BSPF - 08/12/2018
Como o STF tem se comportado diante das alterações nos
regimes previdenciários desde a Constituição de 1988
No atual cenário de ampla discussão acerca das reformas que
serão realizadas pelo novo governo, ganha especial destaque a tão falada
Reforma da Previdência. Quer se dê andamento ao substitutivo da PEC n.
287/2016, quer ao novo projeto Armínio/Tafner ou ainda a um terceiro inédito,
vale analisar como o Judiciário tem se posicionado frente às últimas alterações
na Previdência Social. Afinal, embora possam ser identificadas lesões à
Constituição nas propostas já feitas, a questão tem importância política ímpar
e tudo indica que não encontrará resistência na Corte Suprema. Os limites
jurisprudenciais às Reformas da Previdência são muito mais frouxos do que se
poderia imaginar.
A primeira grande reforma na Constituição de 1988 no campo
previdenciário veio com a Emenda Constitucional n. 20/1998, que afastou a
natureza premial da aposentadoria e à vinculou à contraprestação de
contribuições pelo período trabalhado: o modelo tornou-se contributivo. Em seguida,
com a Emenda Constitucional 41/2003, a solidariedade foi agregada ao caráter
contributivo do regime, no qual a contribuição paga por cada segurado sustenta
todo o regime. A contrapartida, inclusive, passou a ser devida por aposentados
e pensionistas.
Essa imposição de contribuição a inativos ensejou um dos
julgamentos mais emblemáticos do STF. A Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) n. 3105 foi proposta no final de 2003 pela Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público (CONAMP) e, em pouco mais de 3 (três) anos, foi
apreciada pela Corte Suprema, que assentou o entendimento de que a exação
tributária é possível, mas não pode haver diferença de bases de cálculo entre
servidores públicos federais e dos demais entes federativos. Ou seja, foi permitida
a mudança de paradigma e apenas houve oposição à diferenciação desarrazoada,
contrária ao princípio da isonomia.
Pouco se fala da ADI n. 3104, proposta simultaneamente à ADI
n. 3105 também pela CONAMP, na qual se questiona a alteração das regras de
transição da Emenda Constitucional n. 20/1998 pela Emenda Constitucional n.
41/2003 para aqueles que ingressaram no serviço público até 16.12.1998. O
artigo 2º da Emenda de 2003 alterou o valor do benefício garantido a esses
servidores que, em princípio, corresponderia à totalidade da remuneração
percebida, segundo redação originária do §3º do artigo 40 da Constituição, e
passou a considerar a remuneração utilizada como base para as contribuições do
servidor. Em síntese, afastou-se a integralidade antes garantida.
A ADI n. 3104 foi julgada improcedente por maioria.
Prevaleceu o voto da ministra Carmen Lúcia, que aplicou ao caso o princípio do
tempus regit actum. Segundo a Relatora, não haveria desobediência do
Constituinte Reformador quando da alteração de critérios que ensejam o direito
à aposentadoria por meio de nova elaboração constitucional àqueles que ainda
não atenderam aos critérios da norma reformada. Haveria violação ao princípio
do retrocesso social apenas se se fosse negado direito à aposentadoria. Os
ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso igualmente
votaram pela improcedência da ADI.
Abriu a divergência o ministro Carlos Britto ao defender a
impossibilidade de retrocesso social. Segundo o magistrado, não seria nem
razoável e nem proporcional admitir que os servidores públicos ingressassem por
concurso no serviço público debaixo de determinadas regras assecuratórias
previdenciárias, e ficassem à inteira disposição da entidade mantenedora do
sistema previdenciário. Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello também
compuseram a minoria dissidente.
O ministro Gilmar Mendes, apesar de ter acompanhado a
Relatora, ponderou que o modelo binário de expectativa de direito/direito
adquirido seria pobre para analisar a alteração constitucional em comento.
Necessário considerar critérios de justiça material, afinal, diferentes seriam
as situações de servidores que estão a inaugurar sua vida funcional e daqueles
em fim de carreira, prestes a cumprir seus últimos dias antes da inativação. É
nesse cenário que se faz imprescindível regra de transição, justamente a que
foi atingida com a Emenda Constitucional n. 41/2003, então questionada. Ao se
alterar indefinidamente a norma transitória, o servidor estaria submetido a uma
corrida de obstáculos com obstáculos móveis.
Após as Emendas Constitucionais n. 41/2003 e n. 47/2005,
modificação mais relevante na Previdência veio com a Lei n. 13.135/2015, que
modificou as formas de concessão e duração da pensão por morte, mesmo sob forte
protesto da sociedade brasileira. Entre as diversas ADI`s propostas contra as
alterações promovidas, ainda nenhuma foi analisada. Muitas dessas ações,
inclusive, foram extintas por critérios formais, como ilegitimidade dos
requerentes.
Percebe-se que a Corte não demonstra interesse em se
imiscuir na Reforma. Por mais que o STF esteja cada vez mais politizado, cujas
decisões estão marcadas por um ativismo judicial, há questões que a Corte
simplesmente não interfere, principalmente quando o tema central envolve contas
públicas. O conservadorismo se faz presente quando se trata de dinheiro
público. Exemplos recentes são os julgamentos que afastaram a incorporação de
quintos e décimos de 1998 a 2001 e o afastamento do reajuste de 13,23% previsto
na Lei n. 10.697/2003.
Ainda que se vislumbre o desrespeito a garantias
constitucionais com a reforma da previdência, não parece oportuno acreditar que
o STF será o salvador da sociedade brasileira nesse caso. Os obstáculos da
corrida pela aposentadoria que os trabalhadores têm que enfrentar serão cada
vez mais altos e mais presentes nesse caminho.
Por Larissa Benevides Gadelha Campos – advogada do
escritório Torreão Braz Advogados.
Fonte: JOTA