Metrópoles - 28/10/2018
Ser empregado pelo governo desperta a crença de que são
ótimas remunerações para pouco trabalho. Por outro lado, não faltam reclamações
sobre o serviço prestado à população. Quando há períodos de crises econômicas,
como agora, a categoria está no topo da lista de contenção, e há bons motivos
para isso, infelizmente. Na data em que se comemora o Dia do Servidor Público,
é preciso falar sobre o real significado de ingressar no setor e como a postura
deve começar desde que se decide ser concurseiro.
As vantagens são inegáveis: tranquilidade proporcionada pela
estabilidade, salário e benefícios bem acima do ofertado na iniciativa privada.
Entretanto, com as boas notícias também estão responsabilidades que poucos
concurseiros se atentam. Ainda falta maturidade diante do compromisso de servir
ao público.
Uma das hipóteses pode estar na valorização desmedida do
formato da seleção, tão parecida com os vestibulares de ingresso no ensino
superior. A mentalidade de estudante que está se dando bem é maior do que a de
um profissional que prestará um serviço de qualidade.
Por outro lado, há a falta de confiança de que é possível
realizar um bom trabalho em um ambiente de cultura organizacional descrente,
excessivamente burocrático, desgastado por politicagens e, por vezes, sem os
recursos e a infraestrutura necessários.
Muitos querem prestar as provas, basta ver a quantidade de
cursos e materiais vendidos e as salas cheias das escolas preparatórias, mas
quantos realmente estão pensando sobre a carreira, suas funções, atribuições e
responsabilidades enquanto respondem a questões e anotam as explicações do
professor? Pouco, verdadeiramente poucos.
A questão não é defender que é preciso atender a uma vocação
inata para trabalhar para o governo. Tudo bem que seja uma etapa, uma forma de
proporcionar crescimento pessoal para outros projetos futuros, a possibilidade
de vida digna ou uma melhoria para a família. Ainda assim, atitudes levianas
têm impacto social e econômico que são ignorados. Um profissional despreparado
– técnica ou emocionalmente – é prejuízo certo pago pelo bolso do cidadão.
Não é para todo mundo
Todo brasileiro ou naturalizado pode trabalhar para o
governo. Até estrangeiros são bem-vindos, como nas instituições de ensino
federal. Entretanto, o serviço público não é para qualquer um. Há um perfil que
precisa ser atendido e quem não se adequa, além de se tornar frustrado – ou até
depressivo –, ainda poderá prejudicar o serviço oferecido.
Além das esperadas características de disciplina, pontualidade,
responsabilidade e atenção, também esperadas na iniciativa privada, o futuro
funcionário público precisa entender que os processos são naturalmente mais
lentos, mais burocráticos, mais detalhistas, por exemplo.
Raras são as carreiras em que o dinamismo é parte do rol de
possibilidades. As atividades exercidas são definidas com precisão para evitar
desvio de funções e não se identificar com elas minimamente vai representar um
presente de grego bem pago.
Felizmente tem existido um esforço da Administração Pública
– especialmente no Executivo federal, no Judiciário e no Ministério Público –
em prezar pela atualização de seus processos de gestão de pessoas com
treinamentos, desenvolvimento de competências mais eficientes e governança em
moldes adaptados do contexto privado. Aos poucos, tira-se o foco da troca do
trabalho pelo salário e volta-se a atenção às metas e aos resultados. São
atitudes recentes e, por consequências, ainda levam tempo para aparecer.
Regras podem mudar
A estrutura e a organização dos recursos humanos existentes
são as melhores da história da Administração Pública desde a proclamação da
República. A atuação constante dos órgãos de regulação e de fiscalização, como
Ministério Público e Tribunal de Contas da União, e da Justiça tem sido
decisiva para reduzir o apadrinhamento e os cabides de emprego que mancham a
história do serviço público. Muito ainda precisa ser feito, é notório, por isso
o cuidado redobrado de quem tem a intenção e o sonho de fazer parte do
funcionalismo.
Da mesma maneira, as regras de entrada, permanência,
remuneração e aposentadoria nunca estiveram melhores, ainda assim, podem mudar
a qualquer tempo. Basta relembrar a suspensão dos acordos de reajuste
celebrados em 2016, cujas parcelas terminariam de ser pagas no início do
próximo ano, e a paralisia em negociar a atualização salarial com reposição dos
valores perdidos com a inflação, como acontece de forma parecida com o
salário-mínimo. Ou, então, a abertura da possibilidade de terceirização de
atividades-fim e as negociações de privatizações.
Os concursos não vão acabar, a importância e a necessidade
de haver servidores públicos não serão extintas, não importa o cenário
político. Entretanto, apostar na eternidade de suas regras como cláusulas
pétreas é ingenuidade.
Os processos seletivos são um rito de passagem, não um fim
em si mesmos. Se concentrar só nas provas e esquecer de que se trata da
construção de uma carreira profissional é, no mínimo, jogar dinheiro fora e
apostar em altos gastos com válvulas de escape e tratamentos para manter a
sanidade mental.
Ser servidor público é o que o termo diz: servir ao público,
ou seja, honrar os impostos pagos por cada um de nós e entregar o melhor
possível. É pertencer a uma categoria essencial para a transformação do Estado
partindo de dentro para fora. Por essas e outras razões que ser concurseiro é
só o primeiro passo desse processo. Ter a maturidade de assumir o compromisso
desde o início se torna determinante para si mesmo e para quem será atendido a
partir do trabalho exercido.
Por Letícia Nobre