BSPF - 01/08/2019
A Reforma da Previdência não é novidade no Brasil. Nesse
escopo, a Constituição Federal já sofreu seis emendas desde sua promulgação, em
1988. Nenhuma, porém, foi tão abrangente e polêmica quanto a PEC 6/2019, em
tramitação no Congresso Nacional, que afetará profundamente os trabalhadores,
dos setores público e privado, que passarem à inatividade a partir de sua
sanção.
Já é consenso na sociedade que mudanças são cruciais para o
equilíbrio fiscal, a consequente retomada da confiança dos agentes econômicos e
a sustentabilidade do sistema. Considerando-se tais metas, parece-nos acertada
a espinha dorsal do texto, apoiada no estabelecimento de uma idade mínima para
a aposentadoria, que atende à inequívoca necessidade de adaptação das normas ao
aumento do índice de longevidade dos brasileiros.
No entanto, há pontos a serem revistos pelos legisladores
para que a reforma também seja justa. Um deles refere-se aos cortes que
atingirão diretamente os trabalhadores mais pobres e vulneráveis. O aumento do
tempo mínimo de contribuição, um dos pilares da proposta, é outro tema
controverso, levando-se em conta a alta informalidade do mercado de trabalho
brasileiro, acentuada entre os mais pobres, e o momento no qual o desemprego
atinge 12,5% da população economicamente ativa.
Uma previdência que se proponha “nova” deve prever o que é
tendência no mundo do trabalho. Não basta tomar como premissas fatores
econômico-financeiros e simplesmente fechar os olhos para as transformações do
mercado e disparidades do país, com o risco de que o verdadeiro caos social – o
do aprofundamento da desigualdade – recaia sobre todos nós...
Do ponto de vista dos servidores públicos, as implicações da
PEC 6 também são bastante severas. Desde as eleições, as forças políticas que
sustentam o Governo Bolsonaro têm se apoiado sobre a ideia de que são eles os
grandes responsáveis pelo rombo da Previdência e toda a fragilidade das contas
do Estado. Assim, pela lógica desse raciocínio, caberá aos professores, aos
integrantes do sistema de saúde, aos agentes penitenciários e policiais civis,
carreiras que integram a base do funcionalismo público no Brasil, pagarem pela
maior fatia dessa conta.
Os ônus serão altos, dada a aspereza das regras de
transição. As mudanças atingem de modo mais contundente quem ingressou no
serviço público até 2003. Pelas normas atuais, os servidores em geral têm
direito à aposentadoria ao completar 60 anos de idade e 35 de contribuição
(homens) ou 55 anos de idade e 30 de contribuição (mulheres). Segundo a PEC 6,
para receber o benefício integral a que tem direito quem ingressou até 2003,
será necessário completar 65 anos (homens) ou 62 anos de idade (mulheres).
Outra medida dura é a progressividade da alíquota de
contribuição, que na prática passará a ter caráter de imposto. Hoje, o servidor
já paga mais caro para se aposentar, com uma alíquota de 11%, independentemente
do valor do provento.
Vale lembrar, ainda, que os servidores públicos são os
únicos trabalhadores que continuam pagando a previdência mesmo após
aposentados, uma condição totalmente incomum, já que recolheram a contribuição
durante todo o período em que estiveram na ativa.
Mas esse índice poderá chegar a 22% caso a tabela
progressiva seja aprovada pelo Congresso. Trata-se de medida inconstitucional,
porque funciona como imposto de renda e não como contribuição previdenciária,
desrespeitando o Código Tributário Nacional.
O que o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da
Economia, o financista Paulo Guedes, não gostam de dizer é que os servidores,
nos diferentes níveis da Federação, são os primeiros a amargar com a
incapacidade do Estado de gerir os recursos arrecadados, muitas vezes ficando
meses sem receber salários ou benefícios, como vem acontecendo com o 13º de
servidores públicos de diversos estados. Há, ainda, os que não têm reajuste
real em seus vencimentos há anos, como é o caso dos professores da rede pública
do Paraná. São muitos os exemplos em todo o país.
São esses mesmos servidores que seguem trabalhando para
levar educação, saúde e segurança aos brasileiros que mais precisam. E tenho
certeza, porque os conheço, que continuarão fazendo seu trabalho, apesar dos
ataques e da reforma, pois sabem que os governos sempre passam, mas aqueles que
dedicam suas vidas a servir ficam.
Por Álvaro Gradim - Médico pneumologista, é presidente da
Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (Afpesp)
Fonte: Jornal Monitor Mercantil