BSPF - 14/10/2019
A reforma administrativa prometida pelo governo pode chegar
ao Congresso ainda no fim do mês, se as alterações na Previdência forem
concluídas no Senado na data marcada, em 22 de outubro. Próximo item na agenda
do Ministério da Economia, o projeto estudado pela equipe de Paulo Guedes prevê
mudanças expressivas no serviço público, como flexibilização da estabilidade,
redução dos salários iniciais e revisão de benefícios.
Outra possível novidade é a criação de um novo cargo, sem
vínculo com a administração pública, como se fosse uma espécie de trainee, com
duração de dois anos. A estrutura seria diferente do atual estágio probatório,
período de três anos em que o servidor recém-empossado é avaliado antes de
conseguir a estabilidade. Pela lei, caso ele não tenha bom desempenho, pode não
ser efetivado, mas isso não acontece na prática.
Uma das principais diferenças em relação ao novo modelo é
que, pelo novo método, alguns funcionários, de fato, não serão efetivados após
a fase de teste. A ideia é afunilar o processo, ao estabelecer que o número de
vagas efetivas seja menor do que o de trainees. O governo também pretende
ampliar o número de contratações temporárias celetistas e até estuda criar
funções temporárias, sem progressão de carreira e com tempo limite para
permanecer no cargo.
Além disso, a estabilidade dos servidores, mesmo os que
forem efetivados, pode ser revista. Técnicos do governo defendem que ela passe
a ser garantida apenas em funções específicas, mais voltadas, por exemplo, a
liderança, criação ou execução de políticas públicas. No caso de funções
operacionais, como cargos técnicos ou de limpeza, pode haver demissão.
Atualmente, já existe a possibilidade de demissão por
avaliação de desempenho no serviço público, mas, como ela ainda não foi
regulamentada, os critérios são vagos e a previsão não é colocada em prática.
Outra proposta que deve estar no projeto é a redução dos salários de entrada
dos funcionários públicos. A justificativa é que, pelo modelo atual, os
servidores ingressam com remunerações muito altas, desproporcionais em relação
os mesmos cargos na iniciativa privada, e ficam desestimulados a subir na
carreira.
Só para novatos
Tanto o governo quanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ) garantem que apenas quem entrar no serviço público depois de aprovadas
as mudanças será afetado. “É importante deixar claro que a proposta mantém
todos os direitos adquiridos pelos atuais servidores. Queremos fazer regras que
valerão para novos servidores, criar um modelo novo e aí sim fazer a migração”,
explicou o secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital,
Paulo Uebel, na última quinta-feira.
Também na semana passada, Maia afirmou que o objetivo é
melhorar a eficiência da máquina pública e rever a estrutura salarial, mas “sem
olhar para trás”. Ao longo do ano, o presidente da Câmara tem defendido a
revisão da estabilidade no serviço público e criticado a vinculação dos
salários de servidores da União com os estaduais e municipais, ponto que pode
ser incluído na reforma administrativa. “Não tem motivo para que um aumento do
teto salarial federal impacte em estados e municípios”, disse, em agosto.
A proposta ainda será avaliada pelo ministro Paulo Guedes e
pelo presidente Jair Bolsonaro. Depois, se for enviada ao Congresso, vai passar
pela análise de deputados e senadores, que podem fazer todas as mudanças que
acharem necessárias. A influência de representantes do serviço público é muito
forte entre os parlamentares, o que pode dificultar ou até inviabilizar parte
do projeto do governo.
Sorrateiro
Especialistas concordam com o governo sobre a necessidade de
equilíbrio imediato nas contas públicas, a partir de cortes dos gastos com
pessoal e custeio. O economista Gil Csatello Branco, secretário-geral da
Associação Contas Abertas, lembrou que as despesas sobem aceleradamente. No
Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2020, do total dos recursos, 94% estão
comprometidos. A despesa primária líquida obrigatória, lembra Castello Branco,
é de R$ 1,390 trilhão. Desse total, R$ 682,7 bilhões vão para a Previdência.
Com pessoal, são R$ 336,6 bilhões; LOAS, R$ 61,5 bilhões; abono e
seguro-desemprego, mais R$ 57,3 bilhões
Os precatórios demandam R$ 24,1 bilhões; as emendas
parlamentares impositivas, R$ 16,1 bilhões; subsídios, subvenções e Proagro, R$
16,7 bilhões; e outras despesas obrigatórias, R$ 195,5 bilhões. “Apenas R$ 19,4
bilhões vão para investimentos. Quando se trata de benefícios, ninguém quer
perder, mas não é possível o Brasil ter crescimento sustentável com esse ritmo
de aumento anual de gastos”, explicou Castello Branco. Ele lembrou, ainda, que
várias entidades de pesquisa já deixaram claro que o país não está no rumo
certo.
Recente estudo do Banco Mundial confirmou que o servidor
federal ganha quase o dobro do trabalhador da iniciativa privada. A diferença
de salários entre o setor público e o privado é em média de 96%, a maior entre
53 países pesquisados. A média internacional de diferença entre dois segmentos
é de 21%. O organismo internacional informou, ainda, que o número de servidores
no Executivo cresceu 10,5% entre 2008 e 2018 e a remuneração média avançou
14,1% acima da inflação. Com isso, o gasto total com pessoal teve um aumento
real de 25,9%.
Entre as recomendações do Banco Mundial, para o Brasil
avançar, estão praticamente todas as iniciativas sugeridas pelo governo, na
reforma administrativa: redução dos salários iniciais dos servidores; aumento
do tempo médio de prestação de serviço, até o topo da carreira; corte no número
de carreiras; e redução das taxas de reposição dos servidores (não substituição
de aposentados).
Os servidores acham que todos esses assuntos precisam ser
muito bem discutidos com o funcionalismo. Para Lucieni Pereira, presidente da
Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União
(AudTCU), entre todos os pacotes que afetam o funcionalismo, o pior é o que
determina a demissão por insuficiência de desempenho. “A avaliação não pode ser
usada como um instrumento de perseguição. Que isso fique claro. Esse tema
precisará ser bem detalhado”, alertou.
O direito de greve dos servidores é outro tópico que não
pode mais ser postergado, já que é um instrumento sensível de reivindicação,
destacou Lucieni. “A prioridade tem que ser uma reforma administrativa que não
coloque todos no mesmo guarda-chuva. As carreiras típicas de Estado têm por lei
direitos constitucionais que não podem ser desrespeitados”, salientou. Muitos pontos
já vem sendo sorrateiramente inseridos em leis que mudam, “em doses
homeopáticas”, o dia a dia do servidor, assinalou Rudinei Marques, presidente
do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate)
“São assuntos como os que mudam regras, com a portaria que
divulgou um código de conduta para os servidores. Tem também artigos na Medida
provisória (MMP 881), da liberdade econômica que tentam alterar as atividades
de auditores da Receita Federal e do Trabalho, impedindo que multem na primeira
visita a uma empresa. E até aquela, uma das primeiras medidas dessa gestão, que
não decolou: a mudança no pagamento da contribuição sindical voluntária. Temos
que conversar. O governo precisa abrir o diálogo”, ressaltou Marques.
Veja as principais mudanças:
Reforma administrativa
A proposta deverá estar concluída até o final do mês, de
acordo com Paulo Webel, secretário especial de Desburocratização, Gestão e
Governo Digital, do Ministério da Economia*
Para o governo, a reestruturação da administração federal
faz parte de um programa de modernização do Estado
Muitas das aparentes mudanças já estão em vigor e têm amparo
legal
Servidores, por exemplo, já podem ser demitidos, ou ter
horários e salários reduzidos, em caso de crise fiscal
Metas
Redistribuição de receitas e flexibilização do orçamento,
com a desvinculação, a desobrigação e a desindexação de gastos – reforma apelidada
de “plano DDD”
Mudanças em debate
Corte da quantidade de carreiras
Hoje são 117, com mais de 2 mil cargos
A intenção é reduzir o número de carreiras para 20 ou 30
Estabilidade
Revisão dos critérios de estabilidade dos atuais servidores
Fim da estabilidade e salários menores para futuros
servidores
Criação da carreira de servidor temporário e sem
estabilidade, uma espécie de “trainee”
Trainee
A ideia não é nova
Tem como base critério usado pelo Exército, de militar
temporário
O militar temporário pode permanecer na caserna por até oito
anos
O novo servidor deverá ser efetivado após dois anos – se
cumprir critérios de bom desempenho
A regra valeria também para juízes, procuradores e
promotores
Avaliação de desempenho
Critérios objetivos, com premiação dos bons servidores e
demissão por atuação insatisfatória
A avaliação terá dispositivos para facilitar a transferência
de funcionários de um órgão para outro
Simplificar parcerias do setor privado com autarquias,
empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações
Foi criado um novo Código de Conduta para o servidor
Cargos
Hoje existem dois tipos de carreiras no serviço público:
servidores comissionados e os com estabilidade
Estão em análise mais quatro cargos – ainda não se sabe
quais e quantos
Demissão
Atuais e novos servidores de determinadas carreiras, ainda
não definidas, não poderão ser demitidos sem justa causa
Operacionais
O projeto pretende retirar a estabilidade de funções
operacionais mais simples
Exemplo: secretárias, administrativos de RH, assistentes de
TI e equipes de limpeza, entre outros
Remuneração
Reestruturação do sistema de remuneração e de promoções
Os rendimentos dos servidores deverão ficar mais próximos
aos dos trabalhadores da iniciativa privada
Revisão de benefícios
Revisão do sistema de licenças e gratificações
Fim da progressão automática por tempo de serviço
Regulamentação da lei de greve para o funcionalismo
*O texto final ainda precisa passar pelo crivo do ministro
Paulo Guedes. Depois, seguirá para a Casa Civil.
Fontes: Ministério da Economia, Casa Civil, Presidência da
República, sindicatos, associações e federações de servidores
Estudo do Banco Mundial
Servidor federal ganha quase o dobro do trabalhador da
iniciativa privada
A diferença de salários é em média de 96%
É a maior entre 53 países
A média internacional é de 21%
Número de servidores no Executivo cresceu 10,5% entre 2008 e
2018
A remuneração média avançou 14,1% acima da inflação
Com isso, o gasto total com pessoal teve um aumento real de
25,9%
Recomendações para reforma administrativa
Redução dos salários iniciais
Aumento do tempo médio até o topo da carreira
Corte no número de carreiras
Redução das taxas de reposição dos servidores
Por Vera Batista e Alessandra Azevedo
Fonte: Blog do Servidor