Congresso em Foco
- 27/02/2019
O Senado deve retomar, ainda neste semestre, uma discussão
polêmica que afeta a vida de servidores públicos efetivos em todo o país: a
fixação de regras para a demissão por baixo desempenho. O senador Lasier
Martins (Podemos-RS) se articula para puxar da Comissão de Assuntos Sociais
(CAS) para o Plenário uma proposta que, na prática, flexibiliza a estabilidade
do funcionalismo – tema considerado tabu no Congresso desde a Constituição de
1988.
Lasier relatou o Projeto de Lei Complementar 116/2017,
aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em outubro de 2017, e
busca o apoio do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e dos ministros
da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Economia, Paulo Guedes, para viabilizar a
aprovação da medida.
Pela proposta, a avaliação será feita anualmente por uma
comissão e levará em conta, entre outros fatores, a produtividade e a qualidade
do serviço. Poderá ser exonerado quem receber nota inferior a 30% da pontuação
máxima por duas avaliações consecutivas ou tiver desempenho inferior a 50% em
três das últimas cinco avaliações.
Depuração
Para o senador, que foi um dos principais articuladores da
eleição de Davi Alcolumbre, as regras são necessárias para “depurar” o serviço
público e auxiliar no ajuste das contas públicas. “Vamos mexer com os brios de
quem rende pouco. Muitos se atiram nas cordas porque se acomodam. Nossa
intenção é atingir aqueles acomodados, os fantasmas e os indolentes, jamais o
bom servidor”, afirmou o parlamentar gaúcho ao Congresso em Foco. “Vou dar um
‘ligeirão’ nele para levá-lo ao plenário. O governo também quer a qualificação
do serviço público”, acrescentou. Lasier já pediu audiência com Onyx, com quem
pretende abrir negociações no governo.
Tanto o relator quanto a autora do projeto, a senadora Maria
do Carmo (DEM-SE), defendem uma mesma avaliação periódica de desempenho para
todos os servidores públicos, sejam eles federais, estaduais ou municipais. A
justificativa é de que a regulação por cada ente federativo levaria a regimes
bastante diferenciados de aferição do desempenho funcional, com reflexos sobre
a extensão da estabilidade.
O assunto, porém, não é pacífico. Advogados trabalhistas
consultados pelo Congresso em Foco consideram que a iniciativa só poderia
partir do Executivo e que não há como uma mesma norma estabelecer critérios
para a avaliação para servidores federais, estaduais e municipais. Eles
entendem que cabe a governadores e prefeitos definir as regras para o
funcionalismo em seus respectivos estados e municípios. Sustentam, ainda, que a
demissão só pode ocorrer após esgotados todos os recursos em processo
administrativo. Entidades de classe ligadas ao funcionalismo qualificaram a
proposta, em audiências realizadas no Senado, como uma tentativa de desmonte do
serviço público.
Movimento em outras frentes
Além do projeto de lei complementar no Senado, há outros
dois movimentos em favor da flexibilização da estabilidade no serviço público:
um feito pelos governadores e outro por integrantes da equipe econômica.
Em carta entregue ao presidente Jair Bolsonaro, em novembro,
19 dos 27 governadores reivindicaram, entre outras coisas, mudança na
legislação para permitir que servidores efetivos sejam demitidos de maneira
mais célere. A medida, segundo eles, faz-se necessária em alguns casos para que
as contas públicas possam se enquadrar à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A Constituição permite a demissão caso o limite com despesas
com pessoal não seja atendido. Esse teto, fixado pela LRF, é de 49% da Receita
Corrente Líquida para a União e de 60% para estados e municípios. Antes disso,
porém, o governo precisa reduzir em pelo menos 20% os gastos com cargos
comissionados e exonerar servidores que ainda não completaram os três anos de
estágio probatório. Mas os governadores alegam que esses desligamentos costumam
ser contestados na Justiça. De acordo com o Tesouro Nacional, 14 estados
comprometem mais de 60% de suas receitas com a folha de pagamento.
No fim do ano passado, o então ministro do Planejamento,
Esteves Colnago, entregou à equipe de transição do governo Bolsonaro um
documento sugerindo instrumentos para avaliação de desempenho dos servidores.
Colnago integra hoje o time de Paulo Guedes como secretário-geral adjunto da
Fazenda. Para ele, é necessário "aprimorar a possibilidade de medir o
desempenho dos servidores e caminhar para o processo de demissão". O
Congresso em Foco questionou o ministério se há alguma proposta sobre o assunto
em discussão. Mas ainda não houve retorno.
Regras de avaliação
O projeto relatado por Lasier regulamenta o artigo 41,
parágrafo primeiro, da Constituição. Esse dispositivo já determina que o
servidor estável – após os três anos de estágio probatório – corre risco de
perder seu posto de concursado em caso de resultado insatisfatório “mediante
procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei
complementar, assegurada ampla defesa”. O que o texto em discussão promove é a
definição de normas mais específicas para a execução de tais testes, com
pontuação por desempenho.
Em seu parecer, Lasier flexibilizou a redação dada pela
senadora Maria do Carmo ao, por exemplo, dobrar o período de testes a que o
servidor concursado com desempenho considerado insuficiente deverá ser
submetido – em vez de exame a cada seis meses, o senador propôs sabatina anual.
O relator também aumentou de um para três o número de avaliadores – no primeiro
texto, a tarefa cabia apenas ao chefe de departamento, situação que poderia
suscitar casos de perseguição.
De acordo com a proposta aprovada pela CCJ, essa banca
examinadora passaria a contar com um profissional de nível e setor equivalentes
ao do servidor examinado e outro do departamento de recursos humanos. “A
avaliação será feita anualmente por uma comissão de três pessoas. Se o servidor
tirar nota inferior a 3, ele ainda terá uma segunda chance. Se, em cinco anos,
não tirar nota 5, também passará por processo de exoneração. Ele tem de ser
eficiente”, defende Lasier.
Proteção constitucional
A estabilidade foi incluída na Constituição para proteger o
funcionário público de demissões arbitrárias e ilegais, sobretudo, com as
mudanças de governo. O texto constitucional estabelece que o servidor público
estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em
julgado, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla
defesa; por meio de procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma
da lei complementar, assegurada a ampla defesa.
No processo administrativo disciplinar, a demissão é a
penalidade mais grave e pode ser aplicada àquele que praticou uma falta
gravíssima, cuja ação ou omissão causou prejuízo elevado ao órgão público, como
em caso de corrupção, por exemplo.
De acordo com o substitutivo, a apuração do desempenho do
funcionalismo deverá ser feita entre 1º de maio de um ano e 30 de abril do ano
seguinte. Produtividade e qualidade serão os fatores avaliativos fixos,
associados a outros cinco fatores variáveis, escolhidos em função das
principais atividades exercidas pelo servidor no período. Estão listados, entre
outros, “inovação, responsabilidade, capacidade de iniciativa, foco no
usuário/cidadão”. Depois da CAS, outras duas comissões precisam analisar o
projeto antes de ele chegar ao plenário caso Lasier Martins não consiga
abreviar a tramitação.
Por Edson Sardinha - Formado em Jornalismo pela Universidade
Federal de Goiás em 2000. Integra a equipe do Congresso em Foco desde o
lançamento do site, em 2004.