BSPF - 13/01/2019
Confederação de servidores chama de "terrorismo sem
precedentes" propostas do governo Bolsonaro para o funcionalismo público.
A exoneração em massa com o objetivo de “despetizar” o
governo na Casa Civil, a promessa de campanha de Jair Bolsonaro de redução de
30% dos cargos comissionados e propostas de redução da estabilidade no
funcionalismo público têm estremecido Brasília.
Diante das possibilidades, no entanto, mudanças mais bruscas
para servidores concursados são vistas ainda com certa descrença, pela
dificuldade de execução. Especialistas também apontam para o baixo impacto
fiscal de cortes, se forem feitos de forma homogênea, e para a necessidade de
melhorar a gestão.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs a meta de corte
de 30% de comissionados, aqueles escolhidos por indicações políticas. Além
desses cargos, há ainda as Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE), que
só podem ser ocupadas por servidores concursados. Nesses casos, o funcionário
desenvolve algum projeto ou atividade de chefia e recebe uma gratificação por
isso.
Na avaliação de especialistas, seria melhor pensar em cada
órgão, em vez de adotar um número geral. Cientista político da Fundação Getulio
Vargas (FGV), Sérgio Praça sugere que o patamar poderia ser maior em empresas
estatais.
“Há excesso de comissionados e a gente não sabe os dados
direito. Cortar 30% poderia ser até pouco (...) Certamente há onde cortar na
Eletrobras e no grupo Petrobras”, afirmou ao HuffPost Brasil.
Para o cientista político, a mudança poderia melhorar os
lucros e o resultado. “A melhoria de governança corporativa poderia significar
ter impacto financeiro da empresa”, afirmou. Ele também aponta como positiva a
possibilidade de redução de escândalos de corrupção, como os investigados na
Caixa Econômica Federal.
Por outro lado, em alguns órgãos, o corte deveria ser menor,
defende Roberto Ellery, professor de Economia da UnB (Universidade de
Brasília). ”Às vezes a impressão que a gente tem é que é um número que sai um
pouco da cartola para fazer discurso e ter notícia. Tem que ser caso a caso.
Alguns ministérios precisam dos cargos comissionados para funcionar”, afirmou à
reportagem.
O especialista destaca que muitos desses funcionários são
fundamentais para o andamento da máquina pública e que, em alguns ministérios,
são eles que fazem a ponte com prefeituras, de modo que a extinção dos cargos
pode prejudicar os serviços na ponta.
“No caso atual, que é muita gente que nunca esteve no
governo, o cara fica com a impressão de que é fácil, de que ‘é cabide de
emprego, só apadrinhado político e tiro todo mundo’, mas não é bem assim”,
completa.
Um exemplo de dificuldade para cumprir com as atividades do
dia a dia ocorreu na última semana na Casa Civil, após as demissões definidas
pelo ministro Onyx Lorenzoni. A Comissão de Ética da Presidência da República,
por exemplo, foi paralisada, após a saída de 16 de seus 17 funcionários.
Os comissionados também custam mais barato para o Estado, em
parte, porque não têm alguns benefícios sociais, como o FGTS (Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço). Eles também não têm direito a receber seguro-desemprego,
caso demitidos. Outra vantagem para o governo é a facilidade de nomeação, sem
necessidade de concurso.
Quanto custam os comissionados
De acordo com informações do extinto Ministério do
Planejamento, no final de 2018, existiam 32.589 posições comissionadas no
Executivo federal, sendo que 6.099 postos poderiam ser diretamente indicados
pelo presidente. Outras 26.490 vagas estão fora da administração federal direta
ou são exclusivas para servidores concursados, nas funções comissionadas.
A soma não inclui Legislativo, Judiciário nem vagas estaduais
e municipais.
Em 2017, os cofres públicos gastaram R$ 312 milhões com os
cargos comissionados e R$ 206,1 milhões com as funções comissionadas.
Mas ao olhar o total de servidores, o número é pequeno. O
Brasil tem 633.969 servidores na ativa, sem contar os do Banco Central (Bacen)
e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Em comparação com o total, os
comissionados são 5,1% do pessoal da ativa.
Como se cortam cargos no governo?
O discurso de cortes também foi adotado por outros governos.
Em 2016, quando assumiu a Presidência da República, Michel Temer anunciou o
corte de cargos e funções comissionadas. O Planalto também decidiu, na época,
transformar, por meio de Medida Provisória, 10.462 cargos DAS (Direção e
Assessoramento Superior) em funções comissionadas, com o objetivo de
profissionalizar o funcionalismo.
Cargos e apadrinhamento político
Categoria mais usada nas negociações do governo que envolvem
acomodação de apadrinhados políticos, os cargos DAS, em geral, caíram de 16.358
em janeiro de 2017 para 11.397 em outubro do mesmo ano, mas um decreto
publicado em abril dobrou o número de cargos DAS de baixo escalão que podem ser
ocupados por pessoas sem concurso.
Há 6 categorias, sendo que os DAS de 1 a 4 são considerados
de baixo escalão, como superintendentes estaduais de órgãos federais, por
exemplo. Já os cargos DAS 5 e 6 são ocupados por assessores especiais e chefes
de departamentos, em geral. As remunerações variam de R$ 2.585,13 (DAS-1) até
R$ 16.215,22 (DAS-6). Já as funções existem em oito níveis diferentes, de R$
1.551,09 até R$ 5.955,97.
No caso do governo Bolsonaro, a própria Medida Provisória
870 de 2019, que estabeleceu a estrutura da nova Esplanada dos Ministérios,
abriu caminho para reacomodação de vagas. Quando um ministério é extinto, as
secretarias que o compõem costumam ser realocadas em outras pastas.
A regra geral é que concursados não perdem o emprego. Uma
pessoa que trabalhava no extinto Ministério do Trabalho, por exemplo, pode ser
realocada no Ministério da Economia.
A criação, extinção e transformação de cargos públicos é
feita por meio de lei ou medidas provisória, se houver urgência.
Há dúvidas, contudo, sobre o destino de servidores caso
algumas atividades tenham fim, como a fiscalização agropecuária, ideia cogitada
pela nova gestão. “Se isso fosse adiante, estaria acabando com o trabalho do
auditor agropecuário e é uma questão delicada. Certamente acabaria no STF
(Supremo Tribunal Federal)”, afirma Praça.
Irregularidades em demissões de servidores no governo de
Fernando Collor, quando 100 mil funcionários foram demitidos, foram parar na
Justiça e levaram à reintegração em alguns casos. Assim como o ex-presidente
eleito com o discurso de “caçador de marajás”, Bolsonaro afirmou em campanha
que há uma “fábrica de marajás” no funcionalismo público.
Estabilidade do servidor público
Além dos cortes de indicações políticas, o governo Bolsonaro
estuda mudanças mais profundas, como a redução da estabilidade do servidor
público. Há, contudo, uma descrença de que a alteração, que precisa passar pelo
Congresso Nacional, vá adiante. Além de ser necessária uma mudança na
Constituição, dependendo da proposta, a influência de servidores sobre os
parlamentares é outro entrave.
O economista Roberto Ellery aponta ainda para dificuldade de
articulação política. “Duvido que aconteça nesse governo. Tem muita coisa pra
fazer para conseguir chegar nessa discussão”, afirmou, em referências às
reformas previdenciária e tributária e às privatizações.
Diante de falas da equipe de Bolsonaro, contudo, a Condsef
(Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal) tem se mobilizado.
“Isso é terrorismo sem precedentes”, classificou o secretário-geral da
instituição, Sérgio Ronaldo da Silva, sobre o fim da estabilidade do
funcionalismo.
“Qualquer tentativa de retirar direito vai ter reação e
vamos nos organizar. Serviço público é permanente e governo tem prazo de
validade”, disse.
Para Silva, cortes podem ter impacto direto na qualidade dos
serviços. “A estabilidade é para prevenir o trabalhador de maus gestores
políticos que não têm projeto. Não é prerrogativa para blindar servidores”,
afirmou.
A Constituição prevê a demissão de servidores apenas em
casos de sentença judicial por processo administrativo ou por insuficiência de
desempenho. A prerrogativa é fundamental, por exemplo, para a atuação livre em
investigações feitas por promotores de Justiça ou delegados, por exemplo.
Em 2017, 506 agentes públicos foram expulsos, sendo 424
demissões de funcionários efetivos, 56 cassações de aposentadorias e 26
destituições de ocupantes de cargos em comissão, de acordo com a CGU
(Controladoria-Geral da União).
A Condsef aguarda propostas sobre privatizações para avaliar
qual será a linha de atuação. A Confederação abriga estatais como EBC (Empresa
Brasileira de Comunicação) e a Valec, ligada à infraestrutura rodoviária. Em
geral, durante a tramitação no Congresso, são feitas negociações para
realocação de concursados. Em novembro, a EBC lançou um plano de demissão
voluntária para funcionários.
Fonte: HuffPost Brasil