JOTA - 06/08/2018
Órgãos federais têm até 30 de novembro para definir comitês
internos. TJBA já instituiu programa de integridade
A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) e os impactos da
operação Lava Jato fizeram com que as empresas privadas fossem obrigadas a
criar e aprimorar setores de compliance para mitigar riscos éticos e
reputacionais.
A Odebrecht e a Petrobras, por exemplo, duas companhias
enredadas pela operação, tiveram de fazer uma série de mudanças estruturais em
seus setores de conformidade. Com o objetivo de dar mais independência ao
compliance, a empreiteira tomou medidas como desvincular o setor da diretoria
deixá-lo sob o guarda-chuva do conselho de administração.
A Petrobras, por sua vez, criou um comitê em dezembro de
2014 “para atuar como interlocutor das investigações independentes relativas às
implicações da Lava Jato”.
Num primeiro momento, o setor público valorizou empresas com
programas de integridade por meio dos órgãos de controle, com a possibilidade
de atenuar condenações.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo, passaram a olhar para a
implementação de eficientes setores de conformidade na hora de julgar processos
administrativos.
Agora, a implementação dos programas de compliance deixou de
se restringir a acusados e passou a ser feita inclusive pelos órgãos
responsáveis por julgar os desvios éticos empresariais. Um deles, provavelmente
o pioneiro, é o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA).
“Diante da necessidade de aperfeiçoar sistemas de
monitoramento de riscos administrativos gerenciais e reputacionais, para
garantia da melhor gestão com transparência e ética, o Tribunal de Justiça da
Bahia (TJBA) iniciou em março de 2018 o projeto Sistema de Gestão de
Compliance, cujo objetivo é Implantar até fevereiro de 2020″, explica Pablo
Moreira, secretário de Planejamento e Orçamento do TJBA.
O projeto contempla a área de aquisições de bens e serviços,
como licitações e contratações. A estrutura é semelhante à de empresas
privadas: será criado um Comitê de Ética e implantado um canal de denúncia. A
auditoria interna, já existente, estará integrada agora ao setor de
conformidade.
No Poder Executivo, o Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União (CGU), responsável pela aplicação da Lei
Anticorrupção no Executivo Federal, publicou em abril deste ano a Portaria
1.089/18, que estabelece procedimentos para estruturação, execução e
monitoramento de programas de integridade em cerca de 350 órgãos e entidades
federais, incluindo ministérios, autarquias e fundações.
O programa de implementação da conformidade no Executivo
Federal está dividido em duas fases: na primeira etapa, os órgãos enviaram à
CGU informações sobre o que será sua “gestão de integridade”, ou seja, o setor
que será responsável pela coordenação da estruturação, execução e monitoramento
dos programas internos de compliance.
Posteriormente, os órgãos terão de definir até o dia 30 de
novembro quais serão seus “planos de integridade”, estabelecendo quais os
possíveis riscos, a caracterização do comitê e os objetivos do setor. Nessa
data, tudo terá de estar definido, com a publicação dos respectivos setores no
Diário Oficial da União.
Todos os órgãos do Executivo Federal deverão instituir
canais de denúncias, comissões de éticas, além de setores que cuidarão de
procedimentos disciplinares e conflitos de interesses e do monitoramento de
possíveis casos de nepotismo.
“O movimento da iniciativa privada solidificou isso, e na
área pública, além de compliance, trabalhamos com o conceito da integridade. O
objetivo é uma mudança de cultura no serviço público”, afirmou Carolina
Carballido, responsável na CGU pelo acompanhamento da implementação de
programas de integridade na administração pública.
Carolina avalia que a tendência é o setor público
estabelecer e ampliar os setores de compliance. “É uma demanda da sociedade ter
uma administração boa que funcione bem, e por isso precisamos da integridade
como princípio da boa governança”, declarou a especialista.
Divergências
Advogados especialistas em compliance divergem da
necessidade de o poder público também introduzir programas semelhantes às
empresas em suas estruturas.
Para Daniel Soares, sócio do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra
Advogados, responsável pelo compliance interno do escritório, a iniciativa é
positiva no sentido de reforçar conceitos e princípios aos entes da
administração pública.
“Tudo isso contribui para transparência e desenvolvimento de
uma cultura entre todos os agentes públicos e terceiros que venham com eles
interagir, contratar e se relacionar”, falou o advogado.
Soares afirma que além de instituir programas de
conformidade, os órgãos públicos também devem incentivar as empresas a fazer o
mesmo movimento. Ele se refere, por exemplo, ao Projeto de Lei 7149/17, de
autoria do deputado federal Francisco Floriano (DEM/RJ), que estabelece
diretrizes a serem observadas nos programas de integridade implantados pelas
empresas que contratam com a administração pública.
Em São Paulo, há uma iniciativa semelhante: o Projeto de Lei
498/18, do deputado estadual Caio França (PSB), que dispõe sobre a exigência de
implantação de programa de compliance às empresas que celebrarem contrato,
consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a administração
pública direta, indireta e fundacional do Estado.
“Esses órgãos vão precisar estar preparados para analisar se
esses programas são eficazes. Isso vai estimulá-los a também implement
iniciativas nesse sentido”, aponta Soares.
Já a comercialista Ana Frazão, que foi julgadora no Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade), não vê exatamente com o mesmo olhar.
“Se analisarmos com um pouco mais de cuidado, a obrigação de a administração
pública de cumprir a legalidade, moralidade, impessoalidade e outros princípios
já está expressa na Constituição”, analisa Ana.
Em sua visão, o regime administrativo já deveria ser
suficiente para fazer com que o poder público cumprisse as normas
constitucionais que o regem. Por outro lado, diz Ana, como “muitas vezes
cumprir a legalidade e a moralidade não é algo tão simples talvez seja
interessante utilizar algumas soluções e aprendizados da iniciativa privada a
respeito do compliance no poder público”.
Por Guilherme Pimenta – Repórter de mercado de capitais do JOTA