a Realeza.
À atitude de Caminha sucederam-se as de vários
governadores-gerais, que escreviam cartas ao Rei e às autoridades portuguesas
pedindo terras, nomeações a parentes, favores a amigos. Às condutas dos
patrícios sucederam-se as dos tupiniquins. Atualmente, uma sorte de más
práticas e manobras segue providenciando que a Administração Pública se
avigore, cada dia mais, como balcão de negócios, benesses e garantias, alheia
ao que lhe deveria ser fundamental: o interesse público.
A troca de favores em todas as instâncias de poder revela,
desde a lavratura da certidão de nascimento do país, que as brechas à adoção
das exceções como regras traçaram um caminho promíscuo, no qual privilégios e
prerrogativas se confundem e dão, lamentavelmente, sentido a quem busca o
poder. Corrupção passou a ser o modus operandi de se fazer política no Brasil.
Nomeações de parentes, amigos, apoiadores em cargos obscuros
e, muitas vezes, exercendo funções que não têm qualificação para exercer são
práticas comuns que violam princípios da moralidade, impessoalidade e
economicidade, previstos na Lei Federal que regula todas essas más praticas
citadas: as improbidades administrativas.
Ao encontro de tal transgressão, dados do relatório
elaborado pela Secretaria de Fiscalização de Pessoal do Tribunal de Contas da
União mostram que, só em 2016, a administração pública federal incluindo
Executivo, Legislativo e Judiciário federais gastava R$ 3,47 bilhões por mês
com funcionários em cargos de confiança e comissionados. O valor representava
35% de toda a folha de pagamento do funcionalismo público na esfera federal,
que é de R$ 9,6 bilhões mensais. O documento certificou que havia 1,1 milhão de
funcionários em postos de Executivo, Legislativo e Judiciário, dos quais pouco
mais de 346 mil trabalham em cargos de confiança e comissionados. Desse total,
8,6% (cerca de 30 mil) estavam filiados a partidos políticos.
É notório, não é fácil avançar institucionalmente, muito
menos mudar paradigmas que se arraigaram ao longo de nossa história. Mas é
preciso tentar e a fundamental premissa deve ser um choque de
profissionalização na gestão pública brasileira. Extinguindo o amadorismo
presente em todos os níveis, em áreas sensíveis e estratégicas para o país,
reforçaremos o resgate do sentido pleno da função essencial e exclusiva do
Estado para os cidadãos.
Aos poucos, a conquista de eficiência, ética e controle
reverterá a naturalidade da prática da corrupção e sua impunidade. Será um
grande passo à desvinculação do mau legado colonial da política do Beija-mão e
à construção, por fim, da nossa história de independência.
Por Wagner Siqueira Presidente do Cons. Federal de
Administração