Consultor Jurídico
- 30/04/2019
É inválida a regulamentação administrativa que impõe
limitação de carga horária semanal como empecilho para a acumulação de cargos
públicos. Esta é a tese firmada pelo plenário da Advocacia-Geral da União ao
revogar e pedir a revisão do Parecer GQ-145 que limitava a 60h semanais a
jornada total no acúmulo de cargos públicos.
O parecer foi enviado à presidência da República e, se
sancionado por Jair Bolsonaro, vai virar lei.
O caso analisado dizia respeito à acumulação de dois cargos
públicos com carga horária de 40 horas semanais, um de membro da
Advocacia-Geral da União e outro de professor em Universidade Federal.
A conclusão adotada foi no sentido de que é ilícita a
acumulação de cargos ou empregos públicos que sujeitem o servidor a regimes de
trabalho que totalizem carga horária de 80 horas semanais, tendo em vista a
impossibilidade fática de harmonização de horários, e é lícita a acumulação de
60 horas desde que comprovada a ausência de sobreposição entre os horários de
início e fim das jornadas de trabalho.
O colegiado analisou processos da Procuradora da Fazenda
Nacional remetidos à Câmara Nacional de Uniformização de Entendimentos
Consultivos que tratam da revisão do entendimento adotado no Parecer GQ-145.
Prevaleceu o entendimento do relator, o advogado da União Rafael Figueiredo
Fulgêncio. Para ele, o tema da compatibilidade de horários para a acumulação de
cargos públicos é dos mais controvertidos do Direito Administrativo.
"Prova disso é a diversidade de opiniões que se
encontra na doutrina a respeito do assunto e, especialmente, a hesitação
observada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de
Contas da União, que, em curto espaço de tempo, adotaram entendimentos
diametralmente opostos sobre a matéria", diz.
Segundo ele, a eventual definição da carga horária máxima
passível de ser assumida pelos servidores públicos dedicados a determinadas
funções ou postos de trabalho é matéria reservada à lei, cabendo ao Congresso
Nacional a regulamentação do requisito constitucional da compatibilidade de
horários.
"É importante ressaltar, porém, que a mera inexistência
de sobreposição de horários não é suficiente, por si só, para atestar a
licitude da acumulação de cargos, cabendo a cada um dos órgãos e entidades
públicos envolvidos a efetiva verificação da ausência de prejuízo às atividades
exercidas em ambos os vínculos com a Administração Pública", aponta.
Segundo o relator, a política de limitação da duração do
trabalho tem como objetivo a garantia de condições dignas ao trabalhador,
preservando sua saúde e a segurança do local de trabalho e permitindo a
harmonização de sua ocupação profissional com sua vida familiar e afetiva.
"Podemos dizer que há uma realização de valores
estruturais de nosso sistema constitucional. A decisão adotada na Constituição
de 1988 de garantir ao trabalhador e, mais especificamente, ao servidor público
jornada de trabalho com duração máxima de oito horas diárias e 44 semanais,
está alinhada com as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
que, em relatório publicado no ano de 2009, aponta como insalubre o trabalho em
jornada regular de 50 horas semanais."
Em outra linha de argumentação pertinente à discussão, o
relator cita o princípio da eficiência do serviço público.
"Devemos ponderar o fato de que o servidor público que
se sujeita a carga horária de trabalho excessiva tem, naturalmente, seu
rendimento diminuído, acarretando potencial prejuízo ao funcionamento das
estruturas administrativas nas quais inserido. A melhor orientação a ser
dirigida à Administração Pública Federal no presente momento é a que se extrai
da jurisprudência do STF e do TCU. Segundo eles, a compatibilidade de horários
deve se basear na análise da situação fática a que se submete o servidor
público interessado, sendo insuficiente o cotejo do somatório de horas
resultante da acumulação com padrão estabelecido em ato infralegal",
avalia.
De acordo com o advogado da União, a Constituição de 1988,
ao definir as hipóteses de acumulação de cargos públicos, não estabeleceu
qualquer limite de carga horária, orientação que foi seguida pela legislação
ordinária.
"Assim, carece de fundamento legal a decisão
administrativa que veda a acumulação de cargos públicos com base em presunção
absoluta de incompatibilidade de horários decorrente da mera extrapolação de
carga horária prevista abstratamente. A corroborar tal entendimento, tem-se que
o legislador ordinário, nas hipóteses em que decide pela necessidade de
limitação das atividades profissionais dos servidores que exercem determinadas
funções públicas, vem sujeitando-lhes a regimes diferenciados", explica.
Na prática
A questão do requisito constitucional da compatibilidade de
horários para a acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos foi
equacionada no âmbito do serviço público federal pelo Parecer GQ-145, aprovado
pela Presidência da República no ano de 1998.
A acumulação de cargos, empregos e funções públicas desde há
muito tempo é tratada como possibilidade excepcional no Direito brasileiro,
pois a regra é o exercício de um único cargo, emprego ou função, subordinado ao
regime de dedicação integral. A Constituição de 1988 seguiu a tradição.
Entretanto, em 1998, a AGU emitiu o Parecer GQ-145, com
força vinculativa para a administração federal, no sentido de que "a
acumulação de cargos públicos exige compatibilidade de horários para ser
considerada legal, sendo o limite máximo do somatório das jornadas de trabalho
60 horas".
Por Gabriela Coelho