BSPF - 22/07/2019
O que não se pode ignorar, porém, é que o texto aprovado
pela comissão especial e pelo plenário da Câmara, em 1º turno, traduz a
concepção já esboçada na PEC 139/15, que é a de reduzir a renúncia fiscal
decorrente do abono de permanência, e, ao mesmo tempo, de reduzir o quadro de
servidores em atividade, sob a perspectiva de sua desnecessidade.
O abono de permanência na PEC 6/19 e o ‘direito adquirido’:
breves considerações
Após a aprovação, em 1º turno, da PEC 6/19 — reforma da
Previdência — têm surgido dúvidas sobre a extensão do texto chancelado, em
relação ao abono de permanência.
O abono de permanência foi criado pelo art. 3º da Emenda
Constitucional 20/98, em seu § 1º, caracterizando-o, então, como isenção da
contribuição previdenciária, e devido até que o servidor concluísse os
requisitos para a aposentadoria voluntária integral.
Todavia, a EC 41/03 alterou essa natureza, inserindo no art.
40 da CF, o seguinte § 19:
Ҥ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha
completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º,
III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de
permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até
completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II.”
Naquele contexto, o abono seria devido, então, no exato
valor da contribuição previdenciária, até completar 70 anos, como forma de,
efetivamente, incentivar a permanência do servidor no serviço ativo até o
limite de idade admitido para o exercício do cargo efetivo.
A medida era “irmã gêmea” da cobrança de contribuição de
inativos, que foi inserida no “caput” do art. 40 e validada pelo STF ao julgar
a ADI 3.105, ocasião em que firmou o entendimento de que essa contribuição
somente poderia incidir sobre a parcela do provento acima do teto do RGPS.
Assim, cumprindo os requisitos para a aposentadoria com base
em qualquer das regras — regra permanente ou regras de transição, ainda que sem
o provento integral — o servidor faria jus a essa “restituição” da
contribuição. Vale dizer, ele continua contribuindo, não é isento da cobrança,
mas recebe a devolução do quanto foi recolhido a esse título.
Tal restituição não tem, porém, caráter remuneratório
permanente, e tampouco integra o valor dos próprios proventos, vez que se
extingue com a concessão da aposentadoria.
Quanto à sua natureza, o Superior Tribunal de Justiça tem
adotado entendimento de que, à mingua de lei que estabeleça em sentido oposto,
incide o imposto de renda sobre o abono de permanência, o que afastaria o
caráter indenizatório da vantagem. É exemplo dessa linha jurisprudencial o
seguinte julgado:
“AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.202.462 - MG (2010/0125450-7)
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ABONO DE
PERMANÊNCIA. NATUREZA REMUNERATÓRIA. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. — Esta
Corte superior firmou o entendimento de que a permanência no serviço é opção do
servidor e de que o valor percebido pelo trabalho despendido tem natureza
remuneratória, sobre o qual, portanto, incide o imposto de renda. Agravo
regimental improvido.”
Por outro lado, decisões de tribunais regionais federais têm
entendido em sentido oposto, ou seja, que se trata, sim, de parcela de natureza
indenizatória, e sobre a qual não incide o Imposto de Renda.
Prevalecendo a primeira linha interpretativa, já confirmada
no exame de recursos repetitivos pelo STJ, uma vez obtido o direito ao seu
gozo, o abono integra o patrimônio jurídico do servidor, que a ele fará jus até
a sua aposentadoria, voluntária ou compulsória.
Ignorando essa divergência jurídica sobre a natureza do
abono, em 2015, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso a PEC 139,
propondo a revogação do § 19 do art. 40, assim como dos § 5º do art. 2º e o §
1º do art. 3º da Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003, que
tratavam do mesmo direito aos servidores amparados pelas regras de transição.
O pretexto era de que, tendo o número de ativos, então,
atingido 705 mil servidores, não mais subsistiam razões para incentivar
servidores em idade de aposentadoria a permanecer em atividade, o que
propiciaria “renovação” dos quadros. Ao mesmo tempo, estimava economia
potencial, nos 5 anos seguintes, de R$ 7,7 bilhões com a extinção do benefício
para os que já o percebiam e para os 124 mil servidores ativos que poderiam
passar a fazer jus a esse, nesse período.
A evolução da despesa com esse benefício apresentou a
seguinte evolução no período 2010-2018:
A PEC 6/19, ao ser enviada ao Congresso, previa a revogação
do § 19, mas remetia o tema ao § 8º do art. 40, com a seguinte redação:
“§ 8º Observados os critérios a serem estabelecidos pelo
ente federativo, o servidor público titular de cargo efetivo que tenha
completado as exigências para a aposentadoria voluntária prevista no inciso I
do § 2º e que opte por permanecer em atividade poderá fazer jus a um abono de
permanência equivalente, no máximo, ao valor da sua contribuição
previdenciária, até completar a idade para aposentadoria compulsória.”
Assim, o abono poderia continuar a existir, mas dependeria
de uma lei do ente – lei federal, apenas para a União; e leis estaduais e
municipais, que poderiam ser distintas para cada estado, e para cada município
– sem a garantia constitucional de que o seu valor seria o mesmo da
contribuição previdenciária devida.
Como regra de transição, previa no art. 9º, §§ 3º e 4º, para
os servidores com direito adquirido à aposentadoria, e, portanto, já em gozo do
abono, a seguinte:
“§ 3º O servidor público que tenha cumprido os requisitos
para aposentadoria voluntária com base no disposto na alínea “a” do inciso III
do § 1º do art. 40 da Constituição, na redação vigente até a data de
promulgação desta Emenda à Constituição, no art. 2º, no § 1º do art. 3º ou no
art. 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, ou no art. 3º da Emenda
Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005, e que optar por permanecer em
atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua
contribuição previdenciária, até completar a idade para aposentadoria
compulsória.
§ 4º Lei do respectivo ente federativo poderá estabelecer
critérios para o pagamento do abono de permanência a que se refere o § 3º.”
Havia, assim, “garantia” de que o abono seria pago no valor
equivalente ao da contribuição, ou seja, a continuidade do status quo ante,
mas, ao mesmo tempo, o § 4º continuava a autorizar que lei de cada ente
estabelece “critérios para o pagamento”, ou seja, conferia a lei um poder
indeterminado para dispor sobre o abono, que, inclusive, poderia definir a
própria extinção do direito, ou sua relativização, quanto ao valor a ser
ressarcido.
Já o art. 10, referindo-se aos servidores que viessem a
adquirir o direito à aposentadoria, já com base nas novas regras, propunha,
expressamente:
“Art. 10. O servidor público que cumprir as exigências para
a concessão da aposentadoria voluntária, nos termos do disposto nos art. 3º,
art. 4º, art. 5º, art. 6º ou art. 7º, e que optar por permanecer em atividade,
poderá fazer jus a um abono de permanência equivalente, no máximo, ao valor da
sua contribuição previdenciária, até completar a idade para aposentadoria
compulsória, observado os critérios a serem estabelecidos pelo ente federativo.
Parágrafo único. Na hipótese de o ente federativo não
estabelecer os critérios a que se refere o caput, o abono de permanência será
pago no valor da contribuição previdenciária.”
Assim, a garantia de que “fará jus” deixava de existir,
sendo integralmente condicionada, nos termos de lei futura, ao que determinasse
cada ente federativo. O que era direito do servidor passaria a ser mera
possibilidade (“poderá fazer jus”), e o valor do benefício (igual à
contribuição previdenciária) passaria a observar, “no máximo”, o valor dessa
contribuição.
Assim, o servidor que já estivesse amparado pelo direito
adquirido — e cujo direito já se mostrava precário, mas, pelo menos,
provisoriamente protegido — continuar a fazer jus ao abono; os que viessem a
adquirir direito à aposentadoria, dependeriam do que lei futura viesse a
estabelecer.
Contudo, como previa o parágrafo único, na hipótese de essa
lei não ser editada, prevaleceria o direito ao abono no valor da contribuição
previdenciária.
Nota-se uma contradição entre o “caput” e o parágrafo, visto
que, no caput, o próprio direito ao abono estaria condicionado à edição dessa
lei; já o parágrafo, referindo-se a critérios de concessão do direito,
asseguraria o valor do abono, mas tornando-o direito “automaticamente
assegurado”. Esse é, porém, apenas um dos inúmeros defeitos lógicos da PEC
6/19, uma das piores peças legislativas já submetidas ao Congresso Nacional na
história recente do país.
Ao apreciar a matéria, o relator da PEC 6/19 restabeleceu o
§ 19, cujo conteúdo fora remetido ao § 8º do art. 40, dando-lhe, contudo, nova
redação:
“§ 19. Observados critérios a serem estabelecidos em lei do
respectivo ente federativo, o servidor titular de cargo efetivo que tenha
completado as exigências para a aposentadoria voluntária e que opte por
permanecer em atividade poderá fazer jus a um abono de permanência equivalente,
no máximo, ao valor da sua contribuição previdenciária, até completar a idade
para aposentadoria compulsória.”
Assim, a regra permanente continuaria a condicionar o
direito ao abono, e o seu valor, ao que dispusesse lei do respectivo ente
federativo, que estabeleceria “critérios” para a sua concessão, e, por
definição, um valor que, no máximo, seria o da própria contribuição.
No texto apresentado à comissão especial, em 13 de junho, o
relator propunha a seguinte redação ao art. 3º, que trata dos “direitos
adquiridos”, quanto ao abono:
“§ 3º O servidor de que trata o caput que tenha cumprido os
requisitos para aposentadoria voluntária com base no disposto na alínea “a” do
inciso III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, na redação vigente até a
data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, no art. 2º, no § 1º do
art. 3º ou no art. 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, ou no art. 3º da
Emenda Constitucional nº 47, de 2005, que optar por permanecer em atividade,
fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição
previdenciária, até completar a idade para aposentadoria compulsória.”
Por ser o art. 3º dirigido apenas aos servidores federais,
não haveria previsão de lei de cada ente federativo para dispor sobre o abono.
E, mais importante, a regra proposta era clara ao dispor
sobre o direito ao abono como “direito adquirido” pleno, ou seja, assegurando o
direito no valor da contribuição previdenciária, sem qualquer espaço a que lei,
para os servidores já em gozo do benefício, sofressem redução.
Já o art. 8º do substitutivo apresentado em 13 de junho
previa que, para os que viessem a adquirir direito à aposentadoria, o mesmo
seria devido e assegurado em valor equivalente ao da contribuição, mas apenas
até que entrasse em vigor a lei federal a ser editada com base no § 19 do art.
40:
“Art. 8º Até que entre em vigor lei federal de que trata o §
19 do art. 40 da Constituição Federal, o servidor público federal que cumprir
as exigências para a concessão da aposentadoria voluntária, nos termos do
disposto nos arts. 4º, 5º, 6º, 22 e 23 e que optar por permanecer em atividade,
fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição
previdenciária, até completar a idade para aposentadoria compulsória.”
A mesma regra era repetida no § 5º do art. 10, que dispunha
sobre as regras a serem aplicadas aos servidores federais até que entre em
vigor lei federal que discipline os benefícios do Regime Próprio de Previdência
Social dos servidores da União.
Todavia, o texto foi objeto de 4 complementações de voto
apresentadas pelo relator, e, ao cabo, o texto aprovado pela comissão, e
ratificado pelo plenário da Câmara, em 1º turno, restou modificado.
Foi mantida a redação dada ao § 19 do art. 40, regra
permanente, que remete à regulamentação dos “critérios” e do valor a ser pago a
lei do ente federativo:
“§ 19. Observados critérios a serem estabelecidos em lei do
respectivo ente federativo, o servidor titular de cargo efetivo que tenha completado
as exigências para a aposentadoria voluntária e que opte por permanecer em
atividade poderá fazer jus a um abono de permanência equivalente, no máximo, ao
valor da sua contribuição previdenciária, até completar a idade para
aposentadoria compulsória.”
Já o art. 3º, § 3º, sofreu alteração, voltando à proposta
original da PEC 6/19, que relativiza o conceito de direito adquirido.
A nova redação, aprovada, prevê:
“§ 3º Até que entre em vigor lei federal de que trata o § 19
do art. 40 da Constituição Federal, o servidor de que trata o caput que tenha
cumprido os requisitos para aposentadoria voluntária com base no disposto na
alínea “a” do inciso III do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, na redação
vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, no art. 2º,
no § 1º do art. 3º ou no art. 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, ou no
art. 3º da Emenda Constitucional nº 47, de 2005, que optar por permanecer em
atividade, fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua
contribuição previdenciária, até completar a idade para aposentadoria
compulsória.”
Assim, o direito à continuidade da percepção do abono, que é
o cerne do § 3º, é assegurada “até que entre em vigor lei federal de que trata
o § 19”, ou seja, tanto o valor, quanto a própria continuidade do direito
ficarão condicionados aos “critérios” a serem fixados naquela lei.
O art. 8º, porém, permaneceu com a mesma redação:
“Art. 8º Até que entre em vigor lei federal de que trata o §
19 do art. 40 da Constituição Federal, o servidor público federal que cumprir
as exigências para a concessão da aposentadoria voluntária, nos termos do
disposto nos arts. 4º, 5º, 20, 21 e 22 e que optar por permanecer em atividade,
fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição
previdenciária, até completar a idade para aposentadoria compulsória.”
Assim, passaram a ser sujeitos ao mesmo regramento — e de
forma a cumprir o princípio da isonomia — servidores com direito adquirido à
aposentadoria na data da promulgação da emenda e aqueles que vierem a adquirir
direito a partir de sua promulgação, ou seja, ambos farão jus ao abono no valor
da contribuição previdenciária, mas até que entre em vigor lei federal de que
trata o § 19.
Essa lei, portanto, é que definirá a continuidade do direito
e sua extensão, em ambos os casos.
Foi mantido o § 5º do art. 10, que fixa as regras a serem
aplicadas aos novos servidores, até que lei disponha sobre os direitos no
âmbito do RPPS federal repete a regra:
“§ 5º Até que entre em vigor lei federal de que trata o § 19
do art. 40 da Constituição Federal, o servidor federal que cumprir as
exigências para a concessão da aposentadoria voluntária nos termos do disposto
neste artigo e que optar por permanecer em atividade fará jus a um abono de
permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária, até completar
a idade para aposentadoria compulsória.
Dessa forma, não há como ignorar que a expressão “até que
entre em vigor lei federal de que trata o § 19 do art. 40 da Constituição”,
inserida em todos os dispositivos, tem função objetiva: estabelecer o mesmo
tratamento a todos os que estejam em gozo do abono de permanência, ou que
venham a adquirir esse direito.
Até que seja editada essa regra, todos os que adquirirem
direito à aposentadoria farão jus ao abono, em valor equivalente ao de suas
contribuições.
Mas, uma vez editada a norma legal referida, o direito,
tanto faz se já adquirido antes da promulgação da emenda, ou após, será
condicionado aos critérios e ao valor que seja por essa estabelecida.
Por hipótese, a lei poderá definir que o “abono” poderá ser
proporcional ao tempo de contribuição na condição de servidor público, como
forma de “valorizar” os que tenham maior tempo de contribuição sobre a
remuneração integral, ou diferenciar o direito em razão da idade do servidor e
do tempo faltante para alcançar a idade de aposentadoria compulsória, seja de
forma a “desincentivar” a permanência além de determinada idade, seja
“incentivar” o servidor ainda “jovem” (com menos de 60 anos, por exemplo) a
permanecer em atividade, evitando-se, assim, a necessidade de recrutamento de
substituto.
Tais questões, porém, somente serão respondidas quando da
submissão dessa proposta legislativa ao Congresso Nacional, que, então, poderá
examinar as vantagens e desvantagens de cada alternativa.
Por fim, na hipótese de o Poder Judiciário vir a ratificar,
em sua instância máxima, a natureza remuneratória do abono de permanência e,
assim, o direito adquirido pleno à sua manutenção, para aqueles que já se acham
no seu gozo, a própria aplicação dessa lei futura aos casos constituídos até
sua entrada em vigor estará prejudicada, em face da proteção assegurada pelo
art. 5º, XXXVI, da Constituição.
O que não se pode ignorar, porém, é que o texto aprovado
pela comissão especial e pelo plenário da Câmara, em 1º turno, traduz a concepção
já esboçada na PEC 139/15, que é a de reduzir a renúncia fiscal decorrente do
abono de permanência, e, ao mesmo tempo, de reduzir o quadro de servidores em
atividade, sob a perspectiva de sua desnecessidade.
Por Luiz Alberto dos Santos - Consultor legislativo.
Advogado, mestre em Administração e doutor em ciências sociais. Professor da
Ebape/FGV. Sócio da Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas
Públicas e da Calhao Advogados.
Fonte: Agência DIAP