Rede Brasil Atual - 28/08/2018
País tem distorções a corrigir, mas série histórica
demonstra que os números da folha de pagamento dos servidores estão sob
controle, apesar de alarde da mídia e ofensiva conservadora
Dados reais e acessíveis ao público comprovam que não há
servidores demais no Brasil e que a folha salarial deles não representa risco
de colapso das contas públicas da União, nem neste ano, nem em 2019. Ao
contrário do que alardeiam a imprensa e certos candidatos conservadores, que
defendem a diminuição daquilo que costumam chamar, com viés negativo, de
máquina pública. Nem mesmo comparado com outros países o Brasil tem um número
de servidores exagerado, sequer os gastos com a folha estão fora do padrão
civilizado do mundo capitalista.
Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), em 2017 foram
investidos 4,6% na folha de pagamento da União. Em 2005, a relação foi de 3,8%
e, em 1995, de 5,4%. Essa breve série histórica demonstra que os números, que
incluem os investimentos na folha dos três poderes e também de órgãos federais
como empresas, fundações e autarquias, estão sob controle. Sem deixar de
considerar que o PIB depende de políticas que promovam desenvolvimento
econômico.
"Mas, mesmo após a queda da produção nacional a partir
de 2015, e de um modesto crescimento de 1% em 2017, a comparação da folha com o
PIB não extrapola", comenta Max Leno de Almeida, supervisor técnico do
Dieese no Distrito Federal.
Até do ponto de vista contábil mais austero o país está
longe de comprometer suas contas por causa da folha de pagamento. No critério
de quanto gasta, percentualmente, em relação à receita corrente líquida, o
Brasil não corre risco de experimentar o colapso em função dos servidores. A
folha da União representava 42% dessa receita segundo os dados mais recentes,
referentes a 2017. O limite, determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), é de 50% – oito pontos percentuais de distância. Importante destacar que
a LRF foi criada em 2000 (lei complementar 101) com inspiração fortemente
restritiva, sob a alegação de conter custos e impedir o estouro das contas.
Segundo dados internacionais, na comparação com países de
outros continentes – muitos deles sempre apontados como exemplos de organização
e progresso – estamos longe de configurar uma aberração. Levantamento da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra o
Brasil entre aqueles que têm menos servidores públicos em relação ao total de
pessoas empregadas e em relação à população economicamente ativa (PEA). A OCDE,
fundada e apoiada inclusive por potências capitalistas, não tem inspiração em
teses do Foro de São Paulo – criado bem depois e sem o mesmo poder de
influência – e muito menos da Ursal – esta, sequer existente.
Os números exibidos pelas tabelas da OCDE incluem os
servidores da administração direta dos três níveis de governo (União, estados e
municípios), dos três poderes (incluindo Judiciário e Legislativo) e de
empresas estatais, fundações, autarquias e até mesmo os gastos com organizações
sociais e ONGs prestadoras de serviços públicos.
"A máquina pública não é inchada", afirma Max de
Almeida. "A sociedade tem sentido isso no seu dia-a-dia. Muitos órgãos
hoje têm quadros pequenos para atender determinadas áreas. A população percebe
que esse discurso da imprensa não corresponde à realidade, porque de uns anos
para cá muitos servidores acabaram se aposentando, quando há concursos públicos
é numa quantidade menor do que a carência do órgão. Isso desmistifica a ideia
de que os servidores são os vilões das contas públicas", completa o
economista.
Distorções
Isso não significa que não existam distorções a corrigir. Há
diferenças salariais importantes entre os servidores remunerados pela União. O
recente caso do aumento de 16,38% autoconcedido pelo Supremo a seus servidores
– logo estendido a outros órgãos do Judiciário – é um exemplo de distância
entre o topo da pirâmide e os demais servidores. Este aumento, por sinal, foi a
senha para que parte da imprensa voltasse a atacar a folha do funcionalismo
como um todo, generalizando e abrindo espaço para a antiga defesa de cortes nos
serviços públicos.
Levantamento recente do próprio Ministério do Planejamento
do governo Temer mostra que 30% do funcionalismo recebe até R$ 5,5 mil por mês,
sendo que, nesta faixa, os vencimentos menores se situam abaixo de R$ 1,4 mil.
Apenas 18% ganham de R$ 9,5 mil a R$ 12, 5 mil.
Em meio a mais de 250 tabelas diferentes para o
funcionalismo, professores universitários, com carga de 20 horas semanais,
recebem R$ 2,2 mil mensais em início da carreira. Já um agente da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) recebe entre R$ 16,2 mil e R$ 24,1 mil por
mês, situando-se assim no topo da pirâmide, na companhia de aproximadamente 23%
de todo o funcionalismo que recebe acima de R$ 12,5 mil.
Ainda no quesito distorções, nos últimos dias veio a público
a denúncia de que organizações sociais (OSS) – fundações de direito privado – a
quem o governo estadual de São Paulo cede a verba e a gestão de hospitais
públicos, pagam salários muito mais altos que os da administração direta para
funções de nível gerencial. Obrigados por decisão judicial, a partir de CPI que
investiga o caso, dois hospitais administrados por OSS haviam divulgados dados
até o fim da semana passada: pagam salários em torno de R$ 32 mil para funções
que, em unidades administradas diretamente pelo Estado, recebem R$ 7,9 mil
mensais.
Reforma do Estado
A questão dos servidores foi abordada pelo Plano Lula de
Governo, no item Promover a Reforma do Estado. Diferentemente de propostas
apresentadas por outros partidos, o Plano Lula reafirma a importância do
serviço público e a necessidade de abertura de concursos para ampliação dos
quadros funcionais e de conter os processos de privatização e de terceirização.
Para a superação das distorções, a proposta aposta na
consolidação do controle social. Esse método, como quando aplicado em
administrações petistas – como a do presidente Lula e de Dilma – consiste,
resumidamente, em criar conselhos compostos por representantes da sociedade
civil organizada (usuários, alunos, associações de bairro, sindicatos,
empresários, entre outros setores), de servidores e do governo para acompanhar
e participar da gestão e, como frisa o Plano Lula, ter acesso à "maior
transparência e eficiência do gasto público".
O Plano destaca também investimentos na profissionalização
do serviço público e aperfeiçoamento dos órgãos de controle.
Por que o terrorismo?
Se os números oficiais e internacionais desmentem a tese de
que a folha do funcionalismo é inchada, por que a mídia e os candidatos
conservadores insistem em fazer terrorismo?
Algumas respostas podem ser encontradas em artigo recente
publicado por Paulo Kliass e José Celso Cardoso Jr., intitulado Três Mitos
Liberais sobre o Estado Brasileiro. Basicamente, a ideia dos que defendem a
diminuição do Estado é abrir caminhos para que o orçamento público reserve mais
fatias para a iniciativa privada. Com os serviços públicos enfraquecidos – ou
com a imagem prejudicada por conta da campanha difamatória –, quem pode corre
para serviços privados como escolas e saúde. Grupos empresariais abocanham mais
fatias de mercado. E o poder público terá mais verbas para destinar ao mercado
financeiro, como na rolagem dos juros da dívida pública.
O esforço para demonizar o serviço público se presta também
a justificar, falsamente, iniciativas como a Emenda Constitucional 95, que
congela os gastos públicos por 20 anos, atrelando-os somente à inflação e
desvinculando esse item de outros indicadores como o PIB e as receitas.
Por Isaías Dalle, da
Fundação Perseu Abramo