Consultor Jurídico
- 06/10/2019
O governo federal pretende implementar um programa de
Reforma Administrativa que conta em seu núcleo central com a revisão da
estabilidade no serviço público. Segundo noticiado pela Secretaria Especial de
Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia, a
proposta prevê redução significativa do gasto com servidores públicos
estatutários, incluindo redução do quadro de pessoal e da contratação via cargo
efetivo, aplicando critérios de avaliação por insuficiência de desempenho para
desligamento de servidores e ampliando a contratação temporária celetista,
entre outras iniciativas.
O governo Bolsonaro pretende também, além da apresentação de
uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), reformar o regime jurídico único
estatutário (RJU) a partir do apoio a projetos em tramitação no Congresso, como
o PLS nº116/2017, que regulamenta o art. 41, § 1º, III, da Constituição e
dispõe sobre a perda do cargo público por insuficiência de desempenho do
servidor público estável.
A discussão sobre o fim da estabilidade no serviço público
vem chamando a atenção de juristas e servidores e está em ebulição no
parlamento. No centro da polêmica a pergunta que não quer calar: quem ganha e
quem perde com o fim da estabilidade no serviço público?
É importante destacar que toda e qualquer reforma que
pretenda extinguir o regime geral de estabilidade do servidor público
estatutário precisa ser operacionalizada através de emenda à Constituição. Mas
a exigência não parece ser empecilho ao Governo, que já noticiou que lançará
mão de PEC específica para esse fim.
Superada a questão formal, resta a análise sobre eventual
retrocesso histórico nas garantias da Constituição. A estabilidade é muito mais
do que um direito do servidor estatutário. É garantia de interesse público, de
preservação da impessoalidade, de boa gestão. Sua essência é uma blindagem
jurídica contra pressões indevidas no exercício da função pública, de natureza
política, econômica, hierárquica. Reformar a Constituição pode representar um
grande passo ao passado, com fragilização da proteção contra a pessoalidade, o
abuso de poder e o desvio de finalidade na Administração Pública, com perdas
para toda a sociedade.
A crítica difundida é a de que servidores protegidos
priorizam os próprios interesses e acomodam-se, com pouco empenho e
produtividade na realização de suas funções, com prejuízo à eficiência,
ausência de posturas inovadoras, proativas e desenvolvimentistas. Toda
generalização é prejudicial. Não há dúvida que a profissionalização da gestão
pública e a busca por melhor desempenho passa por uma revisão do regime geral
da estabilidade. Mas não parece ser a sua extinção o caminho para modernização
e para a obtenção de melhores e eficientes resultados.
Na verdade, o problema maior remete à aplicação na
Constituição de 1988 da estabilidade para toda a Administração Direta,
Autárquica e Fundacional, no RJU, sem distinção entre atividades meio
(operacionais e instrumentais) e atividades fim de Estado. A generalização do
RJU é de difícil custeio e está na raiz da problemática.
Servidores que desempenham atividades meio em nada podem
influenciar o interesse público. Suas atividades operacionais não demandam um
regime especial de garantias. A estabilidade pode e deve ser uma garantia no
exercício de atividades fim de Estado, onde a tomada de decisão exige proteção
contra influências e abusos de poder. Nas propostas do governo até o momento
não se tratou de fato desta distinção.
Sem mudar normas constitucionais, no plano
infraconstitucional a modernização da estabilidade deve passar necessariamente
por uma regulamentação da avaliação periódica de desempenho e do próprio
estágio probatório, matérias que ainda não foram enfrentadas de forma objetiva
e consciente pelo parlamento.
Os critérios de avaliação do desempenho suficiente precisam
ser estabelecidos objetivamente, com ferramentas inovadoras de avaliação de
gestão, mecanismos de controle, procedimentos de verificação da qualidade dos
serviços prestados, exigência de accountability e de desenvolvimento contínuo.
A proposta contida no PLS nº116/2017 apresenta fatores
avaliativos fixos (qualidade e produtividade) e fatores avaliativos variáveis
(relacionamento profissional, foco no usuário/cidadão, inovação, capacidade de
iniciativa, responsabilidade, solução de problemas, tomada de decisão,
compartilhamento de conhecimento, compromisso com objetivos institucionais,
autodesenvolvimento e abertura a feedback). Mas a discussão ainda não se
aprofundou no parlamento.
Ganha a sociedade se de fato o desempenho dos servidores for
medido de forma adequada, justa, impessoal e proporcional, e, sobretudo, se
houver incremento de produtividade no serviço público a partir da exigência de
performances eficazes e eficientes.
Por Vivian Lima López Valle
Vivian Lima López Valle é professora de Direito
Administrativo da PUC-PR; doutora e mestre em Direito do Estado pela UFPR;
especialista em Contratação Pública pela Universidade de Coimbra; especialista
em Direito Administrativo pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídico (IBEJ);
membro e Diretora Acadêmica do Instituto Paranaense de Direito Administrativo;
advogada especializada em Direito Público.