CartaCapital
- 19/10/2019
‘Brasil acima de tudo’ significa um país com seu patrimônio
público preservado e valorizado. Isso só é possível com servidores estáveis
Passada a reforma da Previdência – que temos sempre que
repetir: retira direitos dos trabalhadores e não resolve o problema fiscal do
Brasil, como já alertado por diversos especialistas da Economia, do Direito e
da Contabilidade – o alvo do governo será o funcionalismo público, acusado de
inchado e de privilegiado. Dados da OCDE comprovam que a máquina pública
brasileira está distante desse quadro fictício que a equipe econômica de Paulo
Guedes insiste em afirmar. O índice de empregabilidade no serviço público
brasileiro é de 12%, enquanto a média da OCDE é de 20%, incluindo os Estados
Unidos, que não têm universalidade da saúde, como nós temos.
Não é de hoje que o governo ameaça os servidores federais,
pintados como inimigos da nação pela versão de Bolsonaro e de Guedes, cujo
plano de governo é tão somente desmontar o patrimônio público e entregá-lo sem
resistência à iniciativa privada, como se ela fosse exemplo de eficiência e de
integridade. Está aí a Vale para provar o contrário, com seus mais de duzentos
assassinados pela ode ao lucro em detrimento do respeito aos trabalhadores.
O governo prepara uma reforma administrativa que vai
interferir na estabilidade do serviço público. Além disso, tramitam no
Congresso outras duas propostas que também preveem a possibilidade de demissão
de servidores por “insuficiência”. Há de se dizer que servidores incompetentes
podem ser, sim, (e são) exonerados diariamente, de acordo com as previsões
legais da Lei 8.112/1990. Dessa forma, novas tentativas de facilitar demissões
são, na verdade, instrumentos de perseguição a trabalhadores que atuam em
defesa dos direitos da sociedade e em atenção às ações de governantes
passageiros.
O preconceito à categoria dos servidores públicos é
histórico e tem sua razão de ser. Criado para atender às vontades da família
real, o funcionalismo, durante muito tempo, consistia em nomeações de pessoas
privilegiadas e abastadas, que usufruíam do dinheiro público a seu bel prazer.
A criação dos concursos públicos, entretanto e felizmente, acabou com parte das
indicações políticas, e a legislação foi aprimorada com o tempo para preservar
o patrimônio que é do povo brasileiro. Na concepção mais moderna e atual do
trabalho na administração pública, os servidores têm como função principal
fiscalizar a atuação dos governantes eleitos, preservar a memória das políticas
públicas, denunciar irregularidades e garantir que a população seja atendida em
seus direitos.
Entretanto, em um país com cada vez menos direitos e cada
vez mais arrocho de investimentos públicos, o grito de socorro dos servidores
públicos não tem sido suficiente. Bolsonaro aponta para os servidores do povo e
chama de “mimimi” as denúncias feitas, descredibilizando a atuação desses
profissionais. Há anos gritamos e denunciamos as barbaridades implantadas pela
política neoliberal, principalmente a partir da Emenda Constitucional 95, que
congelou os investimentos públicos por vinte anos, incluindo saúde e educação,
que agonizam sem a assistência necessária. Se não há atendimento de qualidade
nos hospitais, não é culpa do servidor dali, mas do governo que não atende às
suas obrigações. E se hoje a situação é caótica, imagina daqui vinte anos, sem
nenhum investimento.
O governo está contra a sociedade. Quer quebrar o Estado
para vendê-lo a preço de banana para a iniciativa privada, que não vai ter
nenhuma preocupação para além do lucro. Em um país desigual como o Brasil, os
serviços públicos são fundamentais. A melhoria do atendimento se resolve não
com a erradicação de servidores, mas com uma política de intensificação dos
investimentos públicos casada com uma reforma tributária que taxe os grandes
salários, inclusive dos servidores de alta renda, minoria entre a categoria.
Durante o governo FHC, grande parte dos servidores recebiam complementação de
salário mínimo, por exemplo. Hoje, não temos FGTS e nossa aposentadoria foi
limitada em 2013.
Rei do papo furado, Bolsonaro tenta se redimir com a
categoria que infelizmente boa parte o ajudou a se eleger, afirmando que nunca
falou contra a estabilidade do servidor, mas isso é mentira. Ele ataca a
estabilidade ao defender o Future-se e a contratação de professores
universitários sem concurso público; ele ameaça a estabilidade ao declarar
plano de privatizações de empresas públicas em massa, assim como o faz também o
ministro Paulo Guedes ao não conceder reajuste salarial, proibir concursos
públicos nos próximos anos e pregar uma onda de digitalização de serviços que
substitui servidores. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro concedeu uma
entrevista à Band em que aparece defendendo os cargos de indicação política.
Então, por trás de uma historinha para boi dormir, existe a crueldade de um
lobo faminto e ansioso por abocanhar a administração pública como se fosse sua
propriedade privada.
“Brasil acima de tudo” significa um país com seu patrimônio
público preservado e valorizado. Isso só é possível com servidores estáveis e
competentes, em defesa da população.
Este texto não reflete necessariamente a opinião de
CartaCapital.
Por Sérgio Ronaldo da Silva - secretário-geral da Confederação dos
Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef/Fenadsef).