BSPF - 25/09/2018
“Percebe-se que essa circunstância coloca os servidores de
Ministérios, do “carreirão”, em situação delicada, pois ainda que haja um Plano
de Cargos dos Órgãos, os serviços executados pelos servidores do “carreirão”
podem ser lidos como não inerentes às suas categorias funcionais. O sistema não
é perfeito e há uma série de críticas que se pode fazer aos processos de
seleção por concurso e a prestação do serviço público em si. Contudo, a
terceirização dessas atividades não é o caminho para a melhoria do serviço ou
para melhor atendimento da população, tampouco para a seleção de funcionários”
O serviço público no Brasil está em perigo. A publicação do
Decreto nº 9.507, no último dia 21 de setembro, trouxe uma série de incertezas
no funcionalismo público federal, seja na Administração Direta, Indireta,
Fundacional e Autárquica (Ministérios, Universidades Federais, Agências
Reguladoras, Órgãos de fiscalização), ou nas Empresas Públicas e Sociedades de
Economia Mista (Banco do Brasil, CAIXA, EBC, Correios). Segundo o seu teor,
fica permitida a contratação indireta desses serviços pela União, o que
significa que ela poderá contratar, sem concurso público, funcionários
terceirizados.
O Decreto prevê que o Ministério do Planejamento é quem
dirá, por ato de seu Ministro, os serviços que poderão ser contratados.
Ressalva uma série de circunstâncias que não poderão ser objeto da
terceirização, em especial aquelas relativas à tomada de decisão,
posicionamento institucional, serviços estratégicos, poder de polícia, de
regulação, outorga de serviços públicos e aplicação de sanção, mas também
permite que as atividades auxiliares, instrumentais ou acessórias, ainda que
referentes à maioria das exceções acima, poderão ser terceirizadas.
A liberação da terceirização no serviço público permitirá
que as Universidades Federais, por exemplo, possam contratar funcionários
terceirizados para a execução de parte significativa de suas atividades. Também
permite, por exemplo, que o INSS contrate funcionários terceirizados para o
atendimento ao público e análise prévia dos atos de concessão de benefícios.
Com a terceirização, a circunstância leva a crer que o serviço público
enfrentará um esvaziamento ainda maior na prestação de qualidade. Se hoje a
população apresenta queixas de acesso aos serviços e se há um déficit no
atendimento de seus anseios, a terceirização favorece ainda mais a precarização
dessa prestação.
Exceção importante para a contratação de funcionários
terceirizados é a que diz que não se poderá terceirizar os serviços que sejam
inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo Plano de Cargos do Órgão ou
da Entidade. Porém, ainda que se trate de uma atividade que se enquadre nessa
hipótese, o Decreto permitirá essa contratação se houver disposição legal em
sentido contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente,
no quadro geral de pessoal. Percebe-se que essa circunstância coloca os
servidores de Ministérios, do “carreirão”, em situação delicada, pois ainda que
haja um Plano de Cargos dos Órgãos, os serviços executados pelos servidores do
“carreirão” podem ser lidos como não inerentes às suas categorias funcionais.
Nas Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista essa
exceção é ainda mais preocupante, na medida em que a terceirização poderá ser
realizada, inclusive para serviços de profissionais com atribuições inerentes
às dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários, se houver
justificativa ancorada nos princípios administrativos da Eficiência, da
Economicidade e da Razoabilidade. Basta que haja caráter temporário de serviço,
incremento temporário do volume de serviços, atualização de tecnologia,
especialização do serviço, ou impossibilidade de competir no mercado
concorrencial para se permitir a terceirização. Ou seja, com essas hipóteses, a
vedação de terceirização é quase inexistente, pois caberá ao Conselho de
Administração ou órgão equivalente das empresa públicas e sociedades de
economia mista a decisão a respeito das atividades passíveis de execução
indireta, mediante contratação de serviços.
Destaca-se que o Decreto não estabelece marcos temporais
para a consecução de serviços temporários e afasta a vedação da exceção a
cargos em extinção. Outrossim, prevê repactuação e reajuste de contratos após 1
ano. Permite, também, que contratos de serviços terceirizados já vigentes até a
data da sua entrada em vigor sejam prorrogados. Em relação às regras gerais e
forma de contratação, o Decreto dispõe acerca da impossibilidade de indexação
de preços e, por óbvio, o não reconhecimento de vínculo direto com a
administração pública. A responsabilidade pelo adimplemento de encargos
trabalhista, previdenciários e de FGTS recai exclusivamente sobre a empresa
contratada, com a fiscalização acerca do cumprimento das obrigações em relação
aos empregados prestadores de serviço.
O concurso público é a ferramenta que a sociedade encontrou
para selecionar, da maneira mais imparcial possível, alguém que possua
competências para a execução de uma atividade específica. O sistema não é
perfeito e há uma série de críticas que se pode fazer aos processos de seleção
por concurso e a prestação do serviço público em si. Contudo, a terceirização
dessas atividades não é o caminho para a melhoria do serviço ou para melhor
atendimento da população, tampouco para a seleção de funcionários.
Pelo contrário, com a terceirização abre-se a possibilidade
de contratações corrompidas, de pessoas sem qualificação e treinamento e de
favorecimentos políticos. Ademais, o acesso ao cargo público por concurso é uma
garantia constitucional, o que evidencia a inconstitucionalidade do Decreto.
Por Leandro Madureira Silva e Raquel Rieger – sócios do
escritório Mauro Menezes & Advogados.
Fonte: Blog do Servidor