ISTOÉ DINHEIRO
- 17/08/2019
Nos últimos dois meses, o presidente Jair Bolsonaro
interferiu diretamente nos três principais órgãos de combate à corrupção no
País que de alguma forma cruzaram o caminho de sua família – a Polícia Federal,
a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Sempre alegando que quem manda é ele, Bolsonaro admitiu que, em alguns
episódios, agiu para defender familiares.
O caso mais recente deixou a PF em estado de alerta.
Bolsonaro surpreendeu a corporação ao anunciar a substituição do
superintendente no Rio, Ricardo Saadi, por motivo, inicialmente, de “questão de
produtividade”.
As investigações mais importantes da PF do Rio envolvem a
relação de milícias com políticos estaduais e a chamada “rachadinha”, prática
em que servidores repassavam parte dos salários aos parlamentares e que atingiu
um ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Interlocutores do presidente acusam Saadi de não impedir
“desmandos” nas investigações contra seu filho. No Palácio do Planalto o
delegado ainda é acusado de deixar as investigações avançarem sem provas (mais
informações nesta página).
Em uma atitude inédita para um presidente da República,
Bolsonaro anunciou que, para a vaga de Saadi, iria o delegado Alexandre
Saraiva, atual superintendente da PF no Amazonas, um amigo da família. A
tentativa de interferir na escolha levou o comando a PF a encurralar o ministro
da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, a quem a instituição está
subordinada.
Ao longo do dia de ontem, Moro foi avisado de que perderia o
controle da corporação caso cedesse ao apelo de Bolsonaro. A crise só arrefeceu
após o presidente declarar que aceita nomear o delegado Carlos Henrique
Oliveira Sousa, atualmente na Superintendência da PF em Pernambuco, para a
vaga. O Estado apurou que o recuo de Bolsonaro atendeu a um pedido de Moro. No
fim, o presidente conseguiu o que queria – tirar Saadi – e Moro ficou bem com a
PF.
Indicações
O presidente da República tem a prerrogativa de vetar
qualquer nome indicado pela PF para ocupar cargos de chefia. A escolha,
contudo, sempre parte do diretor-geral do órgão justamente para evitar interferência
política. O superintendente da PF tem o poder de designar os delegados que vão
tocar investigações importantes.
Na Receita, a crise também se agravou depois que o
presidente determinou a substituição do superintendente do órgão no Rio, Mário
Dehon, e dos delegados da Receita no Porto de Itaguaí (RJ), José Alex Nobrega
de Oliveira, e na Barra da Tijuca, Fábio Cardoso do Amaral, no rastro de
pressão da cúpula do Supremo Tribunal Federal, que foi alvo de investigações.
Na quarta-feira, Bolsonaro expressou insatisfação com o
órgão. “Fizeram uma devassa na vida financeira dos meus familiares do Vale do
Ribeira”, disse. O Estado apurou que um dos irmãos do presidente, Renato
Antonio Bolsonaro, recebeu um aviso de cobrança da Receita de R$ 1.682. O débito
relativo ao eSocial de empregada doméstica foi regularizado no dia 28 do mesmo
mês. Pelo baixo valor, a queixa do presidente foi vista no Fisco como tentativa
de criar factoide para justificar interferência no órgão.
Assim como a PF, a Superintendência da Receita no Rio também
apura ilícitos praticados por milícias em operações no Porto de Itaguaí. O
Estado apurou que o secretário especial do órgão, Marcos Cintra, sugeriu
informalmente que o delegado de Itaguaí fosse substituído por um nome indicado
pela família Bolsonaro. Dehon, que está com o cargo ameaçado, não aceitou fazer
a indicação.
A troca na PF do Rio e outras delegacias ainda não foi
efetivada, mas Bolsonaro declarou: “Se tiver que mudar a Receita Federal no
Rio, será mudado”. No caso da PF, foi até mais enfático: “Se ele (Moro)
resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem manda sou eu”.
Receita
A cúpula do Fisco já avisou Cintra de que não vai aceitar
indicações políticas e ameaça entregar os cargos, criando um efeito cascata que
pode inviabilizar o funcionamento do órgão. Teme-se que uma nova estrutura
condicione o avanço de uma investigação ao aval da chefia.
As trocas na Receita não devem se resumir a cargos
estaduais. O Estado apurou que o governo também não descarta trocar o próprio
Cintra e seu sub, João Paulo Fachada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, ao
qual a Receita é subordinada, busca uma saída técnica. Uma das alternativas é
dividir o comando do órgão. É cotado o nome do secretário de Previdência e
Trabalho, Rogério Marinho, para chefiar a autarquia. Cintra ficaria apenas com
a parte de política tributária.
Por decisão de Bolsonaro, Guedes também costura uma saída
para o Coaf – órgão que identificou movimentações atípicas de Flávio. O
conselho vai para o Banco Central e Roberto Leonel, atual presidente do
conselho indicado por Moro, vai perder o cargo. As informações são do jornal O
Estado de S. Paulo.