O Dia - 24/03/2019
Funcionários que acreditavam que se aposentariam com
benefício integral agora estão à deriva
Rio - Os servidores do país que ingressaram no setor público
até 31 de dezembro de 2003 estão literalmente à deriva no projeto da Nova
Previdência que o governo enviou ao Congresso Nacional. A Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 6 — que reforma as regras previdenciárias dos trabalhadores
da iniciativa privada e do funcionalismo civil — não prevê transição a esse
grupo. A grande questão colocada pelas categorias é que muitos funcionários já
estão cumprindo um pedágio para conseguirem se aposentar com o benefício
integral e com direito à paridade (mesmos reajustes que o pessoal da ativa).
Algumas emendas (como a 41, de 2003; e a 47, de 2005) que
reformaram a previdência já obrigam esses servidores a passarem por uma
transição — no caso daqueles que desejam a integralidade das aposentadorias. Só
que a PEC 6, no capítulo III, trata de pedágios, mas não detalha como fica a
situação dos trabalhadores que estão no serviço público desde antes de 2004.
Na prática, eles terão que trabalhar muito mais do que o
previsto atualmente, sendo que alguns já estão fazendo isso em decorrência de
transição que está sendo cumprida.
Essa lacuna na proposta será questionada por representantes
do funcionalismo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Serão levados
ainda outros pontos ao colegiado: a Frente Associativa da Magistratura e do
Ministério Público (Frentas) e o Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado
(Fonacate) elaboraram análises jurídicas sobre alguns pontos considerados
inconstitucionais, como a progressividade de alíquota previdenciária.
Insegurança jurídica
Segundo o presidente do Fonacate, Rudinei Marques, depois da
CCJ, a ideia é propor emendas na Comissão Especial para, por exemplo, prever
uma transição a quem já está cumprindo o pedágio.
"A PEC 6 acaba com o pedágio de agora e diz: agora
mudou, agora não é mais assim. Então, no primeiro momento, estamos demonstrando
para a CCJ que há inconstitucionalidade nesse ponto, pois não se pode passar
por cima de uma transição já existente, isso cria insegurança jurídica",
alegou.
Marques disse ainda que as categorias vão negociar que se
possa sim estabelecer um pedágio, mas sem impor mais sacrifícios. "Por
exemplo, trabalhar 55% do tempo a mais do que se trabalharia".
Regras iguais às do setor privado
Diversos pontos da PEC 6 estão sendo discutidos por estados
e municípios. A última reunião que ocorreu foi na quarta-feira — mesmo dia da
apresentação do projeto de reforma previdenciária dos militares —, em Brasília,
e teve a presença dos presidentes do Rioprevidência (autarquia do estado),
Sérgio Aureliano, e do Previ-Rio (do Município do Rio), Bruno Louro.
Aureliano vem organizando encontros com os gestores de
fundos previdenciários dos entes, com objetivo de alinhar entendimentos sobre a
reforma. À Coluna, ele disse que sua interpretação é de que a integralidade e a
paridade não estarão previstas nem aos servidores que ingressaram no setor
público até o fim de 2003.
"Só as pessoas que tiverem atingido todos os requisitos
para a aposentadoria integral que têm esse direito adquirido e poderão se
aposentar dessa forma. Os outros servidores só têm expectativa de direito, que
é bem diferente", declarou o dirigente do Rioprevidência.
Aliás, essa mesma observação foi colocada pelo presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na última terça-feira, antes da apresentação da
proposta dos militares e de estourar a crise entre ele o presidente Jair
Bolsonaro. Maia admitiu ainda que o funcionalismo vai querer discutir a
garantia da integralidade.
No entanto, esse raciocínio não é compartilhado entre todos
os administradores dos regimes próprios, e isso ficou claro na reunião de
quarta-feira.
Bruno Louro, por exemplo, ressaltou que a PEC 6 é clara
nesse sentido. Ele, que além de presidente é servidor de carreira do Previ-Rio,
destacou que, por outro lado, o projeto cria mecanismos que acabam dificultando
o funcionário público que entrou até 2003 a se aposentar pela integralidade.
"Ficou claro na redação da PEC (a garantia aos
servidores de antes de 2004). Contudo, na verdade, o texto não tem uma
transição para esse grupo. Alguns artigos têm diversos mecanismos e
peculiaridades que acabam dificultando com que essa conta seja fechada".
Ele simulou alguns casos, e mesmo com variações, fato é que se exigirá muito
mais tempo de contribuição no setor público.
Regras iguais às do setor privado
Se a proposta for aprovada da forma que está, os servidores
da União, estados e municípios, que, atualmente, de forma geral, se aposentam
com a idade de 60 anos (se homens) e 55 anos (mulheres), só poderão ir para a
inatividade com 65 e 62, respectivamente. Isso desde que tenham completado 25
anos de contribuição, 10 anos de funcionalismo e 5 anos no cargo em que se dará
a aposentadoria.
O texto prevê ainda que o cálculo do benefício será o mesmo
que o aplicado aos trabalhadores privados, ou seja, do Regime Geral de
Previdência Social (RPPS).
Outro ponto é a aplicação imediata e em caráter provisório
do desconto de 14% sobre os salários dos servidores dos estados (sendo que o
Estado do Rio já implementa), Distrito Federal e municípios.
Em relação aos servidores da União, a alíquota de
contribuição será progressiva, de acordo com as faixas salariais. Para quem
ganha até R$ 998, um salário mínimo, o desconto será de 7,5%. Quem tem
remuneração entre R$ 2 mil e R$ 3 mil será de 12%, podendo alcançar os 22% para
as categorias com salários mais altos, acima de R$ 39 mil.
Por Paloma Savedra