BSPF - 12/06/2019
Em sessão extraordinária realizada na manhã desta
quarta-feira (12), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o
julgamento de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
6121, que pede a suspensão de dispositivos do Decreto 9.759/2019, sobre a
extinção de colegiados da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional.
O decreto foi assinado pelo presidente da República, Jair
Bolsonaro, e fixa a data de 28 de junho de 2019 para a extinção dos colegiados
instituídos por decreto e aqueles mencionados em lei nas quais não conste a
indicação de suas competências ou dos membros que o compõem.
O julgamento teve início com a leitura do relatório, a
manifestação das partes envolvidas na ação e das entidades acolhidas como amici
curiae (amigas da Corte) e a apresentação do voto do relator, ministro Marco
Aurélio.
A ação, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT),
argumenta que a criação e extinção de órgãos da administração pública é matéria
de iniciativa do Congresso Nacional e que a medida representa uma violação aos
princípios da segurança jurídica, republicano, democrático e da participação
popular. Pede a concessão de liminar para suspender os artigos 1º, parágrafo
único, inciso I, e 5º, do decreto.
Relator
O ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto, destacou a
urgência do julgamento pelo Plenário, uma vez que o decreto presidencial
atacado prevê a extinção dos conselhos e demais colegiados a partir deste 28 de
junho. Acrescentou caber ao STF deliberar tão somente sobre o objeto da ação e
salientou a importância do princípio da separação dos poderes, da soberania
popular e do controle do Judiciário na observação dos critérios a serem
adotados para criação e extinção de órgãos públicos, nos termos do o artigo 48,
inciso XI, da Constituição Federal.
Na avaliação do relator, não pode o chefe do Executivo, em
ato unilateral, extinguir colegiados, sejam eles conselhos, comitês, câmaras ou
grupos consultivos, deliberativos ou judicantes que tenham sido criados com
aprovação do Congresso Nacional. “Descabe fulminar os colegiados da
administração pública de cambulhada sob pena de apanhá-los em pleno e efetivo funcionamento”,
disse.
Nesse sentido, o ministro Marco Aurélio votou pelo
deferimento parcial da medida cautelar para, suspendendo a eficácia do artigo
1º, inciso I, do Decreto 9.759/2019, afastar, até o exame definitivo da ADI, a
possibilidade de ter-se a extinção por ato unilateralmente editado pelo chefe
do Executivo nacional de colegiado cuja existência encontre menção em lei em
sentido formal, ainda que ausente expressa indicação de suas competências ou
dos membros que o compõem.
Ainda em seu voto, o ministro Marco Aurélio suspende, por
arrastamento, a eficácia de atos normativos posteriores a promoverem, na forma
do artigo 9º do Decreto 9.759/2019, a extinção dos órgãos. Segundo ele, no
texto do decreto revela-se nítida tentativa empreendia pelo chefe do Executivo
de "escantear" o Legislativo do processo de decisão sobre os
colegiados a serem mantidos e aqueles que serão extintos, “pouco importando que
o colegiado tenha surgido com a participação do Congresso”.
“Ele [presidente da República] pode vetar a lei, mas não
pode simplesmente afastar do cenário nacional uma lei criadora de um órgão”,
afirmou o relator, destacando o que chamou de “louvável preocupação com a
racionalização da máquina pública e economia dos recursos públicos buscados no
Decreto 9.759/2019”. Entretanto, ressaltou que tal premissa não legitima
atropelos e atalhos à margem do figurino legal, enfatizando que “os fins não
justificam os meios”.
Assim, salienta em seu voto que “a liminar fica limitada a
afastar atos do Poder Executivo Central que impliquem fulminar órgão público
decorrente de lei em sentido formal e material”.
Autor
Pelo Partido dos Trabalhadores, o advogado Eugênio Aragão
defendeu a inconstitucionalidade dos artigos 48 (inciso XI), 84 (inciso VI,
alínea “a”) e 88 da Constituição Federal. Sustentou que o decreto presidencial
suprime conselhos instituídos por lei usurpando competência legislativa.
Afirmou que a regulamentação da matéria, que envolve criação e extinção de
órgãos da administração pública, é reservada a lei em sentido formal, aprovada,
portanto, no Congresso Nacional. Pelos motivos expostos pediu a concessão da
medida liminar e, no mérito, a procedência da ação para declarar
inconstitucionais os dispositivos atacados na ação.
O advogado citou diversos conselhos que podem ser extintos a
partir de 28 de junho deste ano pelo decreto. Entre eles o Conselho de Recurso
do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), a Comissão Interministerial de
Governança (CGPAR), a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio), a Comissão
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais
(CNPCT) e a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Direitos Humanos
Pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Carlos
Nicodemos ratificou o pedido formulado na ação, destacando os avanços sociais
trazidos pela atuação de muitos dos conselhos que estão sendo ameaçados de
extinção. Destacou o trabalho do Conselho Nacional de Pessoa com Deficiência
que contribuiu para a aprovação da Lei 10.436/2002, que institui a Língua
Brasileira de Sinais (Libras). Afirmou que o decreto presidencial promoveu uma
ação desordenada contra a política nacional de direitos humanos, com violação
de preceitos fundamentais, como a participação popular na definição das
políticas públicas sobre direitos sociais do país.
LGBT
Representando a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais, José Sousa de Lima afirmou temer pela
extinção do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT. Disse que o
conselho faz um trabalho sério e que supre a falta de representatividade do
setor no Congresso Nacional para lutar por seus direitos. Segundo ele, o
decreto encontra óbice no princípio do não retrocesso social que impede que
sejam desconstituídos os avanços sociais já alcançados.
Defensoria
Pela Defensoria Pública da União, Gustavo Silva disse que
faltou exposição de motivos para justificar a extinção dos conselhos,
destacando que não há levantamento sobre total de colegiados existentes na
administração federal. Questionou por que esse levantamento não foi feito antes
da edição do decreto e citou avanços legislativos trazidos ao país por diversos
desses colegiados, como o Conselho Nacional de Imigração, composto por
trabalhadores, empregados, acadêmicos e representantes de ministérios e de
observadores de entidades da sociedade civil. Para a DPU é imprópria a
supressão, mediante decreto, de colegiados expressamente instituídos por lei em
sentido formal, tendo em vista a reserva legal.
AGU
Em sua manifestação, o advogado-geral da União, André
Mendonça, citou vários conselhos cuja manutenção já foi requerida pelos
respectivos ministérios os quais integram, como o Conselho Nacional da Criança
e do Adolescente, Conselho Indigenista Missionário, Conselho Nacional de Direitos
Humanos, Conselho Nacional dos Direitos de Pessoas com Deficiência e o Conselho
Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. “Ninguém quer acabar com esses
conselhos”, afirmou André Mendonça, criticando o que qualificou de “uma certa
histeria em relação a isso”. Disse que há dezenas de conselhos que não estão
ativos há décadas, informando a existência de 2.593 colegiados ativos e
inativos atualmente na administração pública.
Em defesa da boa governança, da racionalidade e da
eficiência na administração pública, com a participação da sociedade civil, o
advogado-geral da União pediu a improcedência da ação, concluindo que até agora
a Casa Civil já recebeu pedido de manutenção de mais de 300 órgãos colegiados
da administração pública. Ele encerrou sua manifestação questionando onde estão
as leis formais que criaram mais de 2.500 colegiados.
PGR
O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maria,
defendeu a concessão da medida cautelar para suspender o decreto. Na sua
avaliação, faltou uma fundamentação clara para extinguir os conselhos. “Devemos
respeitar a autoridade do presidente da República de exercitar a prerrogativa
de disciplinar como a administração pode se organizar, mas há a necessidade de
declinar objetivamente quais as razões, os números e os nomes dos órgãos que
quer extinguir”, disse.
Para ele, o propósito de desburocratização é valido e
necessário, mas, ao mesmo tempo, há a necessidade de compatibilizar com a
necessidade de respeitar uma sociedade plural. “Quantas vozes são silenciadas
com esse decreto? O que deixa de ser dito quando extintos os conselhos? O que
não estamos querendo ouvir?”, questionou.
O julgamento da ADI 6121 prossegue na sessão do período da
tarde para a apresentação dos votos dos demais ministros da Corte.
Fonte: Assessoria de Imprensa do STF