segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A AGU e o futuro do serviço público


BSPF     -     16/09/2019




EE 4 de setembro de 2019, foi publicada entrevista do Advogado-Geral da União, André Mendonça, abordando questões organizacionais da Advocacia-Geral da União (AGU). O objetivo do presente artigo é comentá-las.

Inicialmente, é necessário deixar claro que, ao contrário do que se propaga usualmente, há servidores públicos ciosos de seu papel de lidar com o interesse dos cidadãos. Nessa linha, a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE) contratou um estudo sobre a unificação de carreiras feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A pesquisa foi oficialmente divulgada em novembro de 2018, e desde então vem sendo amplamente noticiada. Além disso, foi entregue a diversos integrantes do governo federal durante a transição.

A unificação de carreiras da AGU é um tema que diz respeito diretamente à revisão de práticas no âmbito do Estado brasileiro, com ganhos de eficiência e qualidade. Diz respeito ao melhor aproveitamento dos quase 8 mil advogados públicos federais que integram a AGU, com maior mobilidade institucional e atuação mais coesa e direcionada. Hoje, as quatro carreiras existentes - procuradores da Fazenda Nacional, advogados da União, procuradores federais e procuradores do Banco Central do Brasil - dividem-se conforme o cliente.

A ausência de especialização temática fica clara a partir da análise do exemplo do Ministério da Economia. Com a Medida Provisória (MP) 870/2019, posteriormente convertida na Lei nº 13.844/2019, o Ministério da Economia passou a reunir atribuições que estavam divididas nos Ministérios da Fazenda, Planejamento, Trabalho e Desenvolvimento.

Antes, só o Ministério da Fazenda era atendido por procuradores da Fazenda Nacional, sendo os outros três atendidos por advogados da União. A Lei n° 13.844/2019 previu que todo o Ministério da Economia passasse a ser atendido por procuradores da Fazenda Nacional e isso gerou uma hipótese de "colaboração temporária" com advogados da União. A colaboração foi fixada por um período de 12 meses. O prazo é prorrogável, ou seja, a colaboração temporária pode se tornar indefinida, o que é aliás provável, considerando-se que dificilmente a Procuradoria-Geral da Fazenda disporá de pessoal suficiente para suprir as mais de 40 vagas hoje ocupadas por advogados da União.

Efeito semelhante ocorreu quando a mesma lei levou para o antigo Ministério da Fazenda matérias relativas à Previdência e Previdência Complementar. Atribuições que eram de advogados da União passaram para procuradores da Fazenda Nacional.Além de mudanças decorrentes de opções de organização administrativa, há ainda a ocupação de cargos em comissão de uma carreira por integrantes da outra. Por exemplo, dezenas de procuradores federais, da Fazenda e do Banco Central ocupam cargos e funções comissionadas em consultorias jurídicas junto a ministérios, ou seja, órgãos onde deveriam atuar advogados da União ou procuradores da Fazenda Nacional, no caso do Ministério da Economia.

Ao comentar o estudo sobre a unificação das carreiras da AGU, o Advogado-Geral da União pareceu restringir a racionalização pretendida à locação de imóveis e serviços terceirizados. Não abordou pontos cruciais do tema, como a sobreposição de atuação e cargos em comissão e funções de confiança.

No caso da sobreposição, um caso recente evidencia bem o tema, qual seja uma ação proposta em 3 de setembro pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a União, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Banco Central do Brasil (Bacen). Na ação, o MPF pretende que os três réus apresentem à Justiça um conjunto de ações de combate à extração e comercialização de ouro ilegal, e ainda que apresentem medidas tomadas nos últimos cinco anos e que informatizem o sistema de controle da cadeia econômica do ouro no país.

O tema da ação é um só, embora envolva diversas esferas de governo. Em um cenário de carreira única na AGU, o tema estaria a cargo de um mesmo corpo especializado. Mas, no cenário atual, exigirá a manifestação formal de pelo menos três das carreiras: advogados da União, procuradores federais e procuradores do Bacen. E corre-se ainda o risco de ser necessária a atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, pois o tema lhe é provavelmente correlato. Não é difícil perceber a irracionalidade dessa opção administrativa.

Já no tema dos cargos em comissão e funções de confiança, trata-se de questão ligada à preservação de espaços de poder típicos da burocracia estatal, com ocupação de cargos que existem na AGU, e em toda a administração pública federal, em quantidade superior ao necessário.

A Anafe apresentou em 2017 proposta formal de redução e reorganização dos cargos comissionados. Dependendo de apenas um decreto presidencial, a proposta representaria economia anual de R$ 7 milhões, suficientes para contratar mil estagiários para a administração pública federal.

Portanto, percebe-se que a situação institucional da AGU pode ser aperfeiçoada, havendo inúmeros mecanismos de racionalização, simplificação e aprimoramento que tornariam o serviço jurídico da União mais eficiente. Espera-se que a gestão da AGU esteja em sintonia com a reforma administrativa e considere as propostas existentes no próprio seio da instituição, sem se manter agarrada a velhas práticas.

Por Marcelino Rodrigues Presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE) e Vanessa Affonso Rocha Advogada da União

Fonte: Correio Braziliense


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