BSPF - 10/03/2019
A aprovação em concurso público costuma ser a realização de
um sonho, a compensação de muitas horas de estudo e privações, o primeiro passo
de uma nova fase na vida do candidato. Em alguns casos, no entanto, também pode
significar o ingresso em um longo ciclo de espera, angústia e frustração.
Esse foi o caso do professor de história João Flávio de
Castro Moreira. Aprovado dentro do número de vagas no concurso de 2003 para a
carreira do magistério público do Distrito Federal, ele mudou todos os planos
na expectativa de assumir logo o cargo. Saiu de Belo Horizonte, onde se formou,
e veio para Brasília aguardar a nomeação. Mal sabia que só conseguiria ser
efetivado como professor seis anos depois.
Diante do edital confuso, em que se previa a regionalização
das vagas, com a classificação dos candidatos em uma lista geral e em outra
específica, pela região de escolha, João Flávio foi vendo a aguardada nomeação
ficar cada vez mais longe.
Ele havia optado pela região da cidade do Gama, no turno
diurno, em que havia cinco vagas para professor de história, tendo sido
aprovado em quinto lugar. No entanto, a demora para ser chamado forçou-o a
procurar outros meios de trabalhar em sala de aula.
“A minha expectativa foi frustrada e eu peguei contratos
temporários, ocupando as vagas de professores que se aposentaram ou foram
exonerados – carências que deveriam ser supridas pelos concursados. Ganhava
menos que os professores da carreira e não era todo ano que eu conseguia o
contrato temporário. Minha filha nasceu nesse período, foi bem difícil”,
lembra.
Preterição
Pouco antes de se esgotar o prazo de validade do concurso,
em janeiro de 2007, ele ingressou com um mandado de segurança no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal (TJDF), com pedido de liminar.
Além do direito de ser convocado por ter passado no número
de vagas previsto no concurso, João Flávio alegou que a Secretaria de Educação
estava desrespeitando a ordem de classificação dos candidatos para
aproveitamento em outras regiões, descumprindo assim o edital, pois em uma das
convocações foram chamados candidatos em colocações inferiores à dele.
O TJDF não deu a liminar e também denegou a segurança por
entender que a aprovação em concurso público gerou ao candidato aprovado apenas
a expectativa de direito à nomeação para o cargo. Para o tribunal, o professor
não conseguiu demonstrar a preterição da ordem de classificação, não sendo
vislumbrado vício algum na atuação da administração pública.
Após a decisão do TJDF, o Ministério Público do Distrito
Federal (MPDF) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que fosse
determinada a nomeação de João Flávio no cargo público, sob a alegação de
preterição.
Para o MPDF, a imprecisão de informações e o desacerto na
prática de vários atos administrativos, para os quais João Flávio não
contribuiu, impediram-no de exercer seu direito líquido e certo de ocupar o
cargo para o qual foi legitimamente aprovado.
Normas do edital
De acordo com as normas do edital, a convocação dos
aprovados deveria obedecer inicialmente, com exatidão, a forma de suas
inscrições – ou seja, deveria seguir o cargo, o componente curricular, a região
e o turno escolhidos pelo candidato no momento em que se inscreveu no certame.
Realizadas as convocações de todos os aprovados para aquele
turno, mas ainda havendo carência naquela regional, seriam convocados os
candidatos independentemente do turno pretendido.
Esgotadas as convocações dessa forma, e ainda havendo vagas,
seriam convocados candidatos de uma regional para suprir outras. Em todas essas
situações, não poderiam ser desconsideradas as notas finais obtidas pelos
candidatos.
Contudo, no caso de João Flávio, foi exatamente o que
aconteceu. No componente curricular história, foram nomeados candidatos para
suprir as necessidades de regionais diversas das escolhidas pelos candidatos,
sem observar as notas finais obtidas no concurso.
Nas contrarrazões ao recurso especial do MPDF, o Distrito
Federal alegou que o candidato aprovado teria apenas expectativa de direito à
nomeação para o cargo, e que não caberia ao Judiciário controlar os atos do
administrador público, em vista dos critérios de conveniência e oportunidade.
Dessa forma, argumentou que inexistira direito líquido e certo, bem como
ilegalidade na atuação da Secretaria de Educação.
Alívio
Em 16 de abril de 2009, o recurso especial chegou para ser
julgado na Quinta Turma do STJ, sob a relatoria do ministro Arnaldo Esteves
Lima (hoje aposentado). Em seu voto, o ministro entendeu que, pelas regras do
edital, o recorrente foi aprovado dentro do número de vagas para o cargo
pleiteado.
Ao citar precedentes do tribunal, o relator afirmou que “é
firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o
candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital possui direito
subjetivo à nomeação”. Assim, determinou a nomeação de João Flávio.
Na ocasião, o professor estava em São Paulo com uma bolsa de
doutorado. “No momento em que eu soube da decisão, foi um alívio diante de uma
injustiça cometida. A minha reação foi de alegria”, disse.
A nomeação saiu no Diário Oficial do Distrito Federal em 11
de novembro de 2009. Hoje, ele leciona para alunos do ensino médio em
Ceilândia, mas, nesses quase dez anos como professor, já passou por diversas
regionais, como Gama e Samambaia.
Direito líquido e certo
Antes mesmo do recurso de João Flávio ser julgado, os
ministros do STJ já se preocupavam em conter eventuais abusos nos concursos –
em especial os que se escondiam em atos discricionários. Assim, o tribunal
formou, ao longo dos anos, uma jurisprudência no sentido do direito à nomeação
do candidato aprovado nas vagas do edital, a não ser que houvesse a adequada
motivação da administração pública.
Em 2011, com o julgamento do Recurso Extraordinário 598.099
sob o regime da repercussão geral (Tema 161), o Supremo Tribunal Federal (STF)
consolidou essa proteção aos aprovados. O recurso teve origem no STJ, no
Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 25.780, relatado pelo ministro
Napoleão Nunes Maia Filho.
Nesse julgamento, o STF confirmou a tese assentada no STJ
sobre a existência de direito subjetivo à nomeação em cargo público por
candidato aprovado dentro do número de vagas constante em edital.
O STF definiu que, pelos princípios da boa-fé, da proteção
da confiança e da segurança jurídica, o edital de concurso vincula a
administração pública: se o edital estabelece cláusula prevendo a necessidade
de preenchimento de um determinado número de vagas, o candidato aprovado dentro
desse contingente tem o direito líquido e certo à nomeação, ressalvada a
hipótese excepcional e imprevista de necessidade pública de não proceder ao
provimento (o que, todavia, deve ser explicitamente fundamentado, sendo, ainda,
passível de controle pelo Judiciário).
Fonte: Assessoria de Imprensa do STJ