BSPF - 07/11/2018
As armadilhas que estão no caminho do ajuste fiscal do novo
governo
Reposições salariais reivindicadas por servidores podem
custar quase R$ 200 bilhões aos cofres públicos nos próximos anos. Somente
pleito que pede o mesmo reajuste dado a generais, há 25 anos, reconhecido pelo
STF, chega a R$ 17 bilhões
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, promete cortar custos e
enxugar a máquina pública. Mas tem à sua espera uma desagradável surpresa em
termos de gastos não previstos. Ele precisará encarar, por exemplo, ações
judiciais, com mais de 25 anos, por equiparação salarial de servidores,
consequência de revisão geral diferenciada de soldos de militares e
remunerações de civis. O impacto no orçamento somente desse item era calculado
em R$ 5,9 bilhões, “mas o valor está extremamente defasado, e pode triplicar,
ultrapassando os R$ 17 bilhões”, disse um especialista em contas públicas.
O problema será a falta de dinheiro para fazer frente à
despesa, caso a União perca a ação bilionária. Em última instância, a saída
seria aumento de impostos ou mais endividamento. O Anexo V do Orçamento de
2019, que trata de possíveis dívidas trabalhistas, reserva pouco menos de R$ 4
bilhões para diversas contingências, tais como “ações de litígios por
reivindicação de atualização salarial ou recomposição de perdas decorrentes de
índices utilizados por ocasião dos Planos Econômicos, como as ações de
reposição dos 28,8%”, disse o técnico. A dívida com os funcionários,
reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2014, vem desde janeiro de
1993, quando a União deu aos oficiais generais reajuste salarial 28,86%
superior ao dos servidores civis e demais militares.
A exclusividade para os graduados da caserna violou
dispositivo constitucional. “O aumento separou civis de militares. Mas, à
época, a determinação era de que a revisão geral da remuneração, sem distinção
de índices entre servidores públicos civis e militares, teria de ser sempre na
mesma data”, destacou Vladimir Nepomuceno, ex-coordenador da Secretaria de
Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento e consultor de entidades
sindicais. O número de ações cobrando reajuste de 28,86% se espalhou pela
administração federal. Uma delas, específica dos servidores do Banco Central
(BC), seria julgada ontem pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas não
entrou na pauta. “Não tem volta. Se o Judiciário decidir, a União terá de
pagar”, disse Nepomuceno.
Para o economista Gil Castello Branco, da Associação Contas
Abertas, o deficit público, previsto em R$ 139 bilhões em 2019, vai dar um
salto se isso acontecer. “É um absurdo que algo assim ocorra apenas porque o
governo não prestou atenção à lei e permitiu aumento diferenciado. Isso, no fim
das contas, será bancado por todos nós, contribuintes”, disse. A briga na
Justiça também revela o que muitos servidores não querem admitir. “Declaram
corrosão salarial pela inflação, mas essas correções, ao longo do tempo, se
transformam em ganhos indiretos que oneram a folha de pagamento”, destacou
Castello Branco.
Exemplos não faltam. Outras ações que reivindicam correção
salarial — de 11,98%, 14,23%, 15,80%, e a incorporação de quintos — estão sendo
analisadas pela Justiça. Se forem atendidas, elas podem custar, juntas, cerca
de R$ 200 bilhões aos cofres públicos nos próximos anos. “Os pleitos são
resultados de leis mal redigidas e decisões administrativas equivocadas. Elas
abrem espaço para reivindicações que incham a folha de pagamento e arrombam as
contas públicas”, disse um especialista que não quis se identificar.
Quintos
Logo depois do reajuste concedido aos generais, em 2003, o
então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, no governo Itamar Franco,
lançou o Plano Real. Em 1º de março de 1994, entrou em vigor a Unidade Real de
Valor (URV), para a qual foram convertidos todos os preços da economia. Os
servidores, porém, alegaram que a conversão dos salários foi feita de forma
equivocada e passaram a reivindicar reposição de 11,98%.
Em 1998, medida provisória proibiu a incorporação de quintos
de função comissionada (aumentos automáticos a cada cinco anos). Mas,
inadvertidamente, outra MP foi editada em 2001 com semelhante objetivo, gerando
dubiedade de interpretação, o que possibilitou que alguns funcionários
alegassem ter direito aos quintos entre 1998 e 2001. Segundo estimativas do
ministro Gilmar Mendes, do STF, caso todos os que pedem incorporação forem
atendidos, o impacto financeiro seria de R$ 20 bilhões a R$ 25 bilhões.
Em 2003, no Legislativo, houve revisão geral anual
diferenciada e foi criada a Vantagem Pecuniária Individual (VPI), de R$ 59,87,
que representava 14,23% para categorias com menores salários. Os demais
servidores, porém, revindicam o mesmo percentual, o que pode representar uma
fatura adicional de R$ 42 bilhões, nos cálculos do Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Em 2012, veio outra revisão geral de 15,8%, que motivou nova enxurrada
de ações, sob a alegação de que apenas o vencimento básico foi corrigido, sem
considerar a VPI. Além disso, os 14,23% do Legislativo passaram, em 2016, a ser
reivindicados pelo pessoal do Judiciário. Para eles, a VPI de R$ 59,87
corresponde a 13,23% dos menores vencimentos.
Fonte: Correio Braziliense