BSPF - 05/11/2018
Quantitativo de servidores federais poderá cair em 50% até
2021. O quadro, atualmente em 633.902 ativos, despencará para 324.540 em três
anos. A sociedade pressiona por bons serviços, mas esse número de trabalhadores
não vai dar conta do recado, sem reposição mínima de pessoal. O foco das
tensões tem como base a ausência de concursos, diante do crescimento da
população. Em 1995, éramos 165 milhões de habitantes. Servidores ativos,
aposentados e pensionistas eram 1,1 milhão. Em 2018, somos 208,4 milhões e a
quantidade de servidores praticamente não se alterou
O discurso de enxugar a máquina pública e de demitir
servidores em massa tem um grande apelo para sociedade, cansada dos privilégios
embolsados por algumas das classes e da duvidosa contrapartida na qualidade no
atendimento. Na prática, porém, até os mais ferrenhos críticos admitem que a
responsabilidade pelos problemas mais visíveis não deve recair unicamente nos
ombros do funcionalismo. O quantitativo de pessoal despenca a cada dia,
enquanto o número de habitantes no país cresce todos os anos. Nos cálculos do
Ministério do Planejamento, em três anos, o número de trabalhadores do Poder
Executivo vai cair pela metade. Nesse ritmo, não será possível entregar a tão
propalada eficiência à população, dizem analistas. Esse será o principal dilema
do próximo governo e a solução não passa exclusivamente por um pacote de
maldades.
De acordo com o Planejamento (números de agosto), existem
633.902 servidores civis ativos. Desse total, 107.567 recebem abono de
permanência (mais concentrados nos ministérios da Saúde, Fazenda e no INSS) –
reembolso do desconto à Previdência, de 11% do salário. Além dos 107.567 que já
estão aposentados e que continuam auxiliando com suas experiências, poderão ser
acrescentadas mais 201.795 pessoas em condições de se aposentar (29.092, até
maio de 2019; 32.550, até maio de 2020; e 32.586. até maio de 2021). Somando-se
os 107.567 com abono mais os 201.725 prestes a vestir o pijama, em 2021, o
quadro de ativos cai 48,80%, para 324.540 servidores.
De acordo com entidades representativas dos servidores, os
sucessivos governos economizaram por um lado e desperdiçaram, por outro.
Porque, sem prevenção à saúde, segurança e educação, o povo adoece. A doença é
cara e trava a economia do país: o cidadão falta ao trabalho e tem queda na
produtividade. Segundo estudos do Insper, em parceria com a consultoria Oliver
Wyman, a produtividade do brasileiro, em 2018, é pior que a de 1994. O economista
Claudio Dedecca, da Unicamp, afirmou que, na contramão do mundo, no Brasil, o
ambiente de trabalho é ruim e a relação entre sindicatos de trabalhadores e de
patrões é péssima. “Perdeu-se a oportunidade de uma reforma trabalhista focada
no aumento de produtividade. Optou-se por criar condições para reduzir os
custos com o trabalhador. Há no Brasil uma postura lamentável do governo, dos
trabalhadores e dos empresários de só querem ganhar no curto prazo”, criticou
Dedecca
Tensões
Os servidores, ao contrário, garantem que o foco das tensões
contra o funcionalismo tem como base o fato de que os concursos não
acompanharam, há décadas, o crescimento da população. Em 1995, no governo de
Fernando Henrique Cardoso, havia 1,1 milhão de servidores (ativos, aposentados
e pensionistas) e uma população de 165 milhões de habitantes. Em 2002, ainda na
gestão FHC, houve redução de 200 mil cargos, consequência de privatizações,
aposentadorias, demissões e falecimentos. O quadro caiu, então, para 900 mil
servidores. Em 2010, com Lula, o Brasil retornou 1,1 milhão de servidores e a
população saltou para 190 milhões. Em 2014, com Dilma Roussef, éramos 202
milhões, ou 37 milhões a mais que em 1995, mas o número de servidores
continuava o mesmo.
Em 2015, havia previsão inicial, não concretizada, de mais
60 mil vagas serem preenchidas por concurso público. Em 2016, novamente, os
certames foram cortados do orçamento, mas éramos mais de 207 milhões, sem
alteração na quantidade de servidores. Em 2017, o número total de servidores subiu
para 1,270 milhão. Os habitantes, para 207,3 milhões. Até setembro de 2018, de
acordo com o Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Planejamento, havia um
total de 1,276 servidores. No entanto, de acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a população tinha crescido 0,82% em relação a
2017, para 208,4 milhões.
Desafios
Com apenas 324.540 servidores federais, em 2021, o governo
não vai oferecer à sociedade o tratamento que ela precisa. Os analistas de
mercado, que defendem o Estado mínimo e consideram a máquina pública pesada e
ineficiente, diante das estatísticas do Planejamento, admitiram que há muito
mais coisa que precisa ser considerada por trás da imagem de vilão atribuída ao
servidor. “Efetivamente, não será possível manter o serviço público com a
metade do quantitativo, sem novas contratações. No INSS, por exemplo, a
previsão é de que cerca de 40% se aposentem já em 2019. É muito preocupante.
Esse será o maior desafio, já no início, do próximo governo”, disse Eduardo Rolim,
consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados.
A falta de servidores no INSS também é muito ruim para as
contas públicas. “No caso de uma pessoa com auxílio-doença, quanto mais ela
demorar para fazer a revisão, pela longa fila de espera, mais tempo ela demora
para ter emprego e vai receber mais parcelas do Estado”, avaliou Rolim. No
entanto, ressaltou, também não será preciso ter uma reposição de um para um.
Muitas atividades no serviço público foram informatizadas. Rolim citou o setor
bancário como exemplo a ser seguido: teve redução de funcionários, com
eficiência, mesmo com a população em crescimento.
Rolim ressaltou, ainda, que é fundamental levar em conta os
dados fora de contexto usualmente apresentados. Na maioria das vezes, os
servidores usam com base de cálculo para o preenchimento de vagas o número de
trabalhadores descrito como necessário lá na criação do órgão, em passado
distante, o que mascara os fatos. “Quase todos os órgãos têm que atualizar esse
levantamento. A demanda hoje é muito diferente. A reposição, creio, não deve
ultrapassar os 0,6 ou 0,9 por cada servidor aposentado, afastado ou falecido”,
disse Leonardo Rolim.
Emerson Casali, especialista em relações do trabalho e
diretor da CBPI Institucional, também concorda que “esse talvez seja o maior
desafio para o próximo governo”. “Vai ser complicado tocar qualquer projeto com
uma quantidade tão pequena de servidores, em 2021. A impressão é de que a nova
gestão vai esticar o prazo, criar um diferencial para conter a onda de
aposentadorias, no intuito de evitar que o atendimento seja prejudicado”,
reforçou. Se não tiver sucesso assim, a saída, disse Casali, vai ser aumentar a
automação e a terceirização, “tendo em vista que será impossível fazer uma
recontratação em massa, sem ultrapassar o teto dos gastos”.
Tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC 139/2015), que pretende extinguir o abono de permanência. Na
época, vários foram os motivos que levaram a edição da PEC pelo Executivo. A
recessão econômica brasileira, com a desaceleração do crescimento da China,
agravada pela queda de braço entre o governo de Dilma Rousseff e o Congresso
Nacional, liderado por Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, em
conjunto com o embate político da recém-criada Operação Lava Jato. Foi então
que o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, propôs a PEC, sob o pretexto de
enxugar a máquina pública. “Na situação atual, o fim do abono não prospera”,
disse Emerson Casali.
Paulo César Régis de Souza, vice-presidente executivo da
Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social
(Anasps) há anos denuncia o caos no INSS. Para ele, o INSS Digital, no qual o
beneficiário marca consultas e atendimento pela internet, seria razoável, não
fossem as brechas e a previsão de contratação de mão de obra terceirizada para
suprir os aposentados. “Isso vai abrir as portas da corrupção. Não adianta
criar um superministério da Justiça e da Segurança Pública, para fora da
administração, e deixar que terceirizados com salários miseráveis acessem dados
sigilosos e, assim, se exponham aos corruptores”, disse Souza.
Ele denunciou que, embora o órgão ainda não tenha declarado,
a intenção é repor concursados com estagiários, que virão do Centro de
Integração Empresa-Escola (CIEE), com ganhos mensais aproximados de R$ 800. “O
controle, dessa forma, fica totalmente prejudicado. O tiro vai sair pela
culatra, e agravado pelo fato de que, mesmo os concursados do INSS – cerca de
70% com formação superior –, quando chegam no órgão, não têm mais treinamento.
Outras carreiras podem ter, mas lá isso acabou. O treinamento é no balcão, no
dia a dia. Imagine como será o atendimento desse pessoal sem qualificação. A
sociedade é que vai pagar o preço disso tudo”, denunciou Régis de Souza.
Sem milagre
No entender de Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional
das Carreiras de Estado (Fonacate), o caos anunciado comprova a necessidade de
revisão da lei do teto dos gastos. “Não tem como fazer milagre. Mesmo se
aposentando, o pessoal continua na folha de pagamento. O limite da expansão das
despesas por duas décadas engessa o orçamento. Não abre margem para
contratações. O novo governo vai ter que repensar essa alternativa, sob pena de
inviabilizar o serviço público”, destacou Marques. A manutenção dos servidores
agora em abono permanência também não vai funcionar, disse ele.
“São pessoas, na maioria, com mais de 60 anos. A máquina tem
que ser renovada. Chegará uma hora em que o novo presidente tem que parar de
bravatas e dizer a que veio. Atendimento eficiente à população não se resolve
por decreto, sem pessoal qualificado”, assinalou o presidente do Fonacate. Para
Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos
Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), o caos está claramente
instalado, tendo em vista as reclamações constantes da sociedade, e tende a
piorar. “Com essa reforma da Previdência que retira direitos, as pessoas querem
sair para não perder os que já têm. O serviço público vai ficando mais e mais
esvaziado”, destacou Silva.
Pela conjuntura que se avizinha, “devido às restrições aos
concursos até 2020, o serviço público federal pode entrar em um apagão geral
antes de 2021”, no entender do secretário-geral da Condsef. A entidade convocou
uma reunião do conselho deliberativo, em 8 de novembro, para tratar de diversos
assuntos. “Vamos fazer análises e estudos, com o objetivo de descobrir o que
fazer para tentar evitar o caos, agravado pelo contexto de aglutinação de
órgãos. Com uma redução de quase 50% no pessoal, não tem governo que consiga
manter a máquina funcionando”, reiterou Silva.
Fonte: Blog do Servidor