BSPF - 04/10/2018
“O crime de corrupção passiva não exige nexo causal entre a
oferta ou promessa de vantagem indevida e eventual ato de ofício praticável
pelo funcionário público. O nexo causal a ser reconhecido é entre a mencionada
oferta ou promessa e eventual facilidade ou suscetibilidade usufruível em razão
da função pública exercida pelo agente.”
Dessa forma, o crime de corrupção passiva consuma-se ainda
que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida esteja relacionada com
atos que formalmente não se inserem nas atribuições do servidor público, mas
que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação
da prática da conduta almejada.
Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) deu parcial provimento a recurso do Ministério Público Federal
(MPF) para condenar pelo crime de corrupção passiva dois homens acusados de receber
vantagens ilícitas para facilitar o ingresso irregular de um estrangeiro no
Brasil.
Segundo a ministra Laurita Vaz, cujo voto prevaleceu no
julgamento, a expressão “em razão dela”, prevista no artigo 317 do Código
Penal, não se esgota em atos ou omissões que detenham relação direta e imediata
com a competência funcional do agente. Ela justificou que não parece lícito
pressupor que o legislador tenha pensado em uma limitação implícita ao
poder-dever de punir.
“Trata-se, a meu ver, de nítida opção legislativa
direcionada a ampliar a abrangência da incriminação por corrupção passiva,
quando comparada ao tipo de corrupção ativa, a fim de potencializar a proteção
ao aspecto moral do bem jurídico protegido, é dizer, a probidade da
administração pública”, afirmou a ministra.
Visão coerente
Laurita Vaz destacou que a desnecessidade de que o ato pretendido
esteja no âmbito das atribuições formais do servidor público fornece uma visão
mais coerente e íntegra do sistema jurídico.
“A um só tempo, são potencializados os propósitos da
incriminação – referentes à otimização da proteção da probidade administrativa,
seja em aspectos econômicos, seja em aspectos morais – e os princípios da
proporcionalidade e da isonomia”, disse.
No caso analisado, a ministra considerou irrelevante o fato
de os acusados não terem a atribuição legal de controle imigratório no
Aeroporto Internacional de São Paulo.
Segundo ela, é suficiente para configurar a corrupção
passiva a constatação de que ambos os funcionários, em razão de trabalharem no
aeroporto, aceitaram vantagem indevida para facilitar o ingresso irregular de
estrangeiro em território nacional.
Nova orientação
Laurita Vaz citou um trecho do voto da ministra Rosa Weber,
do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a configuração do crime de
corrupção passiva exige apenas o nexo causal entre a oferta (ou promessa) de
vantagem indevida e a função pública exercida, sem necessidade da demonstração
do mesmo nexo entre a oferta (ou promessa) e o ato de ofício esperado, seja ele
lícito ou ilícito.
O entendimento anterior predominante nas cortes superiores
era de que seria exigível do órgão acusador a demonstração de ato de ofício
concreto.
“Com efeito, nem a literalidade do artigo 317 do CP, nem sua
interpretação sistemática, nem a política criminal adotada pelo legislador
parecem legitimar a ideia de que a expressão ‘em razão dela’, presente no tipo
de corrupção passiva, deve ser lida no restrito sentido de ‘ato que está dentro
das competências formais do agente’”, justificou Laurita Vaz.
Com a decisão, o processo retorna ao tribunal de origem para
que proceda à dosimetria da pena.
Fonte: Assessoria de Imprensa do STJ